Do possível nome do consenso ao “Francisco asiático”. Quem são os 'papabili' de que se fala?
Apesar de em teoria qualquer homem batizado poder ser eleito líder da Igreja Católica e dos seus quase 1,4 mil milhões de fiéis, há mais de seis séculos que o escolhido é um dos membros do Colégio Cardinalício. E nem todos têm as mesmas hipóteses, sendo o grupo dos favoritos conhecido, em italiano, como papabili. O argentino Jorge Mario Bergoglio tinha sido um dos papabili no conclave de 2005, após a morte de João Paulo II, e voltou a sê-lo no de 2013, convocado após a renúncia de Bento XVI, no qual acabaria por se tornar no Papa Francisco.
O Colégio Cardinalício é atualmente composto por 252 cardeais de 94 países, mas só 135 de 71 países é que são eleitores - os que têm 80 anos ou mais não vão participar na eleição do sucessor de Francisco no conclave na Capela Sistina e, apesar de poderem ser eleitos, depois da morte do mais velho Papa em mais de um século, as suas hipóteses parecem reduzidas.
O maior número de eleitores é da Europa (53), mas sem a hegemonia do passado, tendo Francisco sido responsável por globalizar ainda mais o Colégio Cardinalício. Os cardeais que criou eram oriundos de 76 países, incluindo 25 que nunca tinham tido representação neste órgão. Depois dos representantes da Europa, seguem-se os da América (37, dos quais 17 do Sul, 16 do Norte e 4 do Centro), da Ásia (23), de África (18) e da Oceânia (4).
Ao longo do seu papado, Francisco criou 163 cardeais em dez consistórios - o último dos quais em dezembro de 2024, quando nomeou o cardeal mais jovem, que já fez 45 anos, e o mais velho, de 99. No atual Colégio Cardinalício, 108 cardeais eleitores foram nomeados por Francisco (já representam quase 80%, logo mais do que os dois terços que são necessários para eleger o novo Papa), havendo ainda 22 do tempo de Bento XVI e cinco de João Paulo II.
À medida que o estado de saúde de Francisco se deteriorava, vários nomes foram sendo falados como possíveis sucessores. Mas é preciso não esquecer o provérbio italiano que diz que “quem entra Papa sai cardeal”, que mostra que nem sempre os favoritos são os escolhidos. E ainda o que diz, literalmente, que “depois de um Papa gordo deve seguir-se sempre um magro”, no sentido a que a um reformador deve seguir-se um conservador.
Estes são alguns dos papabili.
Pietro Parolin
Secretário de Estado do Vaticano desde 2013, o cardeal italiano de 70 anos lidera precisamente as listas de favoritos à sucessão do Papa Francisco. Está no topo das casas de apostas, com uma probabilidade de 4/1 (20%). Diplomata desde 1986, teve um papel essencial no restabelecimento das relações entre o Vaticano e a China, no reatar das relações entre os EUA e Cuba em 2014 e em julho do ano passado visitou a Ucrânia e o presidente Volodymyr Zelensky. O facto de estar há tanto tempo no cargo revela a confiança que Francisco, que o criou cardeal em 2013, tinha nele, tendo-o nomeado para o “Conselho dos Cardeais” que o aconselhava sobre a reforma da Igreja Católica em 2014. É visto como um moderado e pode ser o candidato do consenso, entre o lado liberal e reformista e o conservador e tradicionalista.
Péter Erdö
Ainda dentro da Europa, o nome do cardeal húngaro de 72 anos é outro dos que se fala. Pertence à ala mais conservadora, opondo-se a que os católicos divorciados possam receber a comunhão. Também tem sido um crítico dos países europeus que aceitam os refugiados, comparando isso a “tráfico de seres humanos”. O antigo presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa tem uma boa relação com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Devoto Mariano, foi criado cardeal pelo papa João Paulo II, em 2003 (era um dos mais jovens na altura). As suas probabilidades nas casas de apostas estão nos 7/1 (12,5%).
