Do selo do camerlengo ao 'Habemus papam'. Como se escolhe um novo Papa
O que acontece quando um Papa morre?
A morte ou a renúncia de um papa desencadeia um conjunto de processos que culminam num Conclave para eleger o novo papa. O último a renunciar foi Bento XVI, em 2013, tendo sido o primeiro papa a fazê-lo desde Gregório XII, em 1415. Sucedeu-lhe o argentino Jorge Bergoglio, que escolheu o nome de Francisco. Aos 88 anos, o papa “do fim do mundo”, como o próprio se apelidou por ser o primeiro não europeu a sentar-se na cadeira de São Pedro em 1200 anos, morreu na segunda-feira, apenas um dia depois da sua última aparição na praça de São Pedro, onde no Domingo de Páscoa saudara a multidão, ainda a recuperar da pneumonia bilateral que o mantivera no hospital mais de um mês. Perante a sua saúde cada vez mais frágil, Francisco teve tempo para dar instruções para a sua morte, um processo milenar, cheio de tradições e hiper-coreografado, que pouco espaço deixar para o improviso. Tudo começa com a confirmação da morte, que fica a cargo do camerlengo (um alto responsável do Vaticano). Neste momento essa posição é ocupada pelo cardeal americano nascido na Irlanda Kevin Farrell. Cabe-lhe a ele visitar o corpo do papa e chamar o seu nome - um ato hoje meramente cerimonial, uma vez que a morte já terá sido confirmada pelos médicos. Um mito muitas vezes repetido, de que o camerlengo também bate na cabeça do papa com um martelo de prata, tem sido repetidamente negado pelo Vaticano. Segue-se a destruição do Anel do Pescador, o anel com que o Sumo Pontífice marca os documentos oficiais. O camerlengo anunciou então a morte do papa ao Colégio de Cardeais antes de a notícia ser dada ao mundo. Neste caso num comunicado do Vaticano lido pelo próprio Kevin Farrell na manhã de ontem.
Anunciada a morte, é logo escolhido um sucessor?
Não. Anunciada a morte do papa, segue-se um período de luto de nove dias - de acordo com uma tradição da Roma Antiga. O corpo, com as vestes papais, deverá ficar exposto na Basílica de São Pedro, a partir de amanhã, onde centenas de milhares de fiéis lhe podem prestar a sua última homenagem. Francisco terá dado ordem para não ser colocado numa plataforma elevada, mas sim num simples caixão aberto. O funeral do papa argentino vai ter lugar no sábado de manhã. O Vaticano entra está entra com a morte do papa num período de transição chamado sede vacante, durante o qual o poder para gerir os assuntos correntes é entregue ao Colégio de Cardeais, com o camerlengo a assumir a chefia interina do Estado. As cerimónias fúnebres estão a cargo do Decano do Colégio dos Cardeais, neste momento o italiano Giovanni Battista Re, de 91 anos. Os papas são tradicionalmente enterrados nas criptas por baixo da Basílica de São Pedro, onde se encontram uma centena de Sumos Pontífices, incluindo Bento XVI. No caso do papa Francisco, este disse numa entrevista em 2023 que preferia ser sepultado na Basílica papal de Santa Maria Maior em Roma. Também segundo a tradição, os papas são sepultados em três caixões: um em madeira de ciprestes, um em zinco e um em madeira de ulmeiro. Mas também aqui Francisco terá deixado ordens a indicar que quer ser sepultado num simples caixão de madeira e zinco.
Como se processa então a eleição do novo Papa?
Quinze a 20 dias após o funeral do papa, o Colégio de Cardeais reúne-se em Conclave na Capela Sistina. Este compasso de espera correspondia pretendia dar tempo aos cardeais vindos de mais longo de chegarem a Roma. Mas desde 2013, uma disposição permite, se o Colégio reunir e votar nesse sentido, antecipar o início do Conclave. Em teoria, qualquer homem batizado é elegível para papa, mas nos últimos 700 anos a escolha recaiu sempre sobre um dos membros do Colégio de Cardeais.
Como é o atual Colégio de Cardeais?
