Qual é a sua memória do 7 de Outubro, em que mais de mil israelitas foram mortos pelo Hamas? Acordei às 6h30m da manhã e comecei a ver as notificações no meu telefone. Primeiro eram sobre ataques massivos muito diferentes, com mísseis por todo o país e, depois, começaram a chegar mais e mais rumores sobre terroristas infiltrados em Israel. De início eram sobre ataques a cidades e sobre o festival de música e começámos a reunir cada vez mais informações. Lembro-me de ficar completamente em choque e preocupado com a minha família e os meus amigos que lá estavam, além de determinado a fazer tudo para representar o meu país naquele momento específico e muito difícil. Foi isso o que senti..Agora, dez meses depois, como é que reage à crítica internacional em relação a Israel, mesmo de países que sabemos serem aliados de Israel, mas em que parte da opinião pública é muito crítica da guerra em Gaza e da morte de quase 40 000 palestinianos? Israel é um país isolado ou pode contar com os seus aliados tradicionais como os Estados Unidos e a Europa Ocidental? Sente-se isolado enquanto diplomata? Não me sinto nada isolado. Penso que Israel ainda tem o apoio e a compreensão da maior parte do mundo, principalmente do mundo democrático ocidental. Claro que há muita frustração com algumas organizações internacionais e alguns países. Sinto que, em primeiro lugar, Israel não está a ser tratado com justiça, pois outros países foram tratados de forma diferente em acontecimentos do mesmo tipo; e, em segundo lugar, as pessoas tendem a esquecer sobre o que é esta guerra. Não é uma guerra de israelitas contra palestinianos, de maneira nenhuma. Os palestinianos não são nossos inimigos, não é contra eles que lutamos. É uma guerra de um país democrático contra uma organização terrorista, uma organização que é financiada por outro país que é o Irão. Nesta guerra, todos os países democráticos que acreditam na liberdade de expressão, na liberdade de tudo, têm de estar do lado de Israel..Consegue identificar um crescimento do antissemitismo, mesmo na Europa? Tem consciência disso através da sua experiência? Se há uma coisa que me preocupa muito é essa questão. Em primeiro lugar, nós já víamos, mesmo antes do 7 de Outubro, um aumento dos acontecimentos antissemitas em todo o mundo, especialmente na Europa e nos EUA. Claro que depois do 7 de Outubro tornaram-se muitos mais ainda. Algum desse criticismo que recebemos, principalmente da extrema-esquerda e outras organizações desse tipo, não tem nada que ver com esta guerra, vem de alguma coisa mais profunda e isso preocupa-me muito pois temos a comunidade judaica espalhada por todo o mundo e que tem de ser protegida. Vemos que a luta contra o antissemitismo não está acabada, e temos de fazer o que pudermos para acabar com ele..A embaixada aqui em Lisboa trouxe algumas famílias de reféns em Gaza para darem o seu testemunho aos portugueses. Hoje há muita pressão por parte das famílias sobre o governo israelita para negociar a libertação. Como é possível conciliar as diferentes prioridades: destruir o Hamas, salvar os reféns...? Esta guerra tem três objetivos que precisamos de atingir. O primeiro é trazer de novo a segurança para o povo de Israel; o segundo é fazer desaparecer o Hamas; e o terceiro é resgatar os reféns. Às vezes é necessário priorizar esses objetivos. Nós somos um país democrático, todas as pessoas em Israel têm o direito a ter a sua opinião e se precisarem de protestar contra o que se passa têm liberdade para o fazer. Se acharem que a prioridade é resgatar os reféns, vão para a rua dizê-lo, mas no fim é um governo democrático que tem de tomar a decisão. Eu acredito que acabaremos por libertar esses reféns, porque lhes devemos isso como país, somos obrigados a fazê-lo, mas também temos a obrigação de asseguramos que a organização terrorista nunca mais conseguirá levar a cabo um ataque terrorista contra Israel, nunca mais!.De qualquer forma, têm de lidar com o Hamas, mesmo que através do Egito ou do Qatar. Depois da morte de Ismail Haniyeh em Teerão e agora com Yahya Sinwar como novo líder do Hamas, ainda é possível a Israel considerar alguma espécie de negociação? Nós não negociamos com o Hamas, não negociamos com uma organização terrorista. Há outros atores que estão a tentar chegar a um acordo. Nós estamos abertos para as bases para um acordo apresentadas pelo presidente Joe Biden, já o dissemos, agora cabe ao Hamas tomar uma posição. Penso que a melhor maneira de alcançar um acordo para terminar esta guerra é exercer pressão política, diplomática, mas também militar. O Hamas tem de compreender que depois desta guerra acabar, de haver um cessar-fogo, não vamos voltar ao dia 6 de outubro. Não o podemos permitir, a situação é completamente diferente. Em relação a Haniyeh, apesar de Israel não ter assumido a responsabilidade pela sua morte, não posso dizer que esteja triste por isso e acho que nem Portugal nem qualquer outro país deva estar triste por isso. Se Portugal considera que o Hamas é uma organização terrorista, e é o que acontece, e Haniyeh é o líder dessa organização terrorista, então ele é um terrorista. Qualquer terrorista ou líder de uma organização terrorista tem de estar ou na prisão ou no inferno, e é essa a situação..Agora Israel está sob a ameaça de retaliação por parte do Irão e também do Hezbollah, embora o Hezbollah esteja constantemente a atacar Israel. Que espécie de retaliação estão à espera por parte do Irão? Não acho que seja de agora que estamos à espera que algo aconteça, porque desde o dia 8 de outubro que o Hezbollah nos tem estado a atacar. Tivemos de evacuar toda a zona norte que ficou praticamente vazia de cidadãos israelitas, que eram quase 150 000 pessoas, porque eles têm estado a lançar milhares de mísseis sobre cidades israelitas desde outubro. Infelizmente, na semana passada, também mataram 12 crianças numa aldeia do norte, Madjal Shams. Na verdade, todos sabemos que é o Irão que está a orquestrar estes ataques financiando o Hezbollah e certificando-se de que a organização nos continua a atacar. São eles que financiam os Houthis para que ataquem todos aqueles navios, incluindo um português, e criem o caos no Mar Vermelho. Também é o Irão que apoia o Hamas para que continue a atacar Israel. A propósito, o Irão também apoia a Rússia contra a Ucrânia e apoia organizações terroristas em quase todo o mundo. Este problema existe desde há muito tempo e precisa de ser abordado não por Israel, mas pela comunidade internacional para fazer com que o Irão deixe de provocar e tentar criar o medo global..Reinaldo Rodrigues/Global Imagens.Há uns meses o senhor escreveu um artigo no Diário de Notícias sobre não ser o momento certo para o reconhecimento do Estado da Palestina. Alguns países europeus decidiram o contrário, como Espanha e Irlanda. Portugal ainda não o fez, mas há muita pressão nesse sentido. Como é que vê o futuro? A solução dos dois Estados ainda é a apoiada pela maioria dos israelitas? Penso que a única maneira de resolver o problema é os israelitas e os palestinianos sentarem-se à mesma mesa e chegarem ao melhor acordo que assegure aos dois povos que podem viver lado a lado e em paz. No fim de contas é a única forma, temos de nos sentar juntos e conversar. Isto só pode acontecer depois da guerra. Devo dizer que acho que alguns dos países estão um pouco confusos, porque o problema não se resolve em Madrid ou em Dublim. O problema só pode ser resolvido entre os israelitas e os palestinianos, são quem tem de se sentar à mesa e resolver a questão. Não ajuda haver outros países que declaram uma coisa, acho que só torna as coisas mais problemáticas. Afasta-nos de conseguirmos alcançar um acordo de paz. Portanto, a pressão da comunidade internacional tem de ser sobre os palestinianos, para que quando a guerra acabar voltem à mesa das negociações e se sentem juntamente com os israelitas para se resolver este problema. Eu compreendo que os palestinianos estão lá para ficar, mas os israelitas também estão lá para ficar..Mas é preciso reconhecer que depois do 7 de Outubro, com tantos israelitas mortos, mas também com tantos mortos do lado palestiniano com a guerra em Gaza, os sentimentos recíprocos não são os melhores para dar início às negociações. Acredita que uma negociação será possível? Sem dúvida. Não vejo nenhuma outra opção. Tenho de ser otimista e acreditar que o meu futuro, dos meus filhos, dos meus netos não vai ser viver num país que está constantemente em guerra. Não quero viver num pequeno país em guerra com os vizinhos. Houve uma guerra terrível entre Israel e o Egito em 1973. 2000 israelitas foram mortos nessa Guerra do Yom Kippur e foi ainda pior do lado egípcio. Poucos anos depois, porém, foi assinado o tratado de paz e, hoje em dia, o Egito é um dos nossos aliados. A guerra tem coisas terríveis, mas a paz faz-se com os nossos inimigos, não com os nossos aliados..Tal como aconteceu no caso da paz com o Egito, tudo depende muito dos líderes de ambos os lados. Pensa que tanto do lado palestiniano como do lado israelita é necessária uma nova geração de líderes para encontrarem juntos uma solução de coexistência? Nos países democráticos não tem que ver com os líderes, tem que ver com aqueles que votam para eleger os líderes. Do lado israelita, eu acredito nos cidadãos de Israel para eleger as pessoas que eles pensam ser as melhores para alcançar os acordos e a paz. Do lado palestiniano não existem eleições e é menos democrático do que aquilo que conhecemos, por isso acredito que eles precisam de uma liderança diferente que poderá trazer a paz para o povo. Uma liderança que acredite na convivência pacífica, lado a lado, mais do que no apoio a ataques terroristas..Há uma relação histórica difícil entre a Organização das Nações Unidas e Israel, e existe agora tensão entre Israel e o secretário-geral António Guterres. Ainda é possível criar uma solução para o conflito entre Israel e os palestinianos com o envolvimento das Nações Unidas? O nosso maior problema com a ONU, e estamos muito frustrados com isso, é a maneira como eles operam. Eu penso, tal como já disse, que António Guterres perdeu uma oportunidade de fazer algumas mudanças na forma como as Nações Unidas funcionam, especialmente no que respeita a Israel. Se analisarmos, mesmo antes do 7 de Outubro, houve anos em que estávamos no caminho para a paz com quase todos os países na região, e, mesmo durante esses anos, 75% das resoluções que a ONU passou foram contra Israel. É caso para nos perguntarmos o que se está a passar ali. Claro que eu não penso que Israel seja um país perfeito, mas vejamos Genebra e o Conselho dos Direitos Humanos. Israel não é o país mais perfeito, mas somos um país democrático com um sistema judicial muito forte e independente, com meios de comunicação muito fortes e confiáveis que colocam muitas questões e que sabem como atacar o governos, mas mesmo assim o Conselho dos Direitos Humanos está sempre a atacar Israel e passou uma resolução muito especial apenas contra Israel. Não foi contra a Síria, contra a Coreia do Norte ou contra o Irão, não foi contra países que são totalmente não democráticos e que abusam dos direitos humanos, e isto foi ainda antes do 7 de Outubro. Portanto, alguma coisa não está a funcionar naquele sistema, alguma coisa precisa de mudar. Depois do 7 de Outubro penso que a nossa frustração tornou-se cada vez mais forte e é por isso que alguém vai ter de fazer essa mudança, para que a ONU cumpra os seus verdadeiros objetivos, aquilo para que foi instituída. A frustração não advém só de Guterres, mas também da ONU e dele como líder desta organização. Mais uma vez, não tem nada que ver com o facto de ele ser português, mas com ele ser o secretário-geral da ONU. É por isso que temos um problema com ele..Em relação à posição portuguesa relativamente a Israel e à Palestina, há uma continuidade entre o governo anterior e este agora em funções? Como é que avalia a posição diplomática de Portugal? Não vejo nenhuma diferença relativamente à mudança de governo. Depois do 7 de Outubro, os pontos principais do governo anterior foram a condenação do Hamas, o apoio ao direito de Israel a defender-se e o pedido para a libertação dos reféns. Esses pontos mantiveram-se com o novo governo e eu aprecio a posição do governo de Portugal ao lado de Israel. Claro que estamos em desacordo sobre outros elementos, mas as relações bilaterais são muito, muito boas e têm aumentado ao longo dos últimos anos. Os países amigos devem discutir entre eles todas as questões e expor as críticas que têm em relação um ao outro, mas, no geral, o apoio português é muito forte. Isso é verdade também da parte do povo português, não apenas do governo. Tenho recebido apoio de todo o lado, penso que às vezes as pessoas não se apercebem porque talvez os meios de comunicação social valorizem mais outras coisas ou algumas manifestações, mas não é esse o sentimento que tenho recebido do povo português..Está a terminar a sua missão de três anos em Portugal. Qual a melhor recordação que leva do país? É uma pergunta muito difícil de responder. Vou dizer-lhe duas coisas: a nível profissional, o Parlamento passou, há um ano, uma resolução que teve que ver com o 75.º aniversário do Estado de Israel que, para mim, foi muito importante. Isso provou-me exatamente como são boas as relações bilaterais entre os nossos países. Elas são muito, muito fortes e continuam a crescer. A nível pessoal, posso dizer que fiquei muito surpreendido quando vim para cá e vi como Israel e Portugal são parecidos na forma como as pessoas se comportam. Não sei se é por estarem ambos perto do Mediterrâneo, no sul, se por causa do clima, até a comida… As famílias portuguesas são muito semelhantes às famílias judaicas, fiquei bastante surpreendido com isso e é essa a razão para me ter sentido como se estivesse em casa.