O duplo golpe assestado contra as aspirações da Ucrânia na véspera, quer pela conversa mantida pelos líderes dos EUA e da Rússia, quer pelas declarações do secretário da Defesa norte-americano, deixou os aliados sem reação - num primeiro momento. Mas os líderes europeus, acusados com frequência de tibieza e de incapacidade para falar a uma voz, encontraram uma mensagem para Donald Trump: nem pensar em negociações a sós com Vladimir Putin. A estupefação deu lugar a uma resposta firme. Recapitulemos: na véspera, o presidente norte-americano anunciou que iria encontrar-se com o líder russo em breve, possivelmente na Arábia Saudita, e que as negociações para a paz entre a Rússia e a Ucrânia iriam iniciar “de imediato”. Horas depois, na sua rede social, escreveu: “Há boas hipóteses de acabar com esta guerra horrível e sangrenta!”. Em paralelo, o secretário da Defesa Pete Hegseth disse que não é realista a Ucrânia voltar a ter as fronteiras anteriores a 2014, antes da anexação da Crimeia por Moscovo, e que a adesão de Kiev à NATO também não é um desfecho realista. Aos aliados, disse que não é altura de gastar 2% do PIB em defesa - a atual meta que poucos cumprem - mas 5%, uma percentagem que nem os EUA alocam. .“Teria sido melhor falar sobre a possível adesão da Ucrânia à NATO ou sobre a possível perda de território do país apenas na mesa das negociações e não retirar o assunto da mesa de antemão.”Boris Pistorius. A França, a Alemanha, a Polónia, a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a UE e a Ucrânia alertaram que “a Ucrânia e a Europa devem fazer parte de quaisquer negociações”. Este comunicado resultou de um encontro em Paris dos respetivos ministros dos Negócios Estrangeiros, os quais lembraram que “uma paz justa e duradoura na Ucrânia é uma condição necessária para uma forte segurança transatlântica”. Em Bruxelas para a reunião de ministros da Defesa da NATO, o alemão Boris Pistorius foi o mais frontal nas críticas à política da Casa Branca, ao dizer que é “lamentável” que Trump já esteja a fazer “concessões” ao país agressor ainda antes de se chegar à mesa das negociações. O seu homólogo francês, Sébastien Lecornu, em entrevista à BFMTV, alinhou pelo mesmo diapasão: “Donald Trump quer impor a paz pela força, mas a nossa preocupação é que essa força seja apenas fraqueza.” E deu como exemplo as negociações falhadas de Trump com Kim Jong-un ou a decisão de os EUA saírem do acordo nuclear com o Irão. .“Nenhum acordo feito nas nossas costas irá funcionar. O apaziguamento nunca resulta. Qualquer acordo também precisará da participação da Ucrânia e da Europa.”Kaja Kallas. Kaja Kallas, chefe da diplomacia da UE, alertou contra a hipótese de se chegar a uma “solução rápida”, um “acordo sujo” para acabar com a guerra, e a única forma de o evitar é que a Europa e a Ucrânia estejam na mesma mesa das negociações. Esta ideia foi repetida ao longo do dia em Bruxelas -- onde o ministro português Nuno Melo esteve ausente, tendo Portugal sido representado pelo embaixador Paulo Vizeu Pinheiro. Perante estas declarações, Hegseth, em conferência de imprensa, disse que “qualquer negociação será feita com ambos”, referindo-se a Putin e a Volodymyr Zelensky, o líder ucraniano, tendo deixado para os europeus um papel no “imperativo de paz”, sem especificar. O secretário, ex-militar e comentador da Fox News sem qualquer experiência política, acabou por dar o dito por não dito sobre as declações da véspera respeitantes à Ucrânia. “Estas negociações são lideradas pelo presidente Trump. O que ele decide permitir ou não é da competência do líder do mundo livre, o presidente Trump.”Zelensky aconselhou os líderes ocidentais a desconfiar da prontidão de Putin para parar a guerra e propôs que Kiev possa usar os 300 mil milhões de dólares de ativos russos congelados para comprar armas aos EUA. Mas Trump, enquanto admitia que Zelensky “e outras pessoas” devem estar à mesa das negociações, preferiu dizer que quer a Rússia de volta ao G7. Foi a anexação da Crimeia que levou a que o grupo de países com as economias mais desenvolvidas expulsasse a Rússia do então G8. Não é de crer que este cenário esteja para breve, uma vez que uma decisão dessa natureza exige o consenso..Trump diz que Kiev estará envolvida em negociações de paz com a Rússia.Zelensky deixa aviso a Trump: "Não podemos aceitar, como país independente, quaisquer acordos feitos sem nós"