Uma "aliança de drones" com a Ucrânia ou a suspensão parcial do Acordo de Associação com Israel nas questões relacionadas com o comércio. Estas foram apenas duas das novidades no discurso do Estado da União da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.No discurso, na manhã desta quarta-feira (10 de setembro) no Parlamento Europeu, a alemã falou das prioridades da agenda europeia, defendendo ainda o acordo comercial com os EUA, além de fazer um balanço de várias políticas internas.Von der Leyen começou o discurso com o que disse ser um "diagnóstico sombrio", de um "combate pelos nossos valores e pelas nossas democracias", admitindo que os europeus não se sentem à vontade com isso. "Porque a nossa União é, na sua essência, um projeto de paz. Mas a verdade é que o mundo de hoje é implacável", defendeu.Da Faixa de Gaza à Ucrânia, a presidente da Comissão Europeia disse que "não podemos simplesmente ficar à espera de que esta tempestade amaine", lembrando que "este verão mostrou-nos que não há espaço nem tempo para adotarmos uma postura contemplativa".E reiterou que "a Europa tem que combater", "pelo seu lugar no mundo em que muitas potências adotam atitudes ambíguas ou abertamente hostis" para com a Europa."Um mundo de ambições imperiais e de guerras imperiais. Um mundo em que as dependências são instrumentalizadas sem pudor. É neste contexto que é imperativa a emergência de uma nova Europa", afirmou, dizendo que "este tem que ser o momento da independência europeia".Guerra na UcrâniaA presidente da Comissão Europeia contou, no seu discurso, a história de Sasha, que tinha 11 anos quando após um ataque a Mariupol foi levado pelos russos para a cidade ocupada de Donetsk, e da sua avó Liudmyla, que não descansou enquanto não o trouxe de volta. Os dois estavam a assistir ao Estado da União.Von der Leyen reiterou que a guerra na Ucrânia "tem de culminar numa paz justa e duradoura", insistindo que "a liberdade da Ucrânia é a liberdade da Europa" e admitindo que as imagens da cimeira do Alasca entre o presidente norte-americano, Donald Trump, e o russo, Vladimir Putin, foram "difíceis de digerir".A presidente da Comissão referiu também a incursão de drones russos na Polónia, deixando claro que a Europa "está totalmente solidária" com os polacos."A mensagem de Putin é clara. A nossa resposta deve ser igualmente inequívoca. Temos de exercer mais pressão sobre a Rússia para que se sente à mesa das negociações. Precisamos de mais sanções", disse, explicando o 19.º pacote de sanções que está a ser preparado e que os europeus estão a trabalhar "para acelerar a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis russos, a frota-fantasma e os países terceiros a ela associados".Mais à frente no discurso defendeu que "chegou o momento de nos libertarmos dos combustíveis fósseis russos poluentes". "Esta é a guerra da Rússia. E é a Rússia que deve pagar", defendeu também von der Leyen. "É por esta razão que temos de trabalhar urgentemente numa nova solução para financiar o esforço de guerra da Ucrânia tendo por base os ativos russos imobilizados", explicou.A presidente anunciou ainda um novo programa - Vantagem Militar Qualitativa - que apoiará investimentos nas Forças Armadas ucranianas, além de uma "aliança dos drones" com a Ucrânia.Falando na ideia de uma "Europa de Defesa" para lá da NATO, von der Leyen apresentou ainda o programa Vigilância do Flanco Leste, lembrando que este "protege toda a Europa". Entre outras coisas falou, por exemplo, de responder aos "amigos bálticos" e criar um "muro de drones que negue aos adversários o elemento surpresa""A Europa defenderá cada milímetro do seu território", insistiu, propondo ainda um semestre europeu de Defesa.Faixa de GazaA presidente da Comissão Europeia usou uma linguagem particularmente forte no que diz respeito à guerra na Faixa de Gaza, dizendo que o que está a acontecer no enclave palestiniano "abalou a consciência mundial" e é "inaceitável".Falando nas imagens de pessoas a morrer enquanto suplicam por comida, von der Leyen disse: "A fome deliberada não pode nunca ser usada como arma de guerra. Pelas crianças, pela humanidade, esta situação tem de acabar."A presidente da Comissão Europeia acusou ainda Israel de "uma clara tentativa de inviabilizar uma solução assente na coexistência de dois Estados" e de "sabotar a visão de um Estado palestiniano viável", defendendo que "não podemos deixar que isso aconteça".Von der Leyen mencionou a proposta de suspender parte do financiamento do programa Horizonte, a que Israel tem acesso, mas explicou que sem maioria entre todos os Estados-membros a proposta fica bloqueada.E anunciou que a Comissão fará tudo o que puder fazer sozinha. "Suspenderemos o nosso apoio bilateral a Israel. Cessaremos todos os pagamentos nestes domínios, sem comprometer o nosso trabalho com a sociedade civil israelita nem com o Yad Vashem", disse. E apresentará mais duas propostas ao Conselho Europeu: "Proporemos sanções contra os ministros extremistas e os colonos violentos. Proporemos igualmente uma suspensão parcial do Acordo de Associação nas questões relacionadas com o comércio."A aprovação de ambas as propostas dependerá de uma maioria.Quase no final do discurso, Von der