A União Europeia abriu a porta à adesão da Ucrânia em sinal de apoio, mas isso não pode irritar ainda mais a Rússia e levar ao escalar do conflito? A atitude de Moscovo, ao invadir um Estado soberano plenamente reconhecido pela comunidade e pelo direito internacionais, suscitou um apoio consensual do Ocidente à causa ucraniana. A União Europeia (UE), desde 2008 enredada na sua dimensão económica e debilitada pela "novela" do Brexit, encontrou nesta ameaça externa um elemento de aproximação entre os Estados-membros. Sendo a unanimidade determinante para que a União avance em matérias como a política externa e a segurança e defesa, a invasão acabou por servir como incentivo para voltar a debater estas questões, podendo mesmo conduzir à tomada de decisões importantes. A adesão da Ucrânia à UE deve ser lida dentro deste novo enquadramento, embora já tenha sido posta alguma água na fervura: o processo não será automático e dependerá, em boa medida, do que, mais cedo ou mais tarde, for definido sobre o futuro do país em negociações com a Rússia. Dito isto, não me parece que o pedido, só por si, alargue o conflito, uma vez que não há perspetiva de adesão imediata..A Rússia parece estar a aumentar os ataques na Ucrânia. Após o impasse no encontro entre os ministros dos Negócios Estrangeiros russo e ucraniano, só um frente a frente Putin-Zelensky pode trazer uma solução diplomática para esta guerra? As negociações podem ser processos longos e muito amplos em termos de conteúdo. Muitas vezes, os chefes de Estado ou de Governo traçam as diretrizes para o trabalho minucioso de diplomatas e políticos e só surgem para assinar e sufragar os acordos. Também há casos com um envolvimento direto das primeiras linhas governamentais, como nos Acordos de Dayton, mas são menos frequentes. Seria difícil, para não dizer impossível, que os russos se envolvessem numa operação militar desta envergadura para resolver à mesa o que nem Moscovo nem Kiev quiseram resolver nos últimos oito anos. Os objetivos de Moscovo deverão passar por negociar algo de substantivo apenas no momento em que o exército russo tenha uma vantagem consistente no terreno. Parece ser essa a finalidade da guerra. No entanto, como a operação estará a demorar mais do que o inicialmente previsto, Vladimir Putin, por agora, poderá não se sentir incentivado a negociar mais do que corredores humanitários e cessar-fogos pontuais..Qual o objetivo final da Rússia? Putin arriscará estender o domínio sobre outros países da ex-URSS? Tudo dependerá do resultado da atual campanha. Vladimir Putin já deu provas mais do que suficientes de que as linhas vermelhas que estabeleceu para a segurança do seu país estão para lá das linhas que demarcam o território da Federação Russa. Isto já tinha ficado bem visível em 2008, quando levou a cabo uma intervenção militar em território georgiano, em apoio aos independentistas da Abcásia e da Ossétia do Sul; e em 2014, com o patrocínio à independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk e com a anexação da Crimeia. A Ucrânia está, porém, a demonstrar ser um objetivo muito mais duro de alcançar. O território é muito maior, faz fronteira com países da NATO e Kiev está a ser amplamente apoiada pelo Ocidente. É provável que as tropas de Moscovo acabem por conseguir vencer a resistência ucraniana, mas será à custa de baixas pesadas e do colapso da economia da própria Rússia. Uma invasão com custos muito elevados poderá limitar novas intervenções..Fala-se em ataques químicos e biológicos, até num ataque nuclear. O que antes era um cenário impensável passou a ser credível? O pós-Guerra Fria habituou-nos mal. Depois de duas guerras mundiais e de uma Guerra Fria com o fantasma de uma catástrofe nuclear sobre o mundo, tivemos três décadas de relativa tranquilidade. A globalização atenuou as fronteiras e tornou-nos mais interdependentes, o que terá contribuído para tornar a guerra entre Estados pouco apelativa. Continuámos a ter guerras (Balcãs, Síria, Líbia, Iémen, entre outras) e outro tipo de violência política (em certos casos com consequências, como o genocídio do Ruanda), mas sem um propósito de conquista territorial de um Estado por outro. No momento em que nos apercebemos de que esta acalmia interestatal poderá ter sido meramente conjuntural, não podemos descartar outro tipo de surpresas e retrocessos. O presidente russo fez questão, desde o início da invasão, de trazer o nuclear para o debate. Joe Biden tem sido externamente prudente nesta matéria e parece empenhado em fintar qualquer provocação que arraste a NATO para uma guerra que teria consequências imprevisíveis..Alguns países como a China, Turquia ou Israel têm tentado mediar a situação. A China, como maior potência e membro permanente do Conselho de Segurança será a melhor posicionada para o fazer? Esta guerra pode representar um entrave à consolidação da República Popular da China como grande potência. O comunismo soviético caiu, em boa medida, pela estagnação e declínio da economia do país. O comunismo chinês resistiu porque alterou a matriz económica e conseguiu associar o regime à melhoria das condições de vida da população. A China é, hoje, um dos grandes atores da globalização. Compreendeu-a a aproveitou as oportunidades que esta suscitou, assumindo, progressivamente, um estatuto de grande potência com uma afirmação económica muito evidente. Uma guerra que está a pôr em causa a recuperação da economia mundial pós-pandemia e que fez disparar os preços da energia não é, manifestamente, do interesse da China. Paralelamente, há um bom entendimento entre Pequim e Moscovo no que respeita à crítica à expansão da NATO e ao protagonismo dos Estados Unidos, ao contrário do que ocorria durante a Guerra Fria. Estes dois factores podem contribuir para conferir um papel de pivot à China, num cenário de negociação de alto nível..A UE tem apresentado uma rara frente unida neste conflito. Com a chegada de milhões de refugiados, a situação pode mudar? Os países que estão na primeira linha da receção dos refugiados têm tido um comportamento próximo do exemplar. A UE e os Estados-membros ativaram todos os mecanismos previstos e, até ao momento, o resultado é positivo. No entanto, uma escalada do conflito que aumente mais a pressão nas fronteiras poderá provocar uma mudança deste quadro, gerando resistência nos governos nacionais..helena.tecedeiro@dn.pt