EPA/SERVIÇO DE IMPRENSA DO MINISTÉRIO DA DEFESA RUSSO
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Quando patrão de fábrica de tanques se imolou na Praça Vermelha. Indústria de Defesa russa cede sob pressão

Investigação da Reuters expõe o colapso de quem fabrica as armas de Putin perante ameaças de prisão, enquanto o mundo assiste a um processo de paz bloqueado por impasses financeiros.
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A invasão da Ucrânia, que esta terça-feira, 23 de dezembro, atingiu um novo pico de violência com o lançamento de mais de 650 drones russos contra a rede energética ucraniana, poderia ter sido uma oportunidade de orgulho militar para Vladimir Arsenyev. No entanto, para o cientista de 75 anos que lidera o Instituto Volna, fabricante de componentes críticos para tanques, a pressão para alimentar a máquina de guerra russa transformou-se num "cálice envenenado" que quase lhe custou a vida.

Segundo noticia a Reuters, num relato sustentado por entrevistas e documentos judiciais, o desespero de Arsenyev culminou num ato público de protesto: em julho de 2024, o empresário ateou fogo ao próprio corpo na Praça Vermelha, junto ao mausoléu de Lenine. Este gesto extremo ocorreu num momento em que a indústria de defesa russa é fustigada por prazos impossíveis, contas congeladas e a ameaça constante de penas de prisão de até 10 anos para quem não cumpra as metas estatais.

Um clima de "mão de ferro" e purgas internas

A pressão sobre homens como Arsenyev é alimentada por uma retórica que remonta aos tempos mais sombrios da União Soviética. Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, tem usado telegramas de Josef Estaline para avisar os diretores de fábricas que o fracasso será punido como um crime. Esta "caça às bruxas" industrial coincide com um clima de insegurança crescente no coração do poder russo: ainda hoje, 23 de dezembro de 2025, Moscovo foi abalada pela morte de um general de topo, vítima da explosão de um engenho colocado no seu carro.

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General russo morre vítima de atentado bombista em Moscovo

Enquanto o exército russo tenta manter a ofensiva -- que deixou neste mesmo dia várias regiões ucranianas sem luz, em vésperas do Natal -- os bastidores da produção militar enfrentam uma purga administrativa. Segundo a Reuters, pelo menos 34 gestores de defesa já enfrentam acusações criminais por atrasos na produção. No caso da Volna, o Ministério da Defesa cortou os pagamentos para quase metade, deixando Arsenyev (e outros) sem meios para pagar salários ou impostos.

Apesar de ter sobrevivido com queimaduras graves, Arsenyev continua a lutar nos tribunais russos para salvar o que resta da sua empresa. Mas enquanto o sistema industrial de Moscovo não para de asfixiar os seus próprios líderes.

E nada disto tem fim à vista. O processo diplomático para travar este ciclo de destruição permanece mergulhado na incerteza. O que começou com uma iniciativa de acordo de paz impulsionada pelos EUA, que a União Europeia prontamente começou a discutir numa tentativa de encontrar uma saída política, resultou resultou -- por agora -- num labirinto de decisões inconclusivas: embora a Cimeira Europeia desta semana tenha aprovado novos empréstimos para sustentar a economia ucraniana. A UE continua sem sair do impasse sobre a utilização dos fundos russos congelados. É, na prática, um longo caminho para uma paz que não chega, até porque Putin não dá sinais realistas de a querer, enquanto no terreno -- e nas fábricas de Moscovo -- o custo humano continua a aumentar.

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