Às vozes que esta quinta-feira se congratulavam com a morte do líder do Hamas, Yahya Sinwar, juntavam-se aquelas que pediam ao governo israelita para aproveitar esta vitória militar e forçar a negociação da libertação dos 101 reféns ainda nas mãos do grupo terrorista palestiniano. Mas a morte daquele que era considerado o arquiteto do ataque de 7 de Outubro, que há um ano fez cerca de 1200 mortos, pode ser mais um golpe para o Hamas, mas não significa o seu fim ou o fim da guerra..“Hoje acertámos contas. Hoje, o mal sofreu um duro golpe, mas a tarefa à nossa frente ainda não está completa”, disse esta quinta-feira o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, numa declaração após a confirmação da morte de Sinwar numa operação militar na quarta-feira à noite. “A nossa guerra ainda não acabou”, insistiu, indicando contudo que este “é o princípio do dia depois do Hamas” e uma oportunidade para os residentes da Faixa de Gaza “se libertarem” da “tirania” do grupo terrorista. E reiterou: “O Hamas não vai governar Gaza.”.Dirigindo-se às famílias dos reféns, Netanyahu falou num “importante momento da guerra” e prometeu continuar “com todas as nossas forças até ao regresso a casa de todos os vossos entes queridos, que são os nossos entes queridos”. Mais cedo, as famílias tinham pedido ao primeiro-ministro e aos mediadores para que “transformem a conquista militar numa conquista diplomática, procurando um acordo imediato para a libertação de todos os 101 reféns: os vivos para reabilitação e os assassinados para um enterro adequado”. Mas esse não parece ser o plano israelita, também não sendo claro qual será a reação do Hamas..Netanyahu também se dirigiu na sua mensagem aos “terroristas”, dizendo que os seus líderes estão “a fugir e vão ser eliminados”. O chefe do governo israelita alegou que Sinwar “dizia ser um leão, mas em realidade estava escondido numa toca escura. E foi morto quando fugiu em pânico” dos soldados israelitas. Netanyahu prometeu que aqueles que “depuserem as armas” e “devolverem os reféns” serão autorizados a “sair e a viver”, avisando que aqueles que os matarem: “os vossos dias estão contados”..Numa altura em que ainda prepara a resposta ao bombardeamento iraniano do início do mês, o primeiro-ministro israelita enviou também uma mensagem para a região. “Esta é uma grande oportunidade para parar o eixo do mal e criar um futuro diferente. Um futuro de paz”, afirmou. Uma mensagem para o chamado eixo de resistência, liderado pelo Irão, que inclui o Hamas, o Hezbollah libanês, os Houthis do Iémen e grupos iraquianos. “A escuridão está a retroceder, a luz está a aumentar”, afirmou..Netanyahu também enviou uma mensagem aos críticos que têm atacado Israel pela continuação da guerra na Faixa de Gaza. “Agora é claro para todos, em Israel e no mundo, porque insistimos em não acabar a guerra, porque insistimos face a todas as pressões em entrar Rafah, o bastião fortificado do Hamas onde Sinwar e muitos dos assassinos se esconderam.”.Uma morte fortuita.As autoridades israelitas não revelaram os pormenores da operação em que morreu o líder do Hamas, na quarta-feira à noite. “Sinwar foi eliminado depois de um ano em que se escondeu no coração da população civil em Gaza e em esconderijos subterrâneos nos túneis do Hamas”, escreveu no X o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), Daniel Hagari, explicando que a pressão dos últimos dias à sua volta, com inúmeras operações , culminou na sua morte. Segundo os media israelitas, as IDF sabiam que ele estava em Rafah, mas não conheciam o local certo e a sua morte no bairro de Tel Sultan acabou por ser fortuita..Sinwar, considerado o arquiteto do ataque de 7 de Outubro, liderava a lista dos terroristas mais procurados por Telavive - as autoridades ofereciam 400 mil dólares por informações do seu paradeiro. Líder do Hamas em Gaza desde 2017, Sinwar ascendeu a chefe máximo do grupo terrorista após a morte do líder político, Ismail Haniyeh, numa explosão em Teerão em julho (Israel não assumiu a responsabilidade)..Ao contrário de Haniyeh, que vivia no exílio no Qatar, Sinwar nunca saiu da Faixa de Gaza. Acreditava-se que estaria escondido nos túneis que o grupo terrorista construiu por todo o enclave palestiniano, rodeado de reféns israelitas que serviam como “escudos