Desde o momento em que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, divulgou a “carta à cidadania”, na qual dava conta da intenção de suspender a agenda para pensar no futuro, que se sabia que a decisão ia ser conhecida esta segunda-feira (ìrá falar às 10.00 portuguesas). Mas no domingo à noite nem os seus aliados mais próximos tinham conhecimento da hora do anúncio - e muito menos daquilo que Sánchez planeia fazer. Apesar de todas as mostras de solidariedade e de apoio da parte dos socialistas (e não só), o facto de em causa estar uma questão pessoal deixava todos os cenários em aberto..Sánchez anunciou na quarta-feira que ia tirar uns dias para “refletir” se valia a pena continuar à frente do governo espanhol, depois de um tribunal ter aberto uma investigação contra a sua mulher, Begoña Gómez. Em causa está uma denúncia de um coletivo ligado à extrema-direita, o Manos Limpias, sob suspeitas de tráfico de influências e corrupção empresarial pelas ligações à Air Europa. O primeiro-ministro nega que a mulher tenha cometido qualquer crime, acusando a direita e a extrema-direita de um “ataque sem precedentes” para o destruir pessoal e politicamente..Sánchez falou com os seus ministros na quarta-feira, mas depois fechou-se na Moncloa com a família - tendo tido contactos esporádicos com líderes internacionais, como o presidente brasileiro, Lula da Silva, que lhe telefonou a dar o seu apoio. Sem contacto direto com o líder, os socialistas multiplicaram-se em ações de solidariedade para com o primeiro-ministro, pedindo-lhe que fique no cargo..E o primeiro-ministro poderá decidir fazer isso mesmo depois dos cinco dias de reflexão, sentindo-se apoiado pelas ruas. Ainda ontem, milhares de pessoas estiveram na manifestação “pelo amor à democracia”, que terminou junto ao Congresso espanhol, sendo que houve outros atos de apoio um pouco por todo o país. Na véspera, a reunião do Comité Federal do partido também se tinha transformado numa mostra de solidariedade a Sánchez. Mas esse não é a única hipótese em cima da mesa..Apesar de o Ministério Público ter pedido o arquivamento da queixa contra Gómez por considerar que está baseada em notícias falsas e de todo esse apoio das ruas, Sánchez pode insistir em demitir-se na expectativa de travar os ataques contra a sua mulher. Caso isso aconteça, não poderá contudo marcar eleições de imediato - a Constituição diz que tem que passar um ano desde que as Cortes foram dissolvidas pela última vez, sendo que isso foi a 29 de maio do ano passado. O primeiro-ministro pode contudo esperar um mês para o fazer, apesar de deixar o país ainda mais na incerteza em plena campanha para as eleições catalãs de 12 de maio..Se decidir simplesmente deixar o cargo, sem convocar eleições, abre a porta a que o rei Felipe VI, após ouvir os partidos, chame outro socialista para que tente a investidura. A pessoa escolhida terá que passar pelo processo de votação no Congresso, sendo que a maioria que elegeu Sánchez está dependente do apoio dos independentistas catalães e bascos..Outro cenário é o de uma moção de confiança do Governo, que em princípio passaria já que em causa não está o apoio ao Executivo, mas os ataques que o primeiro-ministro diz virem da direita e da extrema-direita. O líder do Partido Popular (PP), Alberto Núñez Feijóo, tem criticado a postura do chefe do governo todos os dias. “Diga o que diga Sánchez amanhã [hoje], não importa”, afirmou ontem num comício em Lleida para as eleições catalãs, porque já “estará marcado para sempre pela decadência que trouxe ao país. Poderá prolongar mais ou menos a agonia, mas já representa o passado”, insistiu..Depois do anúncio de Sánchez, o Centro de Investigações Sociológicas (CIS) tem previsto divulgar os resultados de uma sondagem rápida que fez sobre estes dias de reflexão do primeiro-ministro. O PP apresentou queixa contra esta sondagem diante das autoridades eleitorais, considerando que em causa está uma espécie de “financiamento ilegal”. O partido acusa o CIS, liderado pelo antigo dirigente socialista José Félix Tezanos, de fazer perguntas “absolutamente manipuladas com o objetivo de oferecer uma visão deformada da realidade social” para depois “entregar os dados a Sánchez”. Considerando que se “o PSOE quer pressionar o seu secretário-geral com sondagens manipuladas que as paguem”..Em Bruxelas, há quem especule que Sánchez poderá aproveitar para sair do governo, de olhos no cargo de presidente do Conselho Europeu, substituindo Charles Michel. As suas posições recentes sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, que não são consensuais na Europa, podem complicar a sua eventual eleição para o cargo. O ex-primeiro-ministro português, António Costa, também ainda não está totalmente fora do cenário, apesar das suspeitas judiciais que o levaram a deixar o governo..susana.f.salvador@dn.pt