Fugir de Donbass: "Algo terrível vai acontecer"

Com medo dos russos, 2000 pessoas embarcam para oeste todos os dias. O primeiro ataque foi segunda-feira à noite.
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Apopulação das áreas do Donbass ainda controladas pela Ucrânia está a fugir, temendo a chegada das tropas russas: centenas de mulheres, crianças e idosos esperavam um comboio na estação de Kramatorsk na segunda-feira. "Desde o fim de semana, cerca de duas mil pessoas embarcam diariamente para o oeste", afirma Nasir, um voluntário que ajuda na operação. Durante a noite, caíram os primeiros mísseis russos, sem causar vítimas.

Na pequena estação de comboios, cuja fachada acaba de ser pintada de vermelho e branco, costumava haver dois ou três comboios por dia, mas agora são quatro. "Nós, os homens, ficamos, as nossas famílias vão embora", diz Andrei, cuja mulher e dois filhos esperam pacientemente, com as malas aos pés.

Desde que a Rússia anunciou que deseja "concentrar os esforços na libertação do Donbass", a região vive na angústia de uma grande ofensiva russa. As tropas ucranianas estão mobilizadas desde 2014 ao longo da frente que faz fronteira com Donetsk, a sul, e Lugansk, a leste - capitais das duas autoproclamadas "repúblicas" separatistas pró-Rússia - e que vai até Izium, no noroeste. Kramatorsk, a capital regional do território ainda con- trolado por Kiev, está no centro desta área perigosa e pode ser sitiada pelas tropas de Moscovo.

"De acordo com as últimas informações, a Rússia está a trazer as suas tropas para o leste e em breve estaremos cercados", teme Viktoria, médica da "Assistência Humanitária", segundo a credencial que usa no peito. Ela espera que o exército ucraniano saia da área. "Aqui pode ser a próxima Mariupol", alerta, referindo-se ao porto cercado e bombardeado sem tréguas no Mar de Azov.

Kramatorsk tinha antes da guerra mais de 150 mil habitantes. A guerra ainda não chegou, a situação é calma, mas as ruas estão desertas, muito tranquilas, talvez com medo da chegada de uma tempestade. "Os bombardeamentos podem começar a qualquer momento", diz Andrei. Da sua parte, Svetlana sussurra: "Os rumores dizem que algo terrível vai acontecer aqui."

Na plataforma da direita, famílias com crianças. Do outro lado, pessoas mais velhas, mulheres solteiras, incluindo outra Svetlana, com uma mala numa mão, na outra um fox-terrier. As patas de Mika estão a tremer. "Ele percebe que algo está a acontecer", diz a dona, que vai para Rivne, 300 km a oeste de Kiev, onde uns amigos encontraram um apartamento para ela. "Estamos com medo. Esperei até o último momento, mas é hora de ir."

A família Ribalko, com as duas avós vestidas com chapéus de lã, conversa num banco. Uma criança pequena come um chocolate, a mais velha corre entre os adultos. Um gato siamês dorme na caixa convertida numa cesta para gatos. "Até ao último momento queríamos ficar, mas com as crianças é muito perigoso", diz Tamara, uma das matriarcas. "Dizem que a frente vai chegar aqui. Não quero acreditar. O meu marido vai ficar, gosta muito da casa dele, dos cães, do jardim..."

Chega o comboio, dez vagões azuis em direção a Khmelnitsky, 800 km a oeste, 14 horas de viagem. A multidão move-se, canalizada pelos voluntários. "Em tempos normais, são quatro pessoas por compartimento, mas agora são oito, ou seja, cerca de 700 passageiros", detalha o maquinista Serguei Popatienko. Em poucos minutos, todos estão a bordo. Um abraço, um beijo fugaz, a mão de uma criança colada ao vidro em despedida. "Porque fico?", reflete Ivan, o marido de Tamara, as mãos calejadas de agricultor: "A minha cidade vai precisar de mim, sem dúvida. Nasci aqui, vivi aqui. Vamos esperar que estes tempos ruins passem."

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