A chefe do governo da Escócia anunciou ontem a decisão de deixar o cargo e a liderança do Partido Nacionalista Escocês (SNP, em inglês), oito anos depois de assumir as rédeas do país no rescaldo do "não" no referendo à independência de 2014. Num anúncio surpresa, apesar dos reveses que tem sofrido, Nicola Sturgeon abriu a porta à luta pela sucessão, sem um candidato claro e deixando o processo independentista em pausa. No discurso, lembrou contudo que esta causa "é muito maior do que qualquer indivíduo" e disse acreditar "firmemente" que quem lhe suceder irá alcançar esse objetivo..Apesar de a decisão ter apanhado toda a gente desprevenida - ainda há semanas, quando e neozelandesa Jacinda Ardern anunciou a sua saída, disse à BBC que não estava "nem perto" de fazer o mesmo - Sturgeon alegou que não é "uma reação a pressões de curto prazo". Pelo contrário, "vem de uma avaliação mais profunda e de longo prazo" e que na sua cabeça e coração, esta é a hora de sair, admitindo já não ter a capacidade de dar ao cargo "toda a energia que exige". .Sturgeon, de 52 anos, entrou no SNP quando tinha apenas 16. Aos 21 foi a mais jovem candidata a deputada pela Escócia (perdeu essa primeira eleição em 1992) e tinha 28 anos quando, em 1999, entrou para o Parlamento Escocês - nas primeiras eleições após a devolução dos poderes que antes estavam nas mãos de Westminster. O SNP era então oposição e Sturgeon ocupou várias pastas no governo sombra. Cinco anos depois, em 2004, pensou ser candidata à liderança do SNP, mas acabou por apoiar Alex Salmond, de quem se tornaria número dois. A vitória eleitoral em 2007 catapultou-a, aos 36 anos, para vice primeira-ministra..Apoiante da independência desde a adolescência, viu a Escócia dizer "não" no referendo de 2014 e, depois da demissão de Salmond, subiu à liderança do governo escocês. Em 2015, liderou o SNP na conquista de 56 dos 59 deputados pela Escócia em Westminster, nas eleições gerais britânicas. Em 2021, ficou a um deputado da maioria de 65 no Parlamento escocês..Entretanto, o mentor acabaria transformado em inimigo (devido a acusações de abusos sexuais, que não se vieram a comprovar em tribunal), tendo lançado um novo partido nacionalista e pró-independência em 2021, o Alba. Salmond disse ontem que Sturgeon deixa o governo "sem uma estratégia clara para a independência". .Os planos da primeira ministra esbarraram no Supremo Tribunal do Reino Unido, que em novembro decidiu que o governo escocês não podia organizar um segundo referendo sem o aval de Westminster. Londres recusa uma nova consulta, considerando que a de 2014 foi "a oportunidade de uma geração", apesar de os escoceses alegarem que o Brexit veio alterar a situação (eles votaram contra a saída da União Europeia)..A ideia de Sturgeon era transformar as próximas eleições gerais no Reino Unido (esperadas em 2024) num referendo à independência, com o SNP a concorrer apenas com esse ponto no programa eleitoral. Mas isso não era algo consensual dentro do próprio partido, com Sturgeon a admitir que se estava a tornar numa pessoa polarizadora - defendendo que é preciso alguém sobre quem as pessoas já não tenham uma opinião formada..A primeira ministra disse que sempre deixou claro que a decisão sobre transformar as eleições num referendo devia ser tomada coletivamente, não só por ela. "Mas conheço o meu partido suficientemente bem para perceber que a minha visão como líder teria um peso enorme, provavelmente decisivo, no congresso do próximo mês. E não posso, em boa consciência, pedir ao partido para escolher uma opção baseada no meu julgamento", afirmou. "Ao tomar a minha decisão agora, liberto o SNP para escolher o caminho que acredita ser o correto.".A juntar a isto, Sturgeon tinha ficado debaixo de fogo pelo caso de um violador transgénero - que mudou de homem para mulher durante o julgamento - ter sido detido numa prisão de mulheres. A líder escocesa defendeu a legislação que permite que qualquer pessoa com mais de 16 anos possa mudar de género sem parecer médico. Depois da polémica, Londres usou um veto inédito para travar essa lei..Sturgeon vai continuar no cargo até o partido escolher um sucessor ou sucessora. Não há um nome claro, mas há várias hipóteses, como o atual número dois, John Swinney, ou Angus Robertson, líder do partido no Parlamento britânico durante uma década. As candidaturas já estão abertas, sendo necessário o apoio de cem militantes de pelo menos 20 distritais diferentes do partido.."Não importa o número de vezes que me possam perguntar ao longo das próximas semanas, não importa as formas inventivas que encontrem para perguntar, não vou dizer qual é a minha preferência para me suceder", disse Sturgeon aos jornalistas. A líder do SNP considera que o partido "está cheio de indivíduos talentosos que estão mais do que à altura dessa tarefa"..Entretanto, crescem as vozes que defendem que o seu marido, Peter Murrell, deve deixar o cargo de presidente executivo do partido, algo que não está para já nos planos..susana.f.salvador@dn.pt