Matteo Zuppi
O cardeal que Francisco criou em 2019 é visto como uma estrela em rápida ascensão dentro da ala esquerda da Igreja Católica italiana, com ligações até políticas à oposição à Liga de Matteo Salvini. O arcebispo de Bolonha, de 69 anos, com ligações à Comunidade de Santo Egídio, é atualmente presidente da Conferência Episcopal italiana e também juiz do Supremo Tribunal da Cidade do Vaticano (apesar de não ter experiência nesta área). Foi o enviado para a paz na Ucrânia do Papa Francisco, que queria “encorajar gestos de humanidade”, tendo-se reunido com Zelensky e viajado até Moscovo, não se tendo contudo reunido com o presidente russo, Vladimir Putin.
Raymond Leo Burke
A eleição do cardeal norte-americano, de 76 anos, representaria uma rutura completa com o papado de Francisco. Ultraconservador e tradicionalista, além de ser contra a participação dos divorciados ou casados em segundas núpcias na Eucaristia, tem criticado as abordagens modernas da Igreja em questões como a contraceção, a homossexualidade ou o casamento civil. Defende que políticos católicos que apoiem o aborto, como era o caso do ex-presidente dos EUA, Joe Biden, não deviam receber a comunhão. É um dos grandes especialistas em Direito Canónico, tendo sido prefeito da Assinatura Apostólica (o Supremo Tribunal da Igreja Católica) Foi criado cardeal por Bento XVI em 2010.
Peter Turkson
O cardeal do Gana, de 76 anos, já no último conclave estava entre os favoritos para voltar a dar um Papa a África, 15 séculos depois do último (Gelásio I). Historicamente já houve três do continente (Vitor I, no século II, e Melquíades, século IV, além de Gelásio I, século V), todos oriundos da região norte, correspondente à zona mediterrânica da atual Tunísia, Argélia e Líbia. Turkson, criado por João Paulo II, poderá contudo ser o primeiro Papa negro, não havendo certezas sobre se já houve algum. O ex-presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz pertence à ala mais liberal da Igreja, com uma postura progressiva em questões LGBT e ao fim do celibato para os padres. As suas probabilidades são de 6/1 (14,3%)
Fridolin Ambongo Besungu
Se a aposta for em África, mas com uma postura mais conservadora, um dos nomes que se fala é o do cardeal da República Democrática do Congo, de 65 anos. Besungu foi notoriamente contra a doutrina de Francisco de permitir aos padres abençoar casais do mesmo sexo ou não-casados (Fiducia supplicans) e, enquanto presidente do Simpósio de Conferências Episcopais de África e Madagáscar, liderou a decisão unânime de não a aplicar no continente africano (só após ter tido a luz verde do Papa, o que lhe valeu apoios). É da ordem dos frades menores capuchinhos.
Luis Antonio Tagle
Se a Igreja Católica virar os seus olhos para o Oriente, o cardeal filipino de 67 anos poderá tornar-se no primeiro Papa vindo da Ásia. Igualmente liberal, tem sido defensor da comunidade LGBT e do divórcio (que é ilegal nas Filipinas, o único país católico na Ásia). É visto como uma continuidade da política do argentino, sendo conhecido como "o Papa Francisco asiático", tendo no passado sido considerado o favorito do argentino. Foi criado cardeal por Bento XVI em 2012. As suas probabilidades estão em 9/2 (18,2%).
O segundo Papa português?
João XXI foi o único Papa português, com um curto papado entre setembro de 1276 e a sua morte, em maio de 1277. Portugal conta atualmente com seis cardeais, sendo que só quatro são eleitores. Um deles aparece em algumas listas mais alargadas de papabili: José Tolentino de Mendonça. Apesar de o teólogo e poeta da ala mais progressiva da Igreja Católica ter apenas 59 anos, há quem diga que as hipóteses do prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação não podem ser descartadas. Além de Tolentino de Mendonça, os outros cardeais eleitores portugueses são Manuel Clemente (76 anos), António Marto (77) e Américo Aguiar (51 anos). José Saraiva Martins, de 93 anos, e Manuel Monteiro de Castro, com 86, já não fazem parte do grupo que irá ao conclave.