O Governo de Gabriel Attal, que sucedeu ao de Élisabeth Borne a 9 de janeiro, durou sete meses e 27 dias. O de Michel Barnier, que ontem se despediu de Matignon, pouco mais de três meses, o mais curto de sempre em França. O homem que se segue, o quarto primeiro-ministro num ano, é o centrista François Bayrou. E a dúvida é saber se baterá ou não o recorde do antecessor em plena crise política e diante de uma Assembleia Nacional mais dividida do que nunca..Nove dias depois da moção de censura da aliança de esquerda ter passado com o voto da extrema-direita e feito cair o governo de Barnier, o presidente francês, Emmanuel Macron, nomeou para primeiro-ministro aquele que é considerado um dos seus principais aliado. O líder do Movimento Democrático (MoDem), de 73 anos, terá agora o desafio de formar governo e de aprovar um orçamento para 2025. O que não será tarefa fácil. “Ninguém conhece a dificuldade da situação melhor do que eu”, disse ao receber a pasta de Barnier, falando num “Himalaias de dificuldade”..A decisão de Macron foi conhecida ao final da manhã desta sexta-feira, mas terá sido antecedida de dúvidas de última hora e um choque entre ambos. Segundo vários media franceses, apesar das múltiplas reuniões nos últimos dias com Bayrou - cujo nome era sempre falado em cada remodelação governamental -, o presidente terá telefonado ao autarca de Pau pelas 5.00 (hora em Paris) a informar-lhe que não seria escolhido..De acordo com o Le Monde, que chegou a avançar com essa notícia, Macron teria proposto a Bayrou ficar como número dois de Roland Lescure (ex-ministro da Indústria de Borne e Attal). Algo que ele rejeitou na reunião de mais de duas horas que ambos tiveram a partir das 8.30, no Eliseu, saindo sem qualquer anúncio oficial. O encontro terá sido tenso, com o líder do MoDem a ameaçar romper a aliança se não fosse o escolhido. A confirmação da nomeação veio num curto comunicado pouco antes das 13.00..Censurar ou não?.A esquerda - que venceu as legislativas de julho e insistia que o novo primeiro-ministro devia ser do seu campo - critica a proximidade de Bayrou ao presidente. São aliados desde 2017. A França Insubmissa (LFI, na sigla em francês), maior partido da aliança da Nova Frente Popular (NFP), já avisou que votará a censura. “Duas opções estarão à disposição dos deputados: apoio ao resgate de Macron ou a censura. Fizemos a nossa”, indicou a líder parlamentar da LFI, Mathilde Panot, criticando a “teimosia” do presidente em ignorar os resultados eleitorais..Já os socialistas querem conhecer o projeto de Bayrou (tal como os ecologistas) e pedem-lhe que não recorra ao artigo 49.3 da Constituição para fazer passar legislação sem o voto no Parlamento. Mas põem desde já de lado a hipótese de entrarem no executivo. “Nós vamos continuar na oposição”, afirmou o líder parlamentar socialista, Boris Vallaud, lembrando que “Macron corre o risco de agravar a crise política ao nomear um dos seus próximos” e optar por “escolher continuar com a sua política”..A extrema-direita do Reunião Nacional (RN) já disse que não haverá “censura a priori” do novo governo - como aconteceria se o nome escolhido fosse da esquerda -, mas o presidente do partido, Jordan Bardella, lembra as suas linhas vermelhas no orçamento: “Não deixar de comparticipar medicamentos e não fragilizar a situação económica e social dos reformados.”