humanos”. Mas morreu fora dos túneis, com as autoridades a dizer que não havia reféns na zona e quando nem sequer era o alvo das IDF..Segundo os media israelitas, os militares terão disparado contra três terroristas que entraram num edifício de Rafah na quarta-feira. Foi então dada ordem para um tanque disparar, o que causou o colapso parcial do edifício. Quando os militares entraram, aperceberam-se de que um dos mortos se parecia com Sinwar. Fotos do cadáver circulavam ontem nas redes sociais..Os soldados recolheram amostras de ADN para serem testadas em Israel, tendo também sido tiradas as impressões digirais e os registos dentais - informação que está na posse dos israelitas desde o tempo em que o líder do Hamas esteve na prisão. A identidade de Sinwar foi ontem confirmada pelas autoridades..Mais de 20 anos na prisão.Nascido em 1962 no campo de refugiados de Khan Yunis (a família tinha sido expulsa de Ashkelon durante a guerra de 1948 após a criação de Israel), Sinwar foi um dos fundadores do Majd, a força de segurança interna do Hamas responsável por identificar e eliminar palestinianos suspeitos de colaboracionismo. Foi nas prisões israelitas, onde passou 22 anos da sua vida, que desenvolveu as capacidades de liderança (organizava greves de presos) e se tornou num dos nomes fundamentais dentro do grupo terrorista. Aproveitou o tempo para aprender hebraico.. A sua última condenação foi em 1988, por entre outros crimes planear o rapto e a morte de dois soldados israelitas. Apesar de ter sido condenado a quatro penas perpétuas, seria um dos mil presos palestinianos libertados em 2011 em troca de Gilad Shalit, um militar das IDF que passou mais de cinco anos em cativeiro. .À frente do Hamas na Faixa de Gaza desde 2017, quando sucedeu a Haniyeh (visto como tendo um perfil mais político), Sinwar optou por reforçar as alianças com o Hezbollah e o Irão. E apostar na vertente militar do grupo, acreditando que só a luta armada possibilitaria a criação de um Estado palestiniano. A dúvida é saber o que o próximo líder fará, já que a morte de Sinwar não é o fim da ideologia do Hamas..Um dos nomes de que se fala - tal como já se falava após a morte de Hanieyh - é de Khaled Meshal, que já foi um dos líderes político do Hamas. Israel envenenou-o em 1998, mas salvou-o com o antídoto após um acordo diplomático com a Jordânia. O antigo dirigente de 68 anos vive no exílio, saltando entre Koweit, Jordânia, Qatar ou Síria, mas continua a ser uma figura influente dentro do grupo. Outra possibilidade é Khalil al-Hayya, número dois do gabinete político do Hamas. .Reações internacionais.“O que esperamos é que, quem quer que seja o próximo líder, que olhe para o que aconteceu no último ano e para o sofrimento que as ações do Hamas trouxeram ao povo palestiniano que dizem representar, e decida que devem seguir um outro caminho”, disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller. “Este é um bom dia para Israel, para os EUA e para o mundo”, reagiu o presidente Joe Biden. “Há agora a oportunidade para o ‘dia depois’ em Gaza sem o Hamas no poder e para um acordo político que providencie um melhor futuro para os israelitas e os palestinianos”, acrescentou..Itália, Alemanha, França e NATO saudaram a morte do líder do Hamas, apelando ao cessar-fogo em Gaza e Líbano. “Sinwar era o principal responsável pelos ataques terroristas e atos bárbaros de 7 de Outubro. Penso com emoção nas vítimas nesse dia, entre as quais 48 dos nossos compatriotas, e nos seus familiares”, escreveu o presidente francês, Emmanuel Macron, no X, exigindo a libertação de “todos os reféns ainda detidos pelo Hamas”..Também a chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, apelou ao Hamas para que “liberte imediatamente todos os reféns e deponha as armas”, apelidando Sinwar de “assassino cruel”. E acrescentou: “O sofrimento do povo de Gaza deve finalmente chegar ao fim.” O seu homólogo italiano e também vice-presidente, Antonio Tajani, disse esperar que esta morte “conduza a um cessar-fogo em Gaza”, alegando que “Israel pode ter cumprido a sua ação de autodefesa contra os terroristas do Hamas”. O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, ainda antes de ser confirmada a morte, escreveu: “Pessoalmente, não sentirei a sua falta”..susana.f.salvador@dn.pt