Neste momento, o Colégio de Cardeais é constituído por 252 cardeais, destes 135 são eleitores e 117 são não-eleitores (todos os que têm mais de 80 anos). Portugal tem neste momento seis cardeais, quatro eleitores (Américo Aguiar, Tolentino de Mendonça, António Marto e Manuel Clemente) e dois não-eleitores (José Saraiva Martins, de 93 anos, e Manuel Monteiro de Castro, de 86). Durante o pontificado de Francisco, ocorreu uma forte mudança geográfica na composição do Colégio de Cardeais - nos eleitores (78% dos quais foram feitos pelo papa argentino), a Europa perdeu influência, apesar de continuar sobrerrepresentada. Desde a sua eleição, Jorge Bergoglio sempre deu destaque a dioceses remotas, naquilo a que chama “as periferias”, alguma das quais onde os católicos estão mesmo em minoria, rompendo com a prática de destacar sistematicamente alguns arcebispos de grandes dioceses, como Milão ou Paris. Dos 135 cardeais eleitores que vão escolher o sucessor de Francisco, 53 são da Europa, 23 da Ásia, 16 da América do Norte e quatro da América Central, 18 de África, 17 da América do Sul e quatro da Oceania.
O que acontece no Conclave?
Fechados na Capela Sistina para o Conclave [do latim cum clave, ou seja, “com chave”), os cardeais votam no seu candidato preferido, escrevendo o nome deste num papel por baixo da inscrição “Eligo in summum pontificem” (“Elejo como sumo pontífice” e colocando-o de seguida num cálice situado em cima do altar. Para quem viu o filme Conclave, de Edward Berger e com Ralph Fiennes no papel do cardeal Thomas Lawrence, o decano do Colégio de Cardeais, esta imagem ainda estará bem fresca na memória. Os que são vistos como tendo melhores hipóteses são denominados os papabili. Se nenhum candidato chegar aos dois terços dos votos, segue-se nova votação. Pode haver até quatro votações por dia, mas são geralmente duas. A cada sete votações, os cardeais cumprem um dia de orações e reflexão. Se ao fim de 30 votações ainda não houver um vencedor, o candidato que consiga a maioria simples será eleito. No final das rondas diárias de votações, os cardeais recolhem-se para dormir na Casa de Santa Marta, onde Francisco viveu nos últimos 12 anos. Durante o Conclave, não podem ter qualquer contacto com o mundo exterior, ficando sem telefones, sem televisão, sem jornais e sem internet. No caso do Conclave que elegeu Francisco, em 2013, bastaram 24 horas e cinco votações para escolher o papa, mas o processo pode ser muito demorado. Segundo o Politico, um Conclave no século XIII terá demorado três anos e outro no século XVIII quatro meses. Nos tempos modernos, o Conclave mais demorado aconteceu em 1922 quando foram precisos cinco dias para elegerem o cardeal Ambrogio Ratti, futuro papa Pio XI. Contados os votos, os papéis são queimados e o fumo preto sai pela chaminé da Capela Sistina, informando o mundo que ainda não há novo papa.
Escolhido o novo Papa, o que acontece?
Quando os cardeais conseguem uma maioria de dois terços, o fumo sai branco da chaminé da Capela Sistina dando a notícia ao mundo e aos milhares de fiéis reunidos por essa altura na Praça de São Pedro de que há um novo papa. Este tem de aceitar a eleição e anunciar o nome que escolheu, recebendo depois o voto de obediência dos cardeais. O novo papa é levado para a Sala das Lágrimas, ao lado, onde enverga as vestes brancas do chefe da Igreja Católica - os alfaiates têm fatos prontos nos tamanhos S, M e L, para garantir que um deles servirá. É então anunciado à varanda da Basílica de São Pedro pelo decano dos cardeais: “Annuntio vobis gaudium magnum. Habemus papam” (“Anuncio-vos com grande alegria. Temos papa”). E o novo Sumo Pontífice surge então à janela para saudar os fiéis e para fazer o seu primeiro discurso como líder dos mais de 1300 milhões de católicos no mundo.