Ex-Brigadas Vermelhas que viviam há décadas em França foram agora presos
Sete antigos membros das Brigadas Vermelhas e de outros grupos de extrema-esquerda italianos, que foram condenados à revelia em Itália mas gozavam há décadas de proteção em França, foram detidos numa operação conjunta das autoridades dos dois países e enfrentam a extradição. Outros três são procurados. De acordo com o Palácio do Eliseu, o objetivo é "garantir a justiça para as vítimas". Já o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, lembrou que a memória dos "atos bárbaros" praticados por estes grupos "ainda está bem viva na consciência dos italianos".
As Brigadas Vermelhas, como outros grupos de extrema-esquerda, semearam o pânico entre o final da década de 1960 e meados dos anos 1980, nos chamados Anos de Chumbo (por causa do número de balas disparadas). As brigadas foram responsáveis por vários atos de sabotagem, assaltos, raptos e assassinatos, que resultaram na morte de quase 50 pessoas, entre as quais o sequestro e homicídio (55 dias depois) do ex-primeiro-ministro e antigo líder do partido Democracia Cristã, Aldo Moro, em 1978.
"A França, que também é afetada pelo terrorismo, percebe a absoluta necessidade de providenciar justiça para as vítimas", disse a presidência francesa num comunicado, após o anúncio das detenções, indicando também querer solucionar uma questão que tem sido motivo de tensão entre Paris e Roma. "É também parte da necessidade absoluta de construir uma Europa de justiça na qual a confiança mútua deve ser central", de acordo com o mesmo texto.
Na década de 1980, França comprometeu-se a não extraditar antigos membros de grupos de extrema-esquerda para Itália e deixá-los ficar no país desde que prometessem renunciar à violência e não estivessem acusados de "crimes de sangue". Era a chamada "doutrina Mitterrand", em nome do antigo presidente socialista, François Mitterrand, que assumiu o compromisso verbal. Algo que não agradou a Roma. Desde o inicio do século que Paris tem vindo a rever a sua política, com uma análise caso a caso dos pedidos vindos de Itália.
Segundo a imprensa italiana, a ministra da Justiça, Marta Cartabia, terá transmitido no início do mês um pedido urgente aos franceses, alegando que alguns dos crimes estão prestes a prescrever e os atentados das Brigadas Vermelhas podiam ficar impunes. Mario Draghi terá depois falado ao telefone com o presidente francês, Emmanuel Macron, reiterando a importância do tema. "A memória destes atos bárbaros ainda está bem viva na consciência dos italianos", indicou o primeiro-ministro italiano, numa curta reação à detenção. "Não se pode fugir das próprias responsabilidades, da dor causada, do mal gerado", disse o chefe da diplomacia italiano, Luigi di Maio.
Cinco antigos membros das Brigadas Vermelhas (Enzo Calvitti, Giovanni Alimonti, Roberta Cappelli, Marina Petrella e Sergio Tornaghi), um da Lotta Continua (Giorgio Pietrostefani) e outro do Núcleo Armado contra o Poder Territorial (Narciso Manenti) foram detidos nesta quarta-feira pelas autoridades francesas, numa operação conjunta com as italianas. Três outros suspeitos, Luigi Bergamin, Maurizio Di Marzio e Raffaele Ventura, não estavam em casa no momento da detenção e estão em fuga. Os dez foram condenados em Itália, à revelia, por crimes relacionados com terrorismo. A presidência francesa deixou claro que não violou a doutrina Mitterrand, dizendo que os detidos foram condenados "pelos crimes mais graves".
Enzo Calvitti, de 66 anos, foi condenado a 18 anos, sete meses e 25 dias de prisão pelos crimes de associação criminosa, pertencer a um grupo armado, pertencer a um grupo terrorista e receber armas roubadas. A sentença foi proferida em setembro de 1992 e o mandado de captura europeu expirava a 21 de dezembro de 2021. Já Marina Petrella, também de 66 anos, foi condenada a prisão perpétua por homicídio. A sua extradição foi bloqueada em 2008, por problemas de saúde, pelo então presidente Nicolas Sarkozy, depois da intervenção da mulher, Carla Bruni (nascida em Itália).
A advogada de Petrella, e de outros quatro antigos membros das Brigadas Vermelhas, condenou a detenção e diz que irá lutar contra a extradição. "Desde os anos 1980, estas pessoas têm estado sob a proteção da França. Fizeram aqui as suas vidas durante 30 anos, à vista de todos, com os seus filhos e netos... e depois numa manhã, vêm atrás deles, 40 anos depois dos factos", disse citada pela agência AFP.