"As pessoas que apostaram em Macron, apostaram numa personagem brilhante, sedutora, sob o ponto de vista intelec- tual, que traz uma imagem de juventude associada à sua performance e à sua maneira de estar”, para encontrar um caminho intermédio entre o “desgaste da esquerda tradicional” e a “radicalização da direita democrática”. Esta é uma das perspetivas que o embaixador jubilado Francisco Seixas da Costa partilhou com o DN sobre o presidente francês, que, entre esta quinta-feira e sexta-feira, visita Portugal.Partindo da ideia de que, em França, “não há uma tradição do liberalismo”, na mesma medida em que “também não há uma tradição da democracia-cristã”, Seixas da Costa traça a figura de um chefe de Estado que, aos 47 anos, “é um objeto político não identificado”, tal como o seu percurso o demonstra, acabando por se cristalizar em alguém que, se fosse transportado para o universo português, estaria “entre o PSD e a Iniciativa Liberal, eventualmente”.O embaixador lembra que Macron começou o seu percurso político com a entrada para o governo de François Hollande, na altura como secretário-geral do Palácio do Eliseu (o equivalente ao Palácio de Belém, em Portugal), acabando depois por ascender ao cargo de ministro da Economia. Contudo, apesar de estar, na altura, dentro de uma estrutura socialista, Macron destacava-se por uma “posição mais liberal do que aquela que era normal dentro da esquerda francesa”. Mas, sustenta o também investigador universitário, Macron partilha ainda alguns traços ideológicos com o antigo presidente francês Georges Pompidou (entre 1969 e 1974), até porque ambos trabalharam para o banco de investimento Rothschild, com sede em Paris.Macron, explica Seixas da Costa, começou a afastar-se do governo de Hollande para “criar o seu próprio caminho”, com “uma perspetiva mais liberal”. Por este motivo, o atual presidente francês surge como “uma espécie de caução do mundo empresarial”. Portanto, em termos de semelhanças, o melhor antecedente de Macron para Seixas da Costa seria o antigo chefe de Estado francês Valéry Giscard d’Estaing, - sucessor de Georges Pompidou -, que era “um centrista, do centro-direita, naturalmente, com uma postura liberal”.Em relação ao papel que o presidente francês ocupa atualmente, “no fundo, é o grande opositor de Marine Le Pen”, desenvolve o embaixador. “Temos de perceber também que, em França, a extrema-direita, a certa altura, passou a ser uma espécie de o outro lado do espelho da direita tradicional, e, portanto, é um homem de centro liberal. Não temos exemplos aqui em Portugal de figuras nesse registo, na minha opinião.”Questionado sobre se faz falta em Portugal este lugar político de Macron, Seixas da Costa, que também foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus no primeiro Governo de António Guterres, confessa que não tem “estados de alma relativamente a um lado que não é” o seu. Com esta ideia em mente, o embaixador jubilado considera que “os partidos que existem em Portugal, hoje em dia, cobrem o espetro necessário à representação política”, principalmente “depois da balcanização à direita e de alguma balcanização à esquerda” .Mas há também aqui uma reviravolta nesta teoria de Seixas da Costa, numa alusão a uma eventual candidatura a Belém: “A prova provada, talvez, de que eu não tenho razão é a circunstância de aparecer o almirante [Gouveia e Melo].” “Parece que há um setor da opinião pública que acha que a vida política não se esgota nos partidos e foge por uma outra via. No fundo, estamos a assistir a um remake do Eanismo dos anos 80.”Um partido centrista europeuO DN conversou igualmente com o professor do Instituto Português de Relações Internacionais Carlos Gaspar, que também defendeu que a família política de Macron não existe em Portugal.“Nenhum partido esteve próximo da République en Marche [REM]ou do Renaissance [o anterior e o atual partido de Macron] e nenhum se filiou ao lado dos deputados do presidente Macron no Parlamento Europeu”, explicou o professor de Ciência Política, acrescentando que a estratégia inicial do presidente francês “era construir um partido centrista europeu, com partidos nacionais, que pudesse superar o domínio alemão sobre o PPE [Partido Popular Europeu] e o Grupo dos Socialistas Europeus”. Contudo, completa Carlos Gaspar, “os emissários de Macron, que vieram a Lisboa antes das Eleições Europeias de 2019, não encontraram senão uma mão-cheia de interlocutores individuais em Portugal, que não era possível organizar num partido para enfrentar o PS e o PSD”. Questionado sobre como é que Macron protagonizou o exercício de passar do socialismo de Hollande para o liberalismo que recuperou em França, o académico explica que “a essência da estratégia de Macron e do REM era transcender a divisão entre a esquerda e a direita para construir um partido central europeísta e, de modo nenhum, fazer um partido de direita”.Esta ideia, desmontada por Carlos Gaspar, encontra os alicerces na génese das direitas - “a monárquica, a republicana e a democrata-cristã” -, porque são “antiliberais, tanto ou mais do que as esquerdas”. “Nesse sentido, a posição do REM e dos seus sucessores é sempre uma posição centrista liberal, contra uma divisão clássica entre esquerda e direita, que Macron e os seus parceiros políticos consideravam - e consideram - ser um arcaísmo histórico.”Macron em PortugalO presidente francês estará esta quinta-feira em Lisboa. Irá assinar acordos bilaterais, como o que garante que Portugal vai comprar até 36 veículos CAESAR (artilharia pesada motorizada) a França, até 2034, e vai ainda receber das mãos de Marcelo Rebelo de Sousa o testemunho da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que em 2025 será coorganizada por França e Costa Rica.Esta sexta-feira, a visita continua na cidade do Porto..Macron chega a Lisboa entre a crise interna e o “trampolim” da Ucrânia