Dia da unidade na Ucrânia, dia de sarcasmo na Rússia
Marcado com uma antecedência de 48 horas, através de decreto presidencial, 16 de fevereiro passou a ser o dia da unidade na Ucrânia - e foi aproveitado por também por Moscovo para denunciar que chama de "histeria" do Ocidente.
O gesto simbólico passou pelo içar da bandeira azul e amarela nos edifícios oficiais e pelo cantar do hino nacional às 10.00 no dia em que Moscovo iria lançar uma invasão ao país, segundo chegaram a noticiar alguns meio de comunicação norte-americanos. Estes alegaram que o presidente dos EUA, Joe Biden, teria avisado alguns líderes ocidentais que a Rússia podia iniciar um ataque na quarta-feira. Volodymyr Zelensky, que tem seguido uma linha distinta de Washington, aproveitou para transformar o receio em orgulho. "Não temos medo de profecias, não temos medo de ninguém, de quaisquer inimigos, Iremos defender-nos", proclamou.
DestaquedestaqueA porta-voz dos Negócios Estrangeiros russos pediu o calendário das próximas invasões. "Gostaria de planear as minhas férias", disse Zakharova.
Depois de ter assistido a exercícios militares com o novo equipamento antitanque fornecido pelo Ocidente em Rivne, no noroeste, Zelensky atravessou o país e foi até Mariupol, no sudeste, cidade que os separatistas pró-russos chegaram a tomar e tentaram recuperar. Num sinal de solidariedade, embaixadores de vários países europeus juntaram-se a Zelensky. Também ali o homem mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov - proprietário de fábricas de aço, minas de carvão, bancos ou do clube de futebol Shaktar Donetsk - comprometeu-se em investir mais no país.
O oligarca, que dias antes foi notícia por abandonar o país no seu avião particular, viu o seu nome citado pelo presidente em novembro, quando a secreta disse ter desvendado planos de um golpe a realizar por um grupo de russos e de ucranianos. Akhmetov negou qualquer ligação a esse plano.
Quem aproveitou para fazer escárnio do alegado plano de invasão para dia 16 foram os russos, com o porta-voz do Kremlin a apelar para a "paciência" dos compatriotas. "Francamente, a forma como a histeria ocidental se está a desenvolver indica que há um longo caminho a percorrer até ao seu auge", disse Dmitri Peskov.
Já a porta-voz dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, pediu "às fontes de desinformação norte-americanas e britânicas" para publicarem o calendário das próximas invasões. "Gostaria de planear as minhas férias", escreveu nas redes sociais. "Hoje, celebramos mais um dia de não agressão contra a Ucrânia, e mais um dia que nos aproximará de algum tipo de guerra que todos nos prometeram", disse mais tarde.
A retirada parcial de tropas anunciada por Putin na véspera continuou a ser analisada com ceticismo. "Não vemos mudanças, vemos uma intensificação militar, pequenas rotações. Eu não chamaria a isto uma retirada de tropas", disse Zelensky. O secretário de Estado norte-americano coincidiu: "Infelizmente há uma diferença entre o que a Rússia diz e o que faz, e o que estamos a ver não é uma retirada significativa", disse Antony Blinken. Também o primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse em telefonema ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que "de momento há poucas provas de desmobilização da Rússia".
Os líderes dos 27 vão reunir-se hoje em Bruxelas para discutir num encontro informal "os últimos desenvolvimentos relacionados com a Rússia e a Ucrânia". Também os chefes da diplomacia dos países mais desenvolvidos irão encontrar-se no sábado à margem da Conferência de Segurança de Munique.
Ao mesmo tempo, o presidente da Turquia voltou a expressar vontade em ser o anfitrião de um encontro entre Zelensky e Putin. Recep Tayyip Erdogan disse que quando esteve em Kiev o presidente ucraniano se mostrou "favorável" a esta iniciativa e que iria "pessoalmente saber" junto do líder russo sobre o tema.
Entretanto, o presidente russo recebeu o homólogo brasileiro Jair Bolsonaro no Kremlin. A visita já estava marcada antes da escalada da tensão na Ucrânia mas a sua confirmação mereceu reparos da diplomacia brasileira e dos EUA. Segundo o jornal O Globo, representantes de Antony Blinken fizeram chegar ao conhecimento do Ministério das Relações Exteriores brasileiro que consideravam o momento impróprio para uma aproximação entre Bolsonaro e Putin.
Também Filipe Martins, assessor da presidência do Brasil para Assuntos Internacionais, e Anatoliy Tkach, encarregado de negócios da embaixada da Ucrânia em Brasília, sugeriram que Bolsonaro também visitasse a Ucrânia para diminuir eventuais estragos diplomáticos e demonstrar equidistância. Em entrevista à TV Record, antes da viagem, o líder brasileiro garantiu que não iria abordar o assunto. Ainda assim, Bolsonaro declarou a Putin que "o Brasil é solidário com a Rússia".
* com João Almeida Moreira