Leyen sugeriu que "está na altura de nos soltarmos das amarras impostas pela unanimidade", nomeadamente no caso de política externa.Custo de vida e habitaçãoVon der Leyen falou ainda de mobilidade militar e digitalização, a União da Poupança e dos Investimentos, de concluir o Mercado Único, de avançar na Inteligência Artificial -- "uma IA europeia é essencial para a nossa independência futura" --, do Pacto da Indústria Limpa, do Pacto Ecológico Europeu. O discurso passou ainda pela Estratégia da União Europeia de Combate à Pobreza, com von der Leyen a prometer também "uma série de pacotes sobre acessibilidade financeira e o custo de vida".Em questões de habitação, falou de que se tornou "uma fonte de ansiedade" para muitos europeus, já que os preços aumentaram 20% desde 2015 e as licenças de construção diminuíram mais de 20% em cinco anos."Não se trata de uma mera crise da habitação. É uma crise social. Que desgasta o tecido social da Europa. Que fragiliza a nossa coesão. E que ameaça a nossa competitividade", afirmou, explicando que ainda este ano será apresentado o Plano Europeu de Habitação a Preços Acessíveis e que vai ser organizada a primeira cimeira da UE sobre Habitação.No que diz respeito a veículos, von der Leyen quer que a Europa tenha o seu próprio ecocarro europeu. "Eco de ecológico - limpo, eficiente e ligeiro. Eco de económico - acessível às pessoas. Europeu - construído aqui na Europa, usando cadeias de aprovisionamento europeias", disse, defendendo que não podemos deixar que a China e outros países conquistem este mercado."O futuro dos automóveis -- e os automóveis do futuro -- devem ser construídos na Europa", insistiu.Von der Leyen falou ainda de segurança alimentar, da Política Agrícola Comum (PAC), do acordo com o Mercosul e do reforço do orçamento para a promoção de uma nova campanha "compre alimentos europeus".Acordo comercial com os EUAVon der Leyen tomou nota das queixas em relação ao acordo comercial que concluiu este verão com os EUA."A nossa relação comercial com os Estados Unidos é, de todas, a mais importante Anualmente, exportamos para os EUA produtos num valor superior a 500 mil milhões de euros. Destas exportações dependem milhares de postos de trabalho. Enquanto presidente da Comissão, nunca porei em risco os empregos ou os meios de subsistência dos cidadãos", afirmou."Por este motivo, assinámos um acordo para que as nossas indústrias possam continuar a ter acesso ao mercado. E velámos por que a Europa obtivesse o melhor acordo possível", insistiu, alegando que conseguiu. "Sem qualquer dúvida".A presidente da Comissão Europeia defendeu contudo que é preciso continuar a diversificar as parcerias com outros blocos.Estado de direito e desinformaçãoVon der Leyen deixou ainda recados internos, nomeadamente no que diz respeito ao Estado de direito - muitas vezes questionado na Hungria, por exemplo. "Respeitar o Estado de direito é uma condição obrigatória para os fundos da UE. Agora e no futuro", disse.Falando dos perigos da desinformação, defendeu ainda um "escudo europeu da democracia" -- porque "precisamos de mais capacidade para monitorizar e detetar a manipulação da informação e a desinformação" - e anunciou a criação de um novo "centro europeu de resiliência democrática".A presidente da Comissão Europeia falou ainda da importância da comunicação social independente e das "dificuldades" que os meios de comunicação tradicionais enfrentam. E anunciou o lançamento do programa para a resiliência dos media, que irá apoiar o jornalismo independente e a literacia mediática."A liberdade de imprensa é o alicerce da democracia. Apoiaremos a imprensa da Europa para que se mantenha livre", afirmou.Em relação a redes sociais, defendeu restrições para as crianças, anunciando que vai incumbir um grupo de peritos de lhe prestar aconselhamento até ao final do ano sobre o tema. "Porque quando se trata da segurança das crianças quando navegam online, são os pais e não os lucros que importam à Europa", explicou.MigraçãoA presidente da Comissão Europeia falou em triplicar o financiamento da gestão da migração e das fronteiras no próximo orçamento "para podermos gerir a migração de forma eficaz e proteger as nossas fronteiras externas"."Precisamos de um sistema que seja humano, mas que não seja ingénuo. Há que levar a sério o regresso dos requerentes de asilo recusados aos respetivos países de origem", defendeu, lembrando que é "inaceitável" que só 20% das pessoas que não são autorizadas a permanecer na Europa saiam efetivamente da Europa.Von der Leyen pede que seja alcançado rapidamente um acordo sobre o sistema comum de regresso europeu e defendeu um novo regime de sanções que vise especificamente os passadores e traficantes de seres humanos.IncêndiosLembrando os fogos deste verão, Von der Leyen propôs a criação de um polo europeu de combate a incêndios baseado em Chipre."As alterações climáticas estão a tornar cada verão mais quente, mais duro e mais perigoso. Razão pela qual temos de intensificar radicalmente os nossos esforços em matéria de resiliência e adaptação às alterações climáticas e avançar com soluções baseadas na natureza. Mas temos também de nos dotarmos das ferramentas necessárias para dar respostas", explicou.