“Embora a Arménia pareça mais fraca que o Azerbaijão, a democracia dá-lhe muita força”
Nanna Heitmann/The New York Times

“Embora a Arménia pareça mais fraca que o Azerbaijão, a democracia dá-lhe muita força”

Anna Ohanyan, académica americana que esteve em Lisboa a convite da Faculdade de Letras, Gulbenkian e Associação de Amizade Portugal-Arménia, falou ao DN dos desafios para a Arménia, ameaçada pelo vizinho e abandonada pela Rússia, protetor tradicional da pequena nação cristã. EUA, França e Índia são agora apoios.
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"Olhe-se para o orçamento das forças armadas do Azerbaijão e compare-se com o da Arménia. A partir dessa perspetiva, poderia argumentar que sim, que nas negociações de paz o lado arménio está numa posição mais fraca, até porque geopoliticamente o Azerbaijão está a cooperar com duas potências revanchistas, que são a Rússia e a Turquia, ambas interessadas em enfraquecer os princípios liberais básicos da ordem mundial”, afirma Anna Ohanyan, especialista no espaço ex-soviético e em especial no Cáucaso do Sul. Mas, alerta a académica americana de origem arménia, “ao mesmo tempo, penso que se olharmos para os dois países do ponto de vista das suas capacidades estatais, ambos estão dentro do sistema internacional, são ambos pequenos Estados, mas o Azerbaijão é um Estado em declínio simplesmente porque não passou pelos tipos de transformações políticas, mudanças democráticas que as vizinhas Arménia e Geórgia fizeram. Não só os recursos petrolíferos, mas também os outros recursos de combustíveis fósseis estão quase esgotados no Azerbaijão. Juntamente com esta aceleração da transição verde que está a varrer o mundo, o grande desafio para o Azerbaijão é que não é apenas um Estado autoritário, é uma autocracia personalizada, o país de Ilham Aliyev. Portanto, a este respeito, o Azerbaijão é um Estado muito fraco porque o governo que tem carece de uma profunda legitimidade,  depende do apoio dessas potências externas para a estabilidade do regime”. 

Uma análise que surpreende, depois de em 2023, o Azerbaijão, com as tais forças armadas pagas com os rendimentos petrolíferos, ter desferido o golpe definitivo nos separatistas arménios do Nagorno-Karabakh, levando ao êxodo de mais de cem mil pessoas, um desafio de integração para a Arménia. O país tem hoje menos de três milhões de pessoas e um território igual a um terço do português, o que sobra de uma nação que foi a primeira no mundo a converter-se ao cristianismo (no século IV) e é tão antiga que a sua história se cruza a certa altura com a do Império Romano, tanto no Cáucaso do Sul como na Anatólia.

Em conversa com o DN por Zoom, combinada depois de ter participado em novembro num ciclo de palestras em Lisboa, na Gulbenkian, a professora Ohanyan não só vê o poderio azeri como temporário, como valoriza muito a resiliência arménia: “Embora a Arménia possa parecer mais fraca, na verdade, institucionalmente está numa posição mais forte devido à transição democrática realizada há seis anos, a revolução de Veludo,  e até ao facto de a vizinha Geórgia ter recebido um estatuto de candidata à União Europeia. Este último evento, juntamente com as mudanças  de 2018 na Arménia, ajudou a fortalecer a força democrática no Cáucaso do Sul, o que é muito bom também, diga-se, para o povo do Azerbaijão, que também ambiciona a democracia”. O Azerbaijão vai ter presidenciais antecipadas em fevereiro, com Aliyev como hiperfavorito, pois governa com mão de ferro desde 2003, quando sucedeu ao pai, Heydar.

Rivais históricos, a Arménia cristã e o Azerbaijão muçulmano coexistiram na era soviética em relativa paz, mas o processo que conduziu no início da década de 1990 à independência de ambas as repúblicas foi logo marcado por violência recíproca contra as comunidades a viver no país vizinho. O diferendo maior passou a ser o Nagorno-Karabakh, enclave de maioria arménia no Azerbaijão, uma herança da política de fronteiras soviética, quando o Kremlin definia limites arbitrariamente com o objetivo de dividir para reinar. Entre 1991 e 2020, os separatistas arménios controlaram o Nagorno-Karabakh, conquistando até território vizinho, e declararam mesmo a República de Artsaque, ligada por um estreito território, o corredor de Lachin, à Arménia. Mas duas guerras, a primeira em 2020 e a segunda, relâmpago, em setembro do ano passado, inverteram  a situação, com o Azerbaijão a recuperar um território que a comunidade internacional reconhece como seu apesar de ser há séculos habitado sobretudo por populações arménias.

Sobre o fim da proteção russa aos arménios, a professora do Stonehill College, no Massachussets, diz que na realidade essa nunca existiu. “Sempre vi a Rússia como um novo ator imperial e há uma grande continuidade entre a Rússia e a União Soviética. Da forma como funcionam os Estados construídos imperialmente, eles não precisam de aliados. Assumir que a Arménia e a Rússia são aliadas, isso pressupõe que a Rússia é um Estado normal. A Rússia é um novo Estado imperial e continuou, após o colapso da União Soviética - especialmente sob Putin, mas menos sob Ieltsin - a tentar manter a influência sobre os territórios pós-soviéticos. Assim, a Rússia sempre esteve interessada em controlar tanto a Arménia, como o Azerbaijão, bem como a Geórgia. Portanto, nesse aspeto, a corte contínua da Rússia ao Azerbaijão continuou sob Putin. Mas na própria Arménia, a narrativa de que a Rússia era o fornecedor de segurança tem sido central. E, como resultado disso, o país não teve uma política externa independente. Algo que custou caro em termos de tentar fazer avançar a sua condição de Estado”, sublinha Ohanyan, que esteve em Lisboa numa iniciativa da Faculdade de Letras e da Associação de Amizade Portugal-Arménia.

A Arménia integra formalmente uma aliança de segurança coletiva criada pela Rússia, mas o país, desde que Nikol Pashinyan é primeiro-ministro, tem procurado atrair outros apoios, até porque considera que as forças russas encarregadas de proteger os civis arménios do Nagorno-Karabakh falharam nessa missão. Estados Unidos e França, onde vivem grandes diásporas arménias, estão entre esses apoios, mas também a Índia. “Esse novos aliados, a menos que sejam capazes de fornecer assistência militar completa à Arménia, em termos de proteção da fronteira, terão resultados mais duradouros se mantiverem uma pressão cada vez mais forte sobre o Azerbaijão, essencialmente promovendo um verdadeiro acordo de paz e impulsionando a democracia no Cáucaso do Sul”, acrescenta a académica americana. Ohanyan salienta que “o Departamento de Estado, sob a presidência de Joe Biden, está muito empenhado no Sul do Cáucaso, especialmente na proteção das fronteiras da Arménia, e isso tem sido importante para restringir o Azerbaijão”. O receio maior agora é que os azeris tentem anexar um corredor em território arménio que ligue o exclave de Nakitchevan (outro legado soviético) ao resto do país. 

“A questão é se Biden não for reeleito, se esta política continuará na próxima administração, nomeadamente se Donald Trump regressar, pois é conhecido por ser isolacionista e por se dar bem com homens fortes como Erdogan ou Putin”, conclui Anna Ohanyan, cujo mais recente livro é The Neighborhood Effect: The Imperial Roots of Regional Fracture in Eurasia (2022).

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