O município murciano de Torre Pacheco está em alerta máximo depois de grupos de extrema-direita terem espalhado nas redes sociais a convocatória para uma “caçada” aos imigrantes magrebinos, na sequência da agressão, na quarta-feira passada (9 de julho), de um homem de 68 anos por parte de três jovens marroquinos (entretanto já detidos). Mais de 130 agentes antidistúrbio foram destacados para a localidade de 40 mil habitantes (30% deles estrangeiros de 68 nacionalidades), onde as noites têm sido de tensão e confrontos desde sexta-feira. O presidente do Governo de Múrcia, Fernando López Miras (Partido Popular), apelou esta terça-feira à calma, insistindo na necessidade de o Ministério do Interior espanhol destacar os efetivos necessários para que “termine a violência” e a cidade não se converta “num campo de batalha”. A “caçada” está marcada para começar esta terça-feira à noite, mas deverá continuar até quinta-feira, com as forças de segurança a tentar evitar os confrontos.A situação em Torre Pacheco, mais precisamente no bairro de San Antonio onde vivem muitos magrebinos, está a ser usada para fins políticos em Espanha. A Procuradoria anunciou já a abertura de uma investigação por crimes de ódio contra o dirigente local do Vox, José Ángel Antelo, após denúncia dos socialistas do primeiro-ministro Pedro Sánchez, do Podemos e da Esquerda Unida. “Dizer a verdade nunca será um crime de ódio”, alegou Antelo, afirmando que o seu partido “condena toda a violência” em Torre Pacheco. Para o líder do Vox de Múrcia, a culpa da violência dos últimos dias é do “bipartidarismo” do Partido Popular (PP) e do PSOE, acusando os dois partidos que dominam o cenário político em Espanha de fomentar a imigração ilegal. Há pouco mais de uma semana, o Vox defendeu a deportação de oito milhões de imigrantes. E quer um referendo nacional sobre o tema. “O que aconteceu é consequência dos discursos da extrema-direita”, indicou na segunda-feira o ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska. O líder do partido o Vox, Santiago Abascal, respondeu com ironia. “Pelos vistos, tenho a culpa de que os detidos pela agressão ao idoso de Torre Pacheco sejam dois marroquinos em situação irregular”, afirmou, com o partido de extrema-direita a insistir na sua política de deportação massiva (de imigrantes ilegais, mas também de legais condenadas por crimes) e em culpar o PSOE e o PP.. “O racismo é incompatível com a democracia”O primeiro-ministro espanhol reagiu à violência na cidade de Múrcia na segunda-feira, no X. “O racismo é incompatível com a democracia”, escreveu Pedro Sánchez, defendendo que “devemos elevar a voz, atuar com firmeza e defender os valores que nos unem”. E concluiu a sua mensagem: “Espanha é um país de direitos, não de ódio.”Esta terça-feira, no final do Conselho de Ministros, a porta-voz do Governo, Pilar Alegría, condenou o “ódio que é alimentado através das mentiras” e que se converte em “combustível inflamável” contra aqueles que são vistos como “diferentes pela sua cor de pele ou a sua religião”. Criticou ainda os que “vinculam imigração com violência”, dizendo que “nesse ódio chafurda diariamente um partido político como o Vox com o silêncio cúmplice do PP”. O líder da oposição, Alberto Núñez Feijóo, atacou os imigrantes que violam a lei, mas também aqueles que querem fazer justiça pelas próprias mãos. “Aqueles que cruzaram as nossas fronteiras para violar a lei não nos representam. Aqueles que a incumprem tendo nascido aqui também não”, disse num vídeo divulgado nas redes sociais. Logo no domingo, aproveitou o caso para atacar o Governo, defendendo que este devia reforçar os efetivos policiais para “travar a espiral de violência imediatamente”. E insistiu que “garantir a segurança dos cidadãos” é uma das prioridades, tal como que “todos respondam diante