Desta vez o presidente francês, Emmanuel Macron, não tem a desculpa da “trégua olímpica” e não deverá perder tempo a designar um sucessor de Michel Barnier, o primeiro chefe do governo em mais de 60 anos a ser afastado numa moção de censura. Não houve uma surpresa de última hora e, como esperado, a moção apresentada pela aliança de esquerda da Nova Frente Popular (NFP) teve o apoio da extrema-direita do Reunião Nacional (RN). Eram precisos 288 votos e a moção passou com 331. Macron fala esta quinta-feira à noite ao país (19.00 em Lisboa)..Barnier, primeiro-ministro há menos de três meses (a segunda volta das legislativas foi em julho, mas Macron usou a desculpa dos Jogos Olímpicos para não nomear logo o novo governo), fica para a história como aquele que menos tempo esteve no cargo. Caiu numa moção de censura depois de ter recorrido ao artigo 49.3 da Constituição francesa para tentar aprovar, sem o apoio dos deputados, o orçamento para a Segurança Social..“O seu fracasso foi anunciado e é amargo”, disse o presidente da Comissão de Finanças da Assembleia, Éric Coquerel, dos radicais da França Insubmissa, que apresentou a moção de censura da NFP. O deputado explicou que Barnier é vítima “da maldição que lhe foi transmitida pelo verdadeiro responsável por esta situação, Emmanuel Macron”, referindo-se à “ilegitimidade”..Foi a decisão de Macron de convocar eleições antecipadas, após a derrota dos partidos que o apoiam nas eleições europeias, que resultou numa Assembleia Nacional dividida em três grandes blocos, onde a aliança de esquerdas tem mais representantes, mas o Reunião Nacional é o maior partido. Um cenário que tornou complicada a governação e que não poderá resolver com novas eleições, já que só pode voltar a dissolver a Assembleia um ano depois - em junho..Nas várias intervenções, houve diversos ataques a Macron. “Hoje assinamos a sentença de morte de um mandato, o do presidente”, afirmou o deputado do NFP, tendo começado a sua intervenção a dizer que tanto ele como Barnier fazem história. “Você porque vai ser o único primeiro-ministro a ser censurado desde 1962. Eu porque apresento esta moção.”.Coquerel defendeu que Barnier “cairá em desonra”, alegando que até ao fim tanto o primeiro-ministro como o seu governo “expressaram valores comuns com a extrema-direita para que os seus deputados não votassem a censura”. Apesar destes ataques, o RN votou a favor da moção de censura da esquerda (apesar de também ter apresentado a sua, que não chegou a ser votada), com a líder parlamentar, Marine Le Pen, a dizer que usava a NFP apenas como “uma simples ferramenta”..No púlpito, a líder parlamentar do RN, Marine Le Pen, falou num “momento parlamentar sem precedentes desde 1962”, que sela “o fim de um governo efémero, um governo de circunstância e, em última análise, de aparência”. E acusou o primeiro-ministro de apresentar um orçamento que deixava os franceses “reféns” e que, às propostas do seu partido, respondia de uma única forma: “impostos, impostos, sempre impostos”..A ex-candidata presidencial, derrotada por duas vezes por Macron na segunda volta, também atacou o inquilino do Eliseu. “Cabe a Emmanuel Macron concluir ele próprio se está em condições de continuar ou não”, afirmou Le Pen. “Se decidir ficar, será obrigado a perceber que é o presidente de uma República que já não é, por sua culpa, a quinta.”.Mais de duas horas depois do início do debate, Barnier tomou a palavra, numa última tentativa de tentar convencer os deputados a não votar a favor da moção de censura, pedindo-lhes que medissem “as consequências” do seu voto. O primeiro-ministro avisou que a difícil realidade das finanças públicas “não vai desaparecer pela magia de uma moção de censura”, falando num “momento de verdade e de responsabilidade”..Barnier defendeu o seu orçamento para a Segurança Social, admitindo que não era perfeito, mas lembrando que foi feito em 15 dias. “Este texto representa aos meus olhos, e digo isto sem pretensão, um bom compromisso. O melhor compromisso possível. Agora é a altura de o implementar”, sublinhou, avisando que a moção tornará tudo ainda pior. E depois traçou o cenário negro de não ser aprovado um orçamento até ao final do ano e de isso significar a perda de poder de compra para os franceses, com o alegado aumento dos impostos para mais de 18 milhões de famílias..“Tive e tenho orgulho em agir para construir e não para destruir”, defendeu Barnier. “Não me conformo com a ideia de que a desestabilização institucional possa ser o objetivo que reúne aqui uma maioria de deputados”, acrescentou, terminando o discurso emocionado e antevendo o desfecho do voto: “Foi uma honra ter servido com dignidade a França e os franceses.”.Reações.“A censura inevitável ocorreu. Mesmo com um Barnier a cada três meses, Macron não durará três anos”, escreveu no X o ex-líder e candidato presidencial da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon. “Não considero que isto seja uma vitória”, disse Le Pen, em entrevista à TF1, uns minutos antes de ser conhecido o resultado. “Tínhamos uma escolha a fazer e a escolha que fizemos foi proteger os franceses”, acrescentou..A votação da censura a Barnier decorreu quando Macron ainda não tinha regressado a Paris da sua viagem de Estado à Arábia Saudita. O avião aterrou cerca de meia hora depois de ser conhecido o resultado. Apesar de ter dito, na véspera, que não acreditava que a censura passasse, o presidente já teria andado a investigar nomes de possíveis sucessores. Fontes indicaram à BFMTV que o presidente queria nomear um novo primeiro-ministro em menos de 24 horas..Possíveis sucessores?.Sébastien Lecornu. O atual ministro das Forças Armadas, que já ocupou várias pastas no governo desde 2017, é um dos nomes que se fala para suceder a Michel Barnier (se o próprio Barnier não voltar a ser nomeado). O problema é que é visto como demasiado próximo do presidente Emmanuel Macron. François Bayrou. O líder do partido MoDem (Movimento Democrático), que foi ministro da Justiça no início do primeiro mandato de Macron, é outro dos nomes na lista. Foi ilibado em fevereiro das acusações de mau uso de fundos públicos europeus. Bernard Cazeneuve. O antigo primeiro-ministro socialista (dezembro de 2016 a maio de 2017) seria uma hipótese mais à esquerda, mesmo se não é consensual em toda a aliança da Nova Frente Popular - que não apoiou nas legislativas. Bruno Retailleau. O ministro do Interior é outra das hipóteses em cima da mesa, sendo que a sua postura dura em relação à imigração poderia abrir a porta ao apoio da extrema-direita. Mas arriscava perder a ala mais à esquerda no partido de Macron. François Baroin. O ex-ministro das Finanças de Nicolas Sarkozy (entre 2011 e 2012) é outra das hipóteses. Já foi o líder dos presidentes da câmara e tem, alegadamente, boas relações também entre os socialistas. .susana.f.salvador@dn.pt