Durão Barroso defendeu, esta terça-feira, que é uma "grande ilusão" dos "grandes poderes" pensarem que podem impor a paz. "Podem impor a guerra", afirmou.
Durão Barroso defendeu, esta terça-feira, que é uma "grande ilusão" dos "grandes poderes" pensarem que podem impor a paz. "Podem impor a guerra", afirmou.Foto: Leonardo Negrão

Durão Barroso diz que "a única forma de garantirmos a paz é estarmos preparados para a guerra"

O antigo presidente da Comissão Europeia alertou que as relações no Ocidente, com a "cumplicidade baseada na união de valores", talvez já esteja "em crise", pelo que a Europa precisa de autonomia.
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"A situação geopolítica global é, hoje, muito instável, volátil, polarizada, fragmentada, imprevisível e cada vez mais perigosa", afirmou esta terça-feira, durante a Grande Conferência Diário de Notícias em torno da Defesa, o antigo presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso, acrescentando que, por este motivo, é fundamental construir uma "indústria de defesa europeia" que garanta a autonomia estratégica nesta área, mas sem se desligar da Aliança Atlântica.

"Estão, hoje, a aprofundar-se, a amplificar-se, a reforçar-se tendências que já vinham a fazer sentido há algum tempo, mas que, sobretudo, a partir desse acontecimento decisivo que foi a invasão da Ucrânia pela Rússia, procuram colocar em causa toda a ordem global existente", continuou o também antigo primeiro-ministro português, enquanto alertou para um quadro global marcado por uma guerra na Europa.

Durão Barroso fez questão de salientar que era uma vantagem para si não estar estar em funções políticas, motivo pelo qual podia exprimir-se "com total liberdade".

Aludindo sem nomear o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Durão Barroso garantiu que "não vai haver um regresso" à Europa como existia antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, "independentemente daqueles que pensam que podem conseguir a paz para a Ucrânia".

"Foi dito por alguns, como sabem, que seria possível um acordo de paz em menos de 24 horas. Já passaram 24 horas. E a verdade é que esse acordo não foi possível", sustentou Durão Barroso, defendendo que "é uma ilusão dos grandes poderes julgar que conseguem impor a paz".

"Os grandes poderes podem impor a guerra. E já o fizeram, desde a guerra no Afeganistão, à guerra no Iraque, ou, neste caso mais recente, à guerra na Ucrânia", considerou.

"Impor a guerra para um grande poder militar é relativamente fácil. Impor a paz é muito mais complicado, porque para impor a paz não basta, embora seja positivo, trabalhar nas chamadas condições externas do conflito. É necessário resolver as causas internas do conflito" e não apostar em "acordos à volta do conflito", defendeu, acabando por soltar a ideia de que não acredita que vai haver uma "solução de paz para a Ucrânia no futuro próximo".

E, "mesmo que houvesse, o que é altamente desejado, um acordo de cessar-fogo", promovido pelo presidente norte-americano, explicou, "isso não representa uma solução de paz, no sentido de uma solução estável".

Para justificar esta ideia, Durão Barroso lembrou um momento, enquanto liderava a Comissão Europeia, em que conheceu o pensamento político do presidente russo, Vladimir Putin.

"A meu ver, ele está interessado em manter, pelo menos, uma situação de conflito latente, pelo menos isso, senão mesmo uma situação de conflito aberto. E também não vejo, do lado ucraniano, a vontade de abdicar da sua soberania e de abdicar da sua independência", alertou.

Perante "uma ameaça russa no leste da Europa", é fundamental que a Europa se dote de "alguma capacidade de defesa com alguma autonomia. E aqui chegamos a um ponto difícil, que é como afirmar uma autonomia" no quadro de uma "relação transatlântica".

O antigo governante português sugeriu que "talvez o Ocidente, como tínhamos conhecido, com aquela cumplicidade baseada na união de valores", incluindo a "cumplicidade natural" entre Estados Unidos e Canadá, de um lado, e a Europa do outro, "já esteja de alguma forma em crise, pois temos hoje uma perspectiva muito mais transnacional, uma visão muito mais baseada nos interesses do que nos valores".

Apesar desta perspetiva, Durão Barroso considerou ser permaturo "declarar que a Nato está morta".

Recordando as palavras de Nuno Melo, que falou antes de si, Durão Barroso afirmou também que "este período de paz e de estabilidade" se deve à existência da NATO, pelo que seria "irresponsável colocar em causa aquilo que tem sido a principal garantia dessa própria ordem na Europa".

Notando, porém, que o "relacionamento [entre a Europa e os Estados Unidos] hoje em dia é diferente", o antigo primeiro-ministro lembrou "reuniões" que teve com os presidentes norte-americanos Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton, em que "já diziam que a Europa devia fazer mais com a sua própria defesa".

Se, por um lado, os Estados Unidos continuam a ser a principal potência da NATO, Durão Barroso sublinhou que a Europa precisa também de garantir a sua própria segurança, tendo em conta a mais recente posição norte-americana.

"Já não vamos garantir-vos a segurança como garantíamos antes. Isto foi dito literalmente pelos secretários de estado da defesa norte-americanos numa reunião de NATO", destacou.

Perante este cenário, Durão Barroso defendeu que "a única forma de garantirmos a paz é estarmos preparados para a guerra. É o que está em causa."

"Eu não pensava, há algum tempo, que estava a jogar-se também aqui o futuro dos meus filhos e dos meus netos. Eu não quero que os meus netos vão para uma guerra como aquelas que a Europa já conheceu no passado. Ora, a melhor forma de evitarmos que os nossos netos vão para essa guerra é hoje em dia estarmos com força suficiente para dissuadir qualquer um que queira lançar os nossos países em novas guerras, em novas tragédias."

"Este é o momento então para decidir", concluiu.

Durão Barroso defendeu, esta terça-feira, que é uma "grande ilusão" dos "grandes poderes" pensarem que podem impor a paz. "Podem impor a guerra", afirmou.
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