Astana, com o Palácio da Paz e da Reconciliação, em forma de pirâmide, à esquerda. À direita, pode ver-se a mesquita Hazrat Sultan.
Astana, com o Palácio da Paz e da Reconciliação, em forma de pirâmide, à esquerda. À direita, pode ver-se a mesquita Hazrat Sultan.DR

Do patriarca de Moscovo ao imã da mesquita de Al-Azhar, líderes religiosos mundiais dialogam em Astana

Capital cazaque acolhe VIII Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. Em 2022, Francisco esteve presente. Vaticano envia delegação chefiada pelo cardeal George Jacob Koovakad.
Publicado a
Atualizado a

Ainda com a memória bem viva da presença do papa Francisco na anterior edição, em 2022, Astana volta a acolher a 17 e 18 de setembro o Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. É um evento que se repete a cada três anos e que desde a primeira edição, em 2003, procura reforçar o papel do Cazaquistão como país capaz de pôr todos a dialogar, seja dirigentes políticos internacionais ou líderes religiosos. Estado laico desde a independência em dezembro de 1991, o Cazaquistão não deixa de ser o maior país de maioria muçulmana do mundo (em área), mas também conta com fortíssimas minorias religiosas, como os cristãos ortodoxos. Entre as personalidades este ano presentes estão o patriarca de Moscovo, Cirilo I, e o imã da mesquita de Al-Azhar, no Cairo, o xeque Ahmed el-Tayeb. O Vaticano envia uma delegação chefiada pelo cardeal George Jacob Koovakad, recém-nomeado prefeito do dicastério para o diálogo interreligioso.

“Mais de 100 delegações de 60 países do mundo devem participar do VIII Congresso. Entre elas estão líderes espirituais do islão, cristianismo, budismo, judaísmo, hinduísmo, taoísmo, zoroastrismo, xintoísmo, bem como representantes de organizações internacionais, da comunidade de especialistas, políticos e figuras públicas”, diz Aida Balayeva, ministra da Cultura cazaque desde 2023.

Como Leão XIV ainda não fez qualquer viagem ao estrangeiro desde que foi eleito papa em maio (fala-se de uma ida ao Líbano até final do ano) e, portanto, ainda não se percebeu até que ponto prosseguirá a estratégia de deslocação às periferias da Igreja. No Cazaquistão além da visita de Francisco em 2022, também a de João Paulo II, em 2001, é muito recordada. Aconteceu pouco depois dos atentados do 11 de Setembro, e nas missas em Astana o apelo ao diálogo religioso foi marcante, com condenação do terrorismo, mas recusa da inevitabilidade do choque de civilizações. Aliás, é na sequência dessa visita que dois anos depois surge o primeiro Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais.

“As visitas do Papa João Paulo II em 2001 e do papa Francisco em 2022 representaram o reconhecimento da importância do Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, além de se tornarem símbolos de respeito ao catolicismo e confirmação da abertura do Cazaquistão ao diálogo interreligioso. De particular importância foi a Santa Missa celebrada pelo papa Francisco em Astana, que reuniu milhares de fiéis não só do Cazaquistão, mas também de outros países”, acrescenta a ministra cazaque.

Aida Balayeva, ministra da Cultura do Cazaquistão.
Aida Balayeva, ministra da Cultura do Cazaquistão.DR

O islão terá chegado à Ásia Central no século VIII, e ganhado influência sobretudo a partir do século X. Mas toda a região esteve sempre marcada por uma certa tolerância religiosa e durante o império mongol criado por Ghengis Khan e seus filhos (que incluía a estepe cazaque) budistas e cristãos nestorianos eram presença comum nestas terras. Com a expansão czarista, em especial a partir do século XVIII, a igreja ortodoxa ganha força e por isso em tantas cidades cazaques, como Astana ou a antiga capital Almaty, além das mesquitas, sobressaem muitas igrejas, frequentadas por crentes de origem russa e ucraniana. Por causa das políticas soviéticas de deslocação de populações, também se encontram no Cazaquistão ainda hoje minorias como os polacos, que são católicos, ou os coreanos, parte dos quais segue o budismo.

Sobre a influência do tengrismo, a religião tradicional dos nómadas da estepe, no islão moderado e tolerante no país, a ministra explica: “De facto, o Cazaquistão possui um enorme património histórico e cultural. Isso deve-se ao facto de o seu território ter sido ponto de encontro de muitas civilizações, sendo o próprio povo do Cazaquistão representante das maiores civilizações nómadas e turcas. No seu território, encontraram o seu lugar o paganismo, o zoroastrismo, o budismo e muitas vertentes do cristianismo. O período de florescimento do pensamento intelectual muçulmano também teve uma enorme influência na história e na cultura da sociedade do Cazaquistão. Nesse período, toda a região da Ásia Central foi um dos principais atores desse processo. Por isso, hoje podemos afirmar com certeza que, na nossa história e cultura, os elementos das grandes civilizações nómadas e muçulmanas se combinam, se entrelaçam e se modernizam de forma muito orgânica, com influências significativas, pelo menos ao nível dos monumentos, de outras culturas.”

A sessão de abertura deste VIII Congresso será presidida por Kassym-Jomart Tokayev, o chefe do Estado, e terá lugar dia 17 no Palácio da Paz e da Reconciliação, um edifício piramidal concebido por Norman Foster. Astana conta com outra obra emblemática do arquiteto britânico, o Khan Shatyr, um centro comercial gigante em forma de tenda, a relembrar as origens nómadas dos cazaques.

Depois do fim da União Soviética, o novo Cazaquistão renunciou ao que era o quarto maior arsenal nuclear do mundo e desenvolveu uma diplomacia multivectorial que pretende garantir uma boa relação com os vizinhos gigantes Rússia e China, mas também com a Europa e os Estados Unidos, e assim reforçar a independência daquele que é o nono maior país do mundo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt