Lembra-se de como recebeu a notícia do 7 de Outubro de 2023, sobre o massacre de mais de mil israelitas pelo Hamas?Lembro-me muito bem, porque na altura era cônsul-geral em São Petersburgo. Fui lá como missão temporária durante um mês, e era Shabat e Sukkot, de manhã, e eu sou uma pessoa religiosa e não ligo a televisão, nem a rádio, nessas datas. Mas depois o nosso filho ligou-nos de novo, e de novo, e de novo. E aí percebemos que algo aconteceu e respondemos. E depois descobrimos. Claro, ficámos preocupados, mas demorámos horas a perceber a situação. A notícia chegou muito tarde, mas durante horas estivemos a ouvi-la. Ficámos em estado de choque e de luto.Foi uma surpresa para si, a dimensão do ataque?Claro que foi uma surpresa e um choque para o Estado de Israel. Ninguém podia acreditar que algo assim pudesse acontecer.Há um debate sobre falhas de segurança. Haverá um momento em que isso será discutido depois da guerra?Não há dúvida de que houve muitos erros, especialmente por parte dos chefes militares de Israel. Caso contrário, algo do género nunca poderia acontecer. E é muito triste que nos tenha acontecido algo assim. E tenho a certeza de que tudo será verificado minuciosamente.Libertar os reféns continua uma prioridade?É a prioridade do Estado de Israel. Temos dois objetivos para a guerra em Gaza. Um deles é libertar todos os reféns. Agora são 98. Na quarta-feira eram 100. Infelizmente, encontrámos os corpos de dois reféns. A sua história é interessante porque eram árabes e muçulmanos. Mas embora no Hamas também sejam árabes e muçulmanos, assassinaram-nos. E é uma lição importante para compreendermos que o Hamas sabe a verdade. E a verdade é que eles sabem que mesmo que os reféns sejam árabes e muçulmanos aos olhos de Israel isso não interessa. E faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que sejam libertados. E o Hamas sabia disso, e foi por isso que os mantiveram e não os libertaram. O segundo objetivo da guerra em Gaza é eliminar as capacidades militares e civis do Hamas. No lado militar, temos tido sucesso. Com o lado civil, ainda não. E estamos a trabalhar nisso. O governo está a fazer tudo o que pode pelos reféns. E penso que é importante ouvir o que o secretário de Estado Blinken disse numa entrevista ao New York Times, que o obstáculo a um cessar-fogo era apenas o Hamas. E explicou as duas coisas que tiveram implicações na procura de um cessar-fogo. Em primeiro lugar, disse, sempre que os americanos pressionaram Israel, foi um momento em que o Hamas interrompeu as negociações, porque pensavam que agora há cada vez mais pressão sobre Israel para parar a guerra, e é por isso que não deveriam aceitar o cessar-fogo. E a segunda coisa foi quando o Hamas pensou que outros inimigos de Israel iriam atacar Israel, interrompeu as negociações para um cessar-fogo. Assim, quando os Houthis atacaram, quando o Hezbollah atacou, quando o Irão atacou, interromperam as negociações. Felizmente, agora também já não temos o problema do Hezbollah na Síria. Não há ameaça da Síria. E agora teremos uma nova Administração nos EUA, e o presidente-eleito Trump disse que todas as portas do inferno estarão abertas se os reféns não forem libertados até que ele se torne presidente. Portanto, estamos muito otimistas.Mesmo com a morte dos líderes Haniyeh e Sinwar, ainda existe capacidade do Hamas para ameaçar Israel?Sim, porque há muitos terroristas em Gaza e, claro, não os matámos a todos. E esta é uma organização terrorista. Mesmo que matemos o líder, ainda assim estes terroristas bárbaros poderão agir sozinhos. E a guerra contra os terroristas é totalmente diferente da guerra contra os Exércitos regulares, onde alguém se pode render. E, por causa disso, precisamos de continuar a lutar para eliminar estas capacidades terroristas do Hamas. E ainda é muito perigoso. Soldados foram mortos nos últimos dias numa área que fica na parte norte de Gaza, uma área que não é 100% segura, mas onde já estávamos.Referiu o Hezbollah. Como está agora a situação entre Israel e o Hezbollah? Existe alguma possibilidade de a guerra recomeçar?É claro que há uma hipótese de a guerra recomeçar. Devemos recordar que temos 63 mil pessoas deslocadas internamente, entre elas a minha sogra, também o meu sogro, que infelizmente faleceu há um mês - penso que ser deslocado interno o fez morrer. Portanto, não voltarão até vermos que existe um verdadeiro cessar-fogo com o Líbano. As capacidades do Hezbollah ainda existem. Têm dezenas de milhares de terroristas que juram destruir Israel. Queríamos que o Exército libanês assumisse o controlo. Estão a fazê-lo, mas de uma forma muito lenta. Por isso, precisamos de estar sempre alerta sobre a nossa fronteira norte.Mesmo com todas estas derrotas dos aliados de Teerão, do Hamas ao Hezbollah, até o regime de Assad na Síria, como vê o Irão hoje em dia? O eixo da resistência ainda é uma ameaça? Israel está mais seguro do que há um ano?É claro que Israel está agora muito mais seguro do que costumava estar. Além disso, toda a ideia de serem fortes, vemos que na realidade não são nada fortes. Mas, ainda assim, existe a ameaça nuclear do Irão, e nós - e não só nós, todo o mundo - temos de a parar. Porque se o Irão tiver uma bomba nuclear, então tudo mudará. Mas quando falamos do Irão, temos também de pensar na ditadura do Irão, contra o seu próprio povo, mas também na Síria e no Líbano. Estes países foram invadidos pelo Irão e estiveram sob a ditadura iraniana. Felizmente, com a nossa ajuda, agora o Líbano está quase livre e a Síria está livre da ditadura do Irão. Veremos o que acontecerá à Síria. Não temos a certeza de que não será outra ditadura. Vamos ver. Mas também existe uma ditadura do povo iraniano e este deve ser libertado. O povo iraniano não concorda com a ditadura e manifesta-se contra o regime. Gostaríamos que no Irão houvesse um regime que cuidasse do seu próprio povo, que cuidasse da Educação, da Saúde, da Economia do Irão, e não pensasse em atacar outros países que estão longe. Precisamos de recordar que a distância entre Israel e o Irão é como a do Porto a Londres.Imediatamente após a queda de Assad, ocorreu um ataque maciço de Israel contra alguns alvos militares, incluindo toda a Marinha síria. Esta foi uma oportunidade para Israel evitar uma guerra futura com um possível regime hostil na Síria?Não é só isso. Fizemos um grande favor ao mundo inteiro, incluindo a Portugal. Primeiro, porque quando este tipo de arsenal cai nas mãos de terroristas, pode ser vendido e levado a todos os cantos do mundo. Como vimos no Afeganistão quando os americanos partiram e deixaram todo o equipamento nas mãos dos terroristas talibãs. Por isso, fizemos um grande favor ao mundo. Aliás, não ouvi nenhum agradecimento de outros países pelo que fizemos. Por exemplo, não ouvi o agradecimento do Governo português pelo que fizemos também por Portugal. Tivemos então a oportunidade de destruir o arsenal. Poderia ter sido muito perigoso para o mundo se tal arsenal fosse mantido nas mãos de terroristas. E vimos que os ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da França visitaram a Síria. Achamos que ir tão depressa à Síria foi um erro. Eles são terroristas. Eles são extremistas. Agora têm um ministro da Justiça de que acabámos de ver um vídeo dele, há alguns anos, a observar o assassínio de duas mulheres. Decidiram que eram prostitutas e foram mortas na praça de uma cidade da Síria, tal como em Portugal acontecia há 500 anos. Consegue imaginar algo assim? A senhora está a gritar, eu só quero ver os meus filhos antes de morrer. E depois alguém lhe dá um tiro no pescoço.Será este novo regime sírio terrorista e uma ameaça para Israel?É uma ameaça para Israel. Basicamente, são extremistas, com certeza. Não há dúvida sobre isso. O chefe da Síria era da Al-Qaeda e do Daesh. Agora está a refazer a imagem para o mundo. De repente, está de fato e gravata e quer mostrar que é moderado. Vamos esperar para ver. Somos mais cautelosos do que os europeus nesta matéria.Referiu também a Presidência de Trump. Os EUA são um forte aliado de Israel, independentemente do presidente. Mas com Trump, esta aliança será ainda mais forte?Sim, esperamos que sim. Trump é um bom amigo de Israel e procuramos uma boa cooperação. É muito forte contra os terroristas, contra todo o tipo de regimes ditatoriais. Por isso, estamos felizes e ansiosos pela sua Presidência.Foi também um presidente americano, no caso Bill Clinton, que promoveu os Acordos de Oslo de 1993 e a ideia de dois Estados. Acha que depois do ataque do 7 de Outubro de 2003, com mais de mil israelitas mortos, sobretudo civis, também com a guerra em Gaza e dezenas de milhares de mortos, existe alguma possibilidade de um entendimento entre israelitas e palestinianos para esta solução de dois Estados?Sim, ainda gostaríamos de ver isso no futuro. Mas neste momento, em Gaza, e também na Judeia e Samaria, a maioria dos palestinianos apoia o Hamas. O Hamas quer destruir o Estado de Israel. Então, que tipo de esperança podemos ter quando a grande maioria dos palestinianos não quer a solução de dois Estados? E a questão é se alguma vez quiseram ter uma solução de dois Estados, porque nunca reconheceram a solução de dois Estados para dois povos, o que é diferente.Há muitos danos na imagem internacional de Israel. Imediatamente após os ataques do 7 de Outubro, vimos solidariedade, mas a seguir, com a guerra em Gaza, Israel começou a ser criticado, até por aliados. Sei que Israel pode suportar estas críticas, mas quando tem de lidar com questões específicas, como o TPI a processar o primeiro-ministro Netanyahu, como reage?Nós, no Ministério dos Negócios Estrangeiros - eu estava em Israel nessa altura -, antecipámos exatamente o que iria acontecer. Sabíamos que era isso que ia acontecer, mas não acho que isso tenha muita importância, porque não temos opção. Devemos lutar. Devemos libertar os nossos reféns. Devemos eliminar o Hamas. E o nosso trabalho, como diplomatas, é explicar, defender a situação perante o mundo, mas de qualquer forma, não temos opção. Devemos lutar. Agora, se me fizer uma pergunta específica, posso responder a qualquer pergunta que quiser, porque as pessoas estão a perguntar-me: o que está a acontecer em Gaza é horrível. Como pode fazer algo assim? Respondo de uma forma muito lógica. A única forma de evitar a morte de qualquer civil em Gaza é não lutarmos, não lutarmos para libertar os nossos reféns. Nunca faremos algo assim. Devemos lutar. E estamos orgulhosos dos nossos filhos e filhas por estarem a lutar para libertar os reféns, e vários deles são também portugueses. Agora, quanto ao número de vítimas em Gaza, é uma guerra. Numa guerra, infelizmente, são mortos civis numa guerra contra organizações terroristas. Não se trata de uma guerra entre Exércitos no deserto de Al-Alamein. E o Hamas usa os civis como escudos humanos. Agora, precisamos de falar sobre a proporção, a proporção entre civis e terroristas que foram mortos. Assim, mesmo de acordo com os números do Hamas, estamos a falar de um para um. Por cada terrorista que foi morto, um civil foi morto, e cada civil é uma tragédia. Estes são números que são melhores se os compararmos com qualquer outra guerra contra terroristas no mundo. Se tomarmos um exemplo, o que aconteceu em Mossul com os americanos, estes mataram 4,5 civis por cada terrorista que mataram. E se compararmos com a guerra no Líbano... porque não ouvimos falar de vítimas civis na guerra no Líbano, mas ouvimos falar muito em Gaza? Qual é a diferença? O nosso Exército é o mesmo Exército. E a diferença é que, no Líbano, os terroristas preocupam-se muito com os seus próprios civis. E em Gaza, na verdade, acontece o contrário. Querem que morram civis para que os jornalistas me façam estas perguntas. Mas no Líbano preocupam-se muito. E vemos a diferença. Posso dar um exemplo. Vi um funeral no Líbano de 15 pessoas que foram mortas. 14 delas estavam cobertas com a bandeira do Hezbollah. E uma pessoa estava coberta com a bandeira do Líbano. Significa que neste funeral foram sepultados 14 terroristas e um civil, segundo os mesmos. E não ouvimos nas notícias sobre o número de civis que foram mortos no Líbano, especialmente por causa disso. E somos o mesmo Exército. Então qual é a diferença? A diferença é a forma como agem os terroristas.O aumento do antissemitismo na Europa é algo que preocupa Israel?Estamos realmente preocupados com a situação dos judeus em todo o mundo, e especialmente na Europa. Vemos um enorme aumento do antissemitismo. E isso é uma surpresa, porque na verdade deveria ser o contrário. Se nos atacam, se nos matam, se violam as nossas mulheres, se tomam os nossos bebés como reféns, o mundo deveria estar a nosso favor. Mas na verdade vemos o contrário. Portanto, é muito triste. Vemos também atos de antissemitismo em Portugal. Não muitos, mas vemos. Mas vemos também algumas, na verdade não muitas, manifestações contra Israel. É realmente triste que pessoas que se consideram boas pessoas apoiem pessoas bárbaras como os terroristas palestinianos e não o Estado de Israel.Como descreve as relações Portugal-Israel? Houve alguns choques, principalmente por causa de votações na ONU. Como é a sua relação com o Governo português?Somos países amigos. Queremos que países nossos amigos, como Portugal, nos apoiem neste momento difícil. Porque estamos num momento difícil, num momento de guerra. E é natural que os países amigos nos apoiem. Pedimos mais apoio ao Governo português e ao povo português neste tipo de situações difíceis, porque é isso que os países amigos devem fazer. Uma última questão. No dia 27 de janeiro, assinala-se o 80.º aniversário da libertação de Auschwitz. O Holocausto, Auschwitz, o que significa para si e para a sociedade israelita?Penso que está ligado ao 7 de Outubro. Na altura do Holocausto, éramos fracos. Não fomos capazes de nos defender. E infelizmente, na madrugada do dia 7 de Outubro, foi a mesma coisa. E a lição para nós é a mesma. Precisamos de ser fortes. Precisamos de nos defender, sozinhos, sem o apoio de qualquer outro país. Esta é a nossa lição. E acho que a nossa geração mais nova entende isso exatamente como deve ser. E lutam por nós, há mais de um ano, bravamente.