da lei, começando pelos agressores de um idoso indefeso”. “Defender” Torre PachecoA confusão começou na quarta-feira, quando um homem de 68 anos chamado Domingo foi agredido durante a sua caminhada matinal junto ao cemitério de Torre Pacheco. Na queixa que fez na polícia, disse que o grupo de jovens que o atacou seria de origem magrebina, o que desencadeou mensagens de ódio xenófobas. Daí ao apelo para “defender” a localidade murciana dos imigrantes não foi preciso muito.As redes sociais ajudaram, mesmo com recurso a informações falsas - incluindo um vídeo da suposta agressão, que não era verdadeiro. No fim de semana, a população envolveu-se em confrontos, obrigando à intervenção constante das autoridades policiais para manter uma distância de segurança entre os magrebinos e os restantes grupos de vizinhos, que então já contavam com o apoio de grupos de extrema-direita vindos de fora. . Desde o início dos confrontos, já houve 14 detenções, incluindo os três suspeitos da agressão a Domingo. Os três são marroquinos, nenhum deles residente em Torre Pacheco. Dois dos suspeitos, de 21 e 22 anos, foram acusados de omissão de socorro. Apesar de não terem participado na agressão, não fizeram nada para a evitar. O autor da agressão, de 19 anos, foi detido na segunda-feira à noite, quando tentava apanhar o comboio em Renteria, no País Basco, e deixar Espanha.As outras 11 detenções registadas até ao princípio da tarde de ontem são de pessoas que participaram nos confrontos. Na noite de segunda para terça-feira, foram presos três jovens de nacionalidade marroquina, acusados de lançar objetos contra os agentes da Guarda Civil que tentavam impedir uma nova noite de violência - tendo ignorado os apelos de pelo menos três imãs muçulmanos que foram até à zona para tentar acalmar a situação. Na véspera, tinham sido detidos vários suspeitos de atacar um restaurante de kebab.As autoridades também já identificaram mais de uma centena de pessoas, algumas com objetos que poderiam ser usados em agressões, sendo que a maioria eram de fora de Torre Pacheco e até de Múrcia, tendo chegado em grupos organizados. As autoridades estão em alerta para os próximos dias, depois de terem corrido nas redes sociais apelos ao protesto “Contra as agressões aos nossos avós. Só o povo salva o povo”. Um dos alegados líderes do movimento Deport Them Now (Deportem-nos Agora) que estará por detrás do apelo à “caçada”, foi detido em Barcelona e acusado de incitação ao ódio. O canal no Telegram onde o grupo apelava aos ataques foi entretanto encerrado pelas autoridades. Esta organização de extrema-direita racista tem tentáculos e ligações por toda a Europa, tendo participado na conferência da extrema-direita em Gallarate (Itália), em maio, onde também estiveram representantes de partidos como o alemão Alternativa para a Alemanha, o francês Reconquista ou o português Chega. Apelos à calmaO autarca local, Pedro Ángel Roca, emitiu uma mensagem a pedir a tranquilidade dos cidadãos. “Vamos resolver os nossos problemas”, disse à RTVE, agradecendo ao dispositivo policial que foi reforçado nos últimos dias. E pediu que não cheguem pessoas de fora. “Não faz falta cá ninguém.”Numa reportagem da televisão espanhola, o dono do restaurante de kebab que foi atacado por cerca de 30 homens encapuzados, continua em choque. “Eles não são de aqui. Na terra conhecemo-nos. Eu sou daqui e nunca tive nenhum problema”, disse Hassan. Questionado sobre a agressão ao idoso, outro jovem, Imad, diz que quer ajudar a encontrar os culpados. “Metem-nos a todos no mesmo saco e vêm atacar-nos”, afirmou. “Não queremos a guerra, mas estamos preparados para defender o nosso bairro”, contou outro jovem, Rayan, já nascido em Espanha..O que está a acontecer em Torre Pacheco? Confrontos entre extrema-direita e imigrantes estremecem Espanha