Deputados conservadores deixam militantes só com escolhas à direita
Quando lançou a candidatura à liderança dos conservadores, Kemi Badenoch acusou o último executivo dos Tories de “falar à direita e governar à esquerda”. E, durante o congresso do partido em Birmingham, gerou polémica quando considerou “excessiva” a licença de maternidade e disse que 5 a 10% dos funcionários públicos deviam “estar na prisão”. O adversário, Robert Jenrick, tem como eixo central da campanha travar a imigração - demitiu-se de ministro com esta pasta por considerar que o contestado acordo com o Ruanda ficava aquém do desejado - e garantir que o Reino Unido sai do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Dos seis candidatos iniciais a suceder a Rishi Sunak à frente dos Tories, os deputados conservadores deixaram aos militantes duas escolhas da direita populista do partido. A ex-ministra das Empresas, de 44 anos, nunca teve problemas em usar linguagem forte, sendo vista por alguns como uma “guerreira cultural” pela sua postura “anti-woke” (termo usado para políticas de esquerda em matéria de igualdade racial, feminista ou de direitos LGBT). Já Jenrick, de 42 anos, que começou mais ao centro mas extremou a sua posição nos últimos anos, disse que se fosse norte-americano votaria no republicano Donald Trump
O centrista James Cleverly, que era visto como o candidato favorito no reduzido grupo parlamentar - de apenas 121 membros após o desaire eleitoral de julho que deu a maioria aos trabalhistas -, foi afastado de surpresa na última ronda de votação entre os parlamentares. Um desaire que terá sido causado por uma tentativa dos seus apoiantes de afastar Badenoch, vista como a favorita entre os militantes que têm a última palavra na corrida.
Numa sondagem feita pela YouGov quando ainda havia seis candidatos, Badenoch tinha 24% das preferências de voto entre os militantes conservadores. Jenrick tinha metade disso, 12%. Apesar de muitos defenderem que a corrida está ganha e só se cometer erros é que Badenoch irá perder, o seu adversário não está preparado para deitar a toalha ao chão e tem quase um mês para o evitar.
A escolha, escreveu o jornalista Jody Harrison do The Herald, é entre ver o partido “inclinar-se para a direita” (com Jenrick) ou “atirar-se de cabeça” nessa direção (com Badenoch). Se Cleverly tivesse ficado na corrida, a eleição seria pela “alma do partido” - manter-se ao centro ou ir para a direita - mas assim essa decisão já foi tomada, para júbilo dos trabalhistas, restando saber de que forma os militantes conservadores vão reagir. Sendo que já existe um movimento para alterar a eleição do líder, com alguns deputados a defender que os militantes deviam ter mais do que duas escolhas.
O resultado da votação dos cerca de 140 mil militantes será conhecido a 2 de novembro, com o vencedor a ter pela frente a tarefa de liderar a oposição após a vitória esmagadora dos trabalhistas. A cumprir cem dias de governo, Keir Starmer não é muito popular - 43% dos britânicos dizem que ainda não fez nada de positivo - mas as próximas eleições ainda estão a quatro anos de distância. Para muitos, o próximo líder conservador será apenas de transição, para “arrumar” o partido antes de surgir um outro dirigente capaz também de atrair os eleitores ao centro.
Esta viragem à direita é vista como uma tentativa de recuperar os eleitores perdidos para a extrema-direita do Reform UK, de Nigel Farage, que teve mais de quatro milhões de votos em julho (apenas menos 2,7 milhões do que os conservadores). O sistema eleitoral britânico, onde o mais votado em cada um dos 650 círculos eleitorais é o vencedor sem direito a segunda volta, fez contudo que só elegesse cinco deputados. Mas terá custado 80 lugares aos conservadores.
Perfis
Kemi Badenoch: A ex-ministra das Empresas e do Comércio nasceu há 44 anos em Wimbledon, mas passou a infância na Nigéria (onde estão as raízes da família) e nos EUA. Voltou ao Reino Unido aos 16 anos e estudou Engenharia Informática. Membro do Partido Conservador desde 2005, seria eleita deputada apenas em 2017. Em 2022, após a demissão de Boris Johnson, foi pela primeira vez candidata à liderança dos Tories. Sem sucesso, seria nomeada depois para o governo por Liz Truss (Comércio Internacional) e depois por Rishi Sunak. Atualmente é ministra-sombra para Habitação, Comunidades e Governo Local. Casada, tem três filhos.
Robert Jenrick: O ex-ministro da Imigração nasceu há 42 anos em Wolverhampton, tendo sido o primeiro da sua família a frequentar a universidade - estudou História em Cambridge. Membro dos Tories desde 1997, foi eleito deputado por Newark em 2014. Depois de ter passado por uma secretaria de Estado nas Finanças, tornou-se em 2019 no mais jovem ministro do governo desde a II Guerra Mundial, com a pasta da Habitação, Comunidades e Governo Local. Em 2022 tornou-se ministro da Imigração, demitindo-se quando ficou claro que o acordo com o Ruanda não teria os efeitos desejados de parar a imigração. É casado e tem três filhos.
susana.f.salvador@dn.pt