Em dia de comemorações Putin insiste na cartada nuclear
9 de maio de 1945, dia da capitulação nazi e da consequente vitória da União Soviética; 9 de maio, dia da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, cinco anos depois. As comemorações do fim da Grande Guerra Patriótica (nome pelo qual o espaço soviético designava a Segunda Guerra Mundial) e do Dia da Europa foram mais uma vez realizadas à luz, ou melhor, à sombra, da guerra na Ucrânia, com o líder russo mais uma vez a sacar da manga a carta da ameaça atómica.
Vladimir Putin, que na segunda-feira, véspera da cerimónia de tomada de posse de mais um mandato, deu ordens para exercícios militares com armas nucleares táticas, voltou a deixar uma advertência para o exterior. “A Rússia fará tudo para evitar um confronto global, mas, ao mesmo tempo, não permitiremos que ninguém nos ameace. As nossas forças estratégicas estão sempre prontas para o combate”, disse em referência às capacidades nucleares do seu país durante o discurso proferido na Praça Vermelha perante os veteranos sobreviventes, os militares, e alguns, poucos, dignitários estrangeiros (os presidentes dos países da Ásia Central, da Bielorrússia, da Guiné-Bissau, de Cuba e de Laos).
A retórica e os atos do Kremlin no que respeita à estratégia nuclear não são novos. Em 2015, já com a Crimeia tomada e a guerra no Donbass a decorrer, Putin anunciou mais 40 mísseis balísticos intercontinentais para o arsenal nuclear. Os peritos há muito consideraram esta fixação nas capacidades nucleares como um seguro para compensar umas forças armadas muito longe do poderio e da capacidade de projeção do Exército Vermelho, apesar do esforço de renovação dos últimos anos. “Ouvimos sempre com atenção o que Vladimir Putin está a dizer. Reconhecemos também, naturalmente, que ele tem um longo historial de ameaças intimidatórias”, dizia em 2022 o então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico James Cleverly.
Os tratados de limitação de armas assinados com os Estados Unidos expiraram, com exceção do Novo START, assinado em 2010 por Dmitri Medvedev e Barack Obama. Este vigora até 2026, apesar de em fevereiro do ano passado Putin ter anunciado a suspensão do mesmo. Uma das decisões a tomar no seu novo mandato será a de repelir ou renovar o último tratado que limita as ogivas nucleares estratégicas de Moscovo e de Washington, embora no discurso de tomada de posse tenha atirado a responsabilidade do diálogo para o Ocidente, em particular sobre a proliferação nuclear. “A escolha é deles: pretendem continuar a tentar restringir o desenvolvimento da Rússia, continuar a política de agressão, a pressão incessante sobre o nosso país durante anos, ou procurar um caminho para a cooperação e a paz?”.
A desresponsabilização do seu percurso enquanto líder - uma Rússia estável à custa das liberdades e dos direitos cívicos, e em expansionismo militar alimentada por uma retórica saudosista e nacionalista - voltou a ficar patente durante as acusações ao Ocidente e às falsidades e distorções históricas com que recheou a oratória. “Durante os primeiros três longos e difíceis anos da Grande Guerra Patriótica, a União Soviética lutou contra os nazis quase frente a frente, enquanto quase toda a Europa trabalhava para o poderio militar da Wehrmacht”, acusou, esquecendo-se de que a mesma URSS tinha sido aliada circunstancial da Alemanha de Hitler e de que vários países tentavam resistir à ameaça nazi. “O revanchismo, a ridicularização da história, o desejo de justificar os apoiantes nazis de hoje, fazem parte da política das elites ocidentais para incitar cada vez mais conflitos regionais”, atirou ainda.
Na parada militar participaram soldados que estiveram a combater na Ucrânia, mas no que respeita ao material de guerra, e em especial aos carros de combate, apenas desfilou um tanque T-34 do tempo da Segunda Guerra, quando nos campos ucranianos foram destruídos, danificados ou capturados mais de três mil tanques segundo dados de fontes abertas compilados pelo site Oryx. Em contrapartida, fizeram fila os sistemas de lançamento de mísseis que causam destruição diária na Ucrânia (S-400 e Iskander), além do míssil balístico intercontinental Yars.
O Dia da Europa, que se comemora também a 9 de maio, mas em memória da Declaração Schuman, que estabeleceu a antecâmara da União Europeia, é sobretudo um dia de celebração da paz, pelo que a data voltou a ficar manchada pela guerra que decorre num país com estatuto de candidato à adesão. Roberta Metsola, a presidente do Parlamento Europeu que em abril de 2022 visitou Kiev quando poucos tiveram a coragem para fazê-lo, regressou à capital ucraniana para dizer que está “dolorosamente consciente de que a Ucrânia necessita urgentemente de mais equipamentos e sistemas de defesa aérea”. Como que em resposta, o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, de visita aos EUA, disse que o seu país vai adquirir três sistemas móveis de lançamento múltiplo de foguetes HIMARS a Washington.
Em entrevista à agência Ukrinform, a dirigente maltesa definiu o que é para si o fim do conflito: “A paz para nós é muito clara: paz com dignidade, paz com justiça, paz com soberania territorial e nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia em cima da mesa.”
Zaluzhny enviado para Londres
Valery Zaluzhny, que desempenhou o cargo de chefe das forças armadas ucranianas até março, foi nomeado embaixador da Ucrânia no Reino Unido. O general de 50 anos, que rivaliza em popularidade com Volodymyr Zelensky, havia entrado em desacordo público com o presidente nos últimos meses antes de ser exonerado. Outras mudanças se preparam ao nível governamental depois de o parlamento ucraniano, a Verkhovna Rada, ter aprovado resoluções para a demissão do vice-primeiro-ministro Oleksandr Kubrakov (com a pasta da Reconstrução e das Infraestruturas) e do ministro da Agricultura Mykola Solsky.