É uma visita de trabalho, mas o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman vai ser recebido na Casa Branca como um verdadeiro monarca e como se fosse uma visita de Estado. Sete anos depois da última viagem aos EUA e de os serviços secretos americanos terem concluído que foi responsável pela morte do jornalista Jamal Khashoggi, crítico do regime, a reabilitação de MBS (como é conhecido) está completa. E o presidente Donald Trump não poupa esforços para receber bem “o amigo” que apelidou de “homem incrível” na sua visita de maio à Arábia Saudita. MBS, de 40 anos, terá direito esta terça-feira (18 de novembro) a uma cerimónia de chegada no relvado da Casa Branca, antes de ser recebido por Trump no Pórtico Sul - como numa visita de Estado. Segue-se uma reunião bilateral na Sala Oval, com a assinatura de acordos em várias áreas e um almoço. MBS terá ainda direito a um jantar planeado pela primeira-dama Melania Trump. Na agenda do encontro está a assinatura de um acordo mútuo de segurança entre os dois países, que fica aquém do desejado pacto de Defesa que MBS queria (e que teria que ser aprovado pelo Senado). O acordo será semelhante ao que já existe entre os EUA e o Qatar e que foi assinado em setembro, em resposta ao bombardeamento israelita de Doha que visava a liderança do Hamas. Um ataque que também levou os sauditas a duvidar das garantias de segurança existentes, já abaladas quando Washington não respondeu em 2019 ao ataque iraniano contra instalações petrolíferas do reino. Em cima da mesa está também a possibilidade de os sauditas poderem comprar os mais avançados caças F-35 (mas há receio de que a tecnologia possa acabar na China, dado os laços que MBS tem reforçado com Pequim). Outra área chave é a da Energia, com os sauditas de olho na tecnologia que permita desenvolver um programa nuclear civil. Haverá ainda diálogo sobre terras-raras e Inteligência Artificial, com a Arábia Saudita a querer tornar-se numa potência nesta área. Do lado dos EUA, Trump quer ver consolidada a promessa de investimento de 600 milhões de dólares anunciada durante a sua visita de maio a Riade - esta quarta-feira (19 de novembro) haverá um encontro com empresários. Mas o desejo de Trump é só um: ver a Arábia Saudita aderir aos acordos de Abraão e a estabelecer relações diplomáticas com Israel (acreditando que outros países se seguirão rapidamente). A normalização das relações entre sauditas e israelitas estava a ser discutida antes dos ataques terroristas do Hamas de 7 de outubro de 2023 desencadearem a guerra na Faixa de Gaza. Mas, mesmo com um frágil cessar-fogo alcançado graças ao plano de Trump (que esta segunda-feira devia ser votado no Conselho de Segurança da ONU), a adesão dos sauditas parece fora de questão.Analistas sauditas dizem que MBS (apesar de mais flexível que o pai neste assunto) não vai esgotar esse trunfo sem garantir o reconhecimento do Estado Palestiniano - que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, recusa fazer. Mas a esperança dos norte-americanos é que no mínimo haja o reconhecimento que o plano de paz para Gaza de Trump possa ser o início desse caminho, e que aceitem considerar uma futura adesão (de preferência até ao final do mandato)..Trump chegou à Arábia Saudita, primeira etapa de viagem pelo Médio Oriente.Pós-KhashoggiEsta é a primeira visita de MBS aos EUA desde o assassinato de Khashoggi, um jornalista crítico do regime que foi morto em 2018 por agentes sauditas no consulado em Istambul. Os serviços secretos norte-americanos concluíram que o príncipe esteve envolvido, mas ele negou ter dado ordens para a morte - assumindo contudo a responsabilidade enquanto líder de facto da Arábia Saudita.MBS ganhou um papel de destaque depois de o pai, o rei Salman, ter subido ao trono em 2015, entregando-lhe a pasta da Defesa. O novo monarca já tinha mais de 80 anos e problemas de saúde, cedo permitindo que o sétimo filho (o primeiro da terceira mulher) se tornasse no líder de facto do país. Em 2017, num golpe palaciano, MBS afastou o primo mais velho da sucessão e tornou-se no príncipe herdeiro. Ainda não tinha feito 32 anos. Será o primeiro neto do rei Ibn Saud, o fundador do país, a chegar ao poder - até agora a sucessão foi entre os vários filhos do monarca.“Setenta por cento dos sauditas têm menos de 30 anos. Não vamos desperdiçar os próximos 30 anos a lidar com ideias extremistas. Vamos destruí-las hoje”, disse MBS depois de se tornar príncipe herdeiro, prometendo restaurar um “Islão moderado e equilibrado” e aberto ao mundo. Seguiram-se as mudanças sociais, com a influência da polícia religiosa a ser reduzida, as mulheres a serem autorizadas a conduzir e o reino a modernizar-se no ambicioso plano Visão 2030 (que visa diversificar a economia, reduzindo a dependência do petróleo). Mas veio também a repressão dos críticos e opositores.Kashoggi foi o caso mais visível. Mas, segundo a Human Rights Watch, o número de execuções tem vindo a aumentar no reino. Segundo o The New York Times, já foram executadas pelo menos 320 pessoas em 2025 e o país está no caminho para bater o recorde do ano passado - 345 pessoas. A grande maioria são estrangeiros acusados de crimes relacionados com tráfico de droga, mas as organizações não governamentais suspeitam que esta pena está também a ser usada para “esmagar” a oposição. O jornalista Turki al-Jasser, que expôs a corrupção dentro da família real, foi executado em junho. Foi o primeiro jornalista morto desde Khashoggi.A 2 de outubro de 2018, o colunista do The Washington Post desapareceu numa ida ao consulado saudita em Istambul, para tratar de documentos para poder casar. Nunca mais foi visto, tendo sido morto e desmembrado. Trump estava no primeiro mandato na Casa Branca e ignorou as conclusões dos serviços secretos, segundo as quais MBS tinha ordenado o crime. Os sauditas “têm sido um grande aliado”, disse Trump em novembro desse ano, “e os EUA pretendem continuar a ser um parceiro firme”. .Khashoggi: CIA concluiu que príncipe saudita ordenou morte de jornalista - Washington Post.As questões económicas falaram mais alto. Já tinha sido assim com Joe Biden, que ainda candidato prometeu tornar a Arábia Saudita num Estado “pária”. Mas, já como presidente, numa viagem ao país em 2022, acabou por ser fotografado a cumprimentar MBS com um fist bump (choque de punhos). Ao longo dos últimos anos, e apesar da rejeição ocidental dos primeiros tempos, o príncipe herdeiro saudita tornou-se demasiado poderoso para poder ser ignorado e a Casa Branca de Trump (cuja família tem vários interesses económicos no reino) não hesita em estender o tapete vermelho para o receber. .Caso Khashoggi: Donald Trump defende príncipe saudita