.A líder parlamentar do RN, Marine Le Pen, pediu a Bayrou que faça o que o antecessor não quis fazer: “escutar as oposições para construir um orçamento razoável e ponderado”, lembrando que qualquer política que seja “apenas uma extensão do macronismo” conduzirá “ao impasse e ao fracasso”. Bayrou, tal como Barnier, arrisca ficar nas mãos da três vezes candidata presidencial, que não hesitará em votar de novo com a esquerda para fazer cair o governo..Mesmo Os Republicanos (direita), partido ao qual pertencia Barnier, condicionam a sua participação no futuro executivo ao “projeto” que Bayrou ainda terá que apresentar. “Sempre dissemos que não o bloquearíamos. O que interessa é o projeto”, lembrou o líder do grupo parlamentar, Laurent Wauquiez, após uma reunião partidária..Para o ex-primeiro-ministro Gabriel Attal, secretário-geral do Renascimento (de Macron) e líder do grupo parlamentar Juntos pela República, Bayrou “tem as qualidades para defender o interesse geral e construir a estabilidade indispensável que os franceses esperam”..“Himalaias de dificuldade”.O primeiro desafio de Bayrou será formar Governo - Barnier levou 15 dias a montar o seu - e o segundo será passar um orçamento. “Estou consciente dos Himalaias que temos diante de nós, das dificuldades de todos os tipos, a primeira é orçamental, naturalmente, depois política e depois a desagregação da sociedade em que nos encontramos”, enumerou no discurso na passagem de pasta..O novo primeiro-ministro falou na questão da dívida pública como “um problema moral” e não apenas um “problema financeiro”. E prometeu que “perante uma situação de tamanha gravidade”, a sua atitude será “não esconder nada, não descurar nada e não deixar nada de lado”, lembrando que seria fácil escolher um ou dois temas para se focar e esquecer tudo o resto. E que não o fará. “Penso que temos o dever, num momento tão grave para o país e para a Europa, de enfrentar, de olhos abertos, sem timidez, a situação que herdámos de décadas inteiras em que não considerámos necessária e urgente a procura de equilíbrios sem os quais temos dificuldade em viver”, afirmou..Bayrou disse ainda ter “duas obsessões”, sendo a primeira “o muro de vidro que se construiu entre os cidadãos e o poder” e a segunda a ideia de que “estamos diante de um destino que não controlamos” e no qual “não temos hipóteses de progredir”. Na prática, “que as portas não estão abertas para todas”. Algo que rejeita que possa acontecer..Perfil.O centrista que queria o Eliseu entra em Matignon.Em 2017, naquela que teria sido a sua quarta candidatura à presidência, François Bayrou recuou e estendeu a mão a Emmanuel Macron. Diante da ameaça da subida da extrema-direita, o líder do Movimento Democrático (MoDem) optou por uma aliança ao centro - que defende ter a “vocação” de “aproximar as pessoas”. E transformou-se num dos principais aliados do atual presidente..Após três tentativas falhadas de chegar ao Eliseu - 2002 (ficou célebre por, durante a campanha em Estrasburgo, dar uma estalada a uma criança que acusou de lhe tentar roubar a carteira), 2007 (o melhor resultado, ficou em terceiro) e 2012 - Bayrou tornou-se ontem no novo inquilino de Matignon. Aos 73 anos, o autarca de Pau na última década é o quarto primeiro-ministro do ano em França..Nascido em 1951 no ambiente rural de Bordères, no sudoeste de França, Bayrou estudou Literatura e chegou a dar aulas. Mas a política falou mais alto, sendo eleito para o primeiro cargo (a assembleia dos Pirenéus Atlânticos) com 31 anos, tornando-se quatro anos depois deputado pela União para a Democracia Francesa (UDF), o partido de centro-direita de Valéry Giscard d’Estaing que chegou a liderar antes da dissolução e da criação do MoDem em 2007..Foi ministro da Educação entre 1993 e 1997, eurodeputado entre 1999 e 2002 e, quando Macron foi eleito em 2017, ministro da Justiça durante menos de um mês. Deixou o cargo para se defender das acusações de que o MoDem empregava funcionários fictícios no Parlamento Europeu, acabando acusado de desvio de fundos públicos. Foi absolvido por falta de provas já em fevereiro deste ano..susana.f.salvador@dn.pt