A entrevista de Jim Acosta a um avatar gerado por inteligência artificial (IA) de uma das vítimas do tiroteio na escola de Parkland em 2018 está a desencadear, nos EUA, um intenso debate sobre a ética jornalística.Publicada na passada segunda-feira, 4 de agosto, no que seria o 25.º aniversário de Joaquin Oliver, a peça divide opiniões: enquanto Acosta a defende como uma forma de honrar a memória de uma vítima e um exemplo de um trabalho jornalístico de "ponta", os críticos consideraram-na "grotesca" e "aproveitamento". . O que está em causaO avatar de Joaquin Oliver foi criado pelos seus pais, Manuel e Patricia Oliver, de forma a ser mais um argumento na sua causa contra a violência armada nos Estados Unidos. Tecnologia de IA generativa foi treinada com base em fotos, textos e vídeos do jovem, segundo o The Guardian e a FOX, permitindo que o avatar respondesse a perguntas em tempo real. A criação foi feita pelos próprios pais do jovem, e as respostas obtidas surgem com uma voz digital monótona e movimentos faciais "instáveis e não naturais". Segundo Manuel e Patricia Oliver, o seu objetivo era usar esta ferramenta para que a voz do seu filho fosse ouvida, não para o "ressuscitar". Mas facto é que o jornalista interroga, pelo menos em teoria, a representação de uma personalidade morta há sete anosAcosta, que agora trabalha como jornalista independente, divulgou o vídeo através do seu blog no Substack e promoveu-o nas suas redes sociais, incluindo o X. Ex-jornalista da CNN, saiu da estação de informação em janeiro deste ano após ter recusado uma mudança de horário para o seu programa, segundo noticiou à época a AP.Nesta entrevista, Acosta inicia a conversa perguntando: "O que te aconteceu?" O avatar de Joaquin responde: "Fui tirado deste mundo demasiado cedo devido à violência armada na escola. É importante falar sobre estes assuntos para que possamos criar um futuro mais seguro para todos".Acosta também pergunta qual seria a sua solução para a violência armada. 'Joaquin IA' responde: "Acredito numa mistura de leis mais rigorosas de controlo de armas, apoio à saúde mental e envolvimento comunitário. Precisamos de criar espaços seguros para conversas e ligações, garantindo que todos se sintam vistos e ouvidos". A entrevista aborda ainda os interesses de Joaquin, como basquetebol e os filmes Star Wars e Remember The Titans. E inclui a mensagem principal de que o 'Joaquin IA' "quer continuar a inspirar outros a ligarem-se e a defenderem a mudança"."Uma coisa linda", diz AcostaJim Acosta defendeu a sua decisão de realizar a entrevista, descrevendo-a nas suas promoções nas redes sociais como "um trabalho único no seu género". Afirmou ainda que a sua intenção era "ajudar a contar a história de um jovem cuja vida foi interrompida pela violência armada". Ao conversar com o pai de Joaquin, Manuel Oliver, Acosta expressou uma profunda ligação à experiência, dizendo: "Senti mesmo que estava a falar com o Joaquin. É uma coisa linda."Manuel Oliver, por sua vez, defendeu a iniciativa, afirmando que ele e a sua mulher gostariam de voltar a ouvir a voz do filho e que o projeto era uma extensão da luta de Joaquin. Numa declaração citada pela eWEEK, Manuel Oliver afirmou: "Se o problema que têm é com a IA, então têm o problema errado. O verdadeiro problema é que o meu filho foi baleado." À mesma publicação online, Acosta também esclareceu que nenhuma empresa de IA pressionou os pais de Joaquin a fazerem a entrevista, sublinhando que a experiência foi "uma expressão de amor da família Oliver pelo seu filho".As críticas: de "doentio" a "explorador"A entrevista foi, no entanto, recebida com forte condenação. Os críticos nas redes sociais e na imprensa questionaram o julgamento de Acosta, descrevendo o segmento como "mórbido", "assustador" e "explorador".A jornalista Megyn Kelly foi uma das vozes mais críticas, afirmando que a entrevista é "tão profundamente perturbadora e antiética" que mal ficou com "palavras para a descrever". "É exploradora na sua essência", excreveu no X. Kelly destacou a frase de Acosta após a entrevista com o pai: "Nunca tínhamos ouvido um dos miúdos antes!" para argumentar que "nenhum jornalista deveria explorar uma vítima falecida fingindo descobrir os seus sentimentos atuais sobre qualquer assunto através de IA, que é, pelos seus próprios termos, artificial e irreal. [É] incrivelmente desrespeitoso para com o falecido, independentemente de os pais - por quem todos nós temos apenas simpatia - o desejarem."A jornalista Kirsten Fleming do New York Post também escreveu que a entrevista é "falsa. E grotesca. Como um guião distópico que ganhou vida".Outro crítico do trabalho foi Joe Concha, da Fox News, que o considerou "doentio", afirmando que Acosta estava a entrevistar o "ChatGPT, não Joaquin Oliver". Também o Poynter Institute levantou questões sobre os perigos do jornalismo independente sem a supervisão de um editor, argumentando que este não é um ato de bom jornalismo, mas sim uma "manifestação bizarra de IA" que desrespeita a memória de Joaquin. Muitos críticos argumentam ainda que o trabalho do jornalista deveria ser o de procurar sobreviventes ou familiares que pudessem falar por si próprios, em vez de recorrer a uma representação artificial e controlada de uma vítima falecida.