Apesar de ter tido o voto positivo de 13 países e a abstenção do Reino Unido, a proposta de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que exigia a um cessar-fogo humanitário em Gaza não passou, depois de os EUA usarem o seu direito de veto enquanto membros permanentes. O voto norte-americano era o esperado, pois o representante Robert A. Wood tinha alegado que o cessar-fogo só serviria para "plantar as sementes para a próxima guerra, já que o Hamas não tem qualquer desejo de uma paz duradoura". Wood considerou que a resolução era "desequilibrada", "afastada da realidade" e não teria consequências práticas no terreno..De nada serviu o apelo feito pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que recorreu ao artigo 99.º da Carta da ONU para obrigar o Conselho de Segurança e discutir o tema. O português descreveu uma "situação sem precedentes" na Faixa de Gaza, dizendo que esta levou à sua "decisão sem precedentes de invocar o artigo 99.º", instando aquele órgão "a pressionar para evitar uma catástrofe humana e apelando à declaração de um cessar-fogo humanitário". E insistiu: "Os olhos do mundo, e os olhos da história, estão a ver. É hora de agir." .Guterres reiterou a sua condenação "ao ataque terrorista brutal" do Hamas a 7 de outubro, reforçando que "não há justificação possível para a morte deliberada de cerca de 1200 pessoas, incluindo 33 crianças" ou a tomada de centenas de reféns. Contudo, defendeu, "a brutalidade perpetrada pelo Hamas nunca pode justificar a punição coletiva do povo palestiniano"..O secretário-geral falou dos mais de 17 mil palestinianos que já morreram nos ataques israelitas, entre eles sete mil crianças, além da destruição de 60% das casas no enclave e no facto de 85% da população ter sido obrigada a fugir. "Embora o lançamento indiscriminado de rockets por parte do Hamas contra Israel e do uso de civis como escudos humanos irem contra as leis da guerra, tal conduta não absolve Israel das suas próprias violações"..Guterres alegou que a situação está a tornar-se "insustentável", porque que "as condições para a entrega efetiva de ajuda humanitária já não existem". E lembrou que a fronteira de Rafah, entre a Faixa de Gaza e o Egito, não foi desenhada para deixar passar centenas de camiões. Mesmo que essa ajuda pudesse entrar, indicou, as restrições aos movimentos e os bombardeamentos constantes, além da escassez de combustível, tornam impossível chegar a quem precisa..O português defendeu que "não existe proteção efetiva dos civis" no enclave palestiniano, está a acabar a comida e o sistema de saúde está a "colapsar" apesar de as necessidades estarem a aumentar. "A população de Gaza está a ser instruída a mover-se como flippers humanos, fazendo ricochete entre zonas cada vez mais pequenas no sul, sem qualquer dos elementos básicos para a sobrevivência. Mas nenhum local em Gaza é seguro", insistiu o secretário-geral..O representante palestiniano na ONU, Riyad Mansour, usou da palavra para acusar o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, de "sacrificar" tanto os palestinianos como os israelitas em nome da sua "sobrevivência política". E acusou-o também de procurar uma limpeza étnica" na Faixa de Gaza..Por seu lado, o embaixador israelita, Gilad Erdan, voltou a criticar Guterres por ter usado o artigo 99.º, dizendo que quem quebrou o cessar-fogo foi o Hamas - a 7 de outubro. "A ironia é que a estabilidade e segurança regional de tanto os israelitas como os habitantes de Gaza só pode ser alcançada quando o Hamas for eliminado, não um minuto antes", indicou. "Por isso, o verdadeiro caminho para garantir a paz é apenas através do apoio à missão de Israel, não um apelo a um cessar-fogo", acrescentou..O projeto de resolução apresentado pelos Emirados Árabes Unidos - que contava com o apoio de pelo menos 97 Estados-membros - exigia um cessar-fogo humanitário imediato, além da libertação imediata e sem condições de todos os reféns. Insistia ainda que as populações civis palestinianas e israelitas devem ser protegidas.."Embora os EUA apoiem fortemente uma paz duradoura em que tanto Israel como a Palestina possam viver em paz e segurança, não apoiamos os apelos para um cessar-fogo imediato", tinha dito o representante americano. "Isto só iria plantar as sementes para a próxima guerra, já que o Hamas não tem qualquer desejo de uma paz duradoura ou de ver uma solução de dois estados", acrescentou Wood..Em cinco tentativas, só houve uma resolução que passou no Conselho de Segurança, em meados de novembro, que pedia "pausas e corredores humanitários urgentes e alargados". Nessa altura, os EUA abstiveram-se junto com o Reino Unido e a Rússia..susana.f.salvador@dn.pt