Donald Trump dirigiu-se à Assembleia Geral das Nações Unidas, em plena comemoração dos 80 anos da instituição, com uma mensagem: ou os líderes presentes seguem os seus conselhos ou “irão para o inferno”, em especial em relação à imigração e às políticas de transição energética. Atacou o Brasil de Lula para logo de seguida dizer que gostou muito de se cruzar com ele. Foi o porta-voz da posição de Israel sobre o reconhecimento da Palestina como um prémio para o Hamas. Uma voz isolada e em contracorrente face aos restantes oradores, do secretário-geral António Guterres ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, os quais defenderam o multilateralismo, a ação climática e a solução dos dois Estados para o fim do conflito no Médio Oriente. O discurso do presidente norte-americano foi o mais longo que proferiu na semana de debate da Assembleia Geral. Mas o facto de ter falado durante quase uma hora não significa que tenha explanado os temas ponderosos com mais detalhe. Até começou com uma nota de humor, ao referir-se ao teleponto, que não estava a funcionar, que o responsável por tal estava “em sarilhos”. Mas a partir daí o presidente dos EUA falou para os líderes mundiais como se estivesse num comício junto dos seus apoiantes. Parte significativa da intervenção foi usada para criticar a administração de Joe Biden e responsabilizá-la por quase tudo, das guerras no mundo à inflação. “Os EUA são abençoados com a mais forte economia, as mais fortes fronteiras, o mais forte exército, o maior espírito à face da Terra. É uma era dourada”, proclamou. “Com Biden tínhamos menos de um bilião de dólares de investimentos, agora temos 17 biliões de dólares a serem investidos nos EUA em apenas oito meses. Somos o melhor país do mundo para fazer negócios”, gabou-se. Passou para outro tema caro: “O número de estrangeiros ilegais a entrar é agora de zero. Se alguém vier ilegalmente vai para a prisão, volta para o seu país ou ainda para mais longe.” Agradeceu a El Salvador por receber prisioneiros antes de criticar os países que acolhem migrantes. “Isto está a destruir o vosso país, e vocês têm de fazer algo a esse respeito no palco mundial”, disse. Trump acusou as Nações Unidas de “financiar um ataque aos países ocidentais e às suas fronteiras” através de programas de apoio a refugiados. Dando azo às teorias da conspiração sobre a “grande substituição” dos europeus por migrantes, afirmou que a Europa está em “sérios problemas”. Isto porque, disse, “foram invadidos por uma força de imigrantes ilegais como ninguém nunca viu antes. Imigrantes ilegais estão a entrar na Europa e ninguém está a fazer nada para mudar isso, para os tirar. Não é sustentável, e porque optam por serem politicamente corretos, não estão a fazer absolutamente nada”. Acrescentou: “Está na hora de acabar com essa experiência fracassada de fronteiras abertas. Sou muito bom nestas coisas: os vossos países estão a ir para o inferno.”.Outro tema da sua predileção, a defesa da indústria petrolífera e o ataque às medidas de defesa do ambiente, ocupou quase um quarto do discurso. Começou por menosprezar as energias renováveis, ao criticar os painéis solares e as turbinas eólicas (parou todos os projetos nos EUA), e afirmou que na recente visita ao Reino Unido disse “durante três dias” a Keir Starmer que “tem de aproveitar” o petróleo do Mar do Norte. “As mudanças climáticas são a maior aldrabice dos nossos tempos”, frisou. Isto porque, afirma, o consenso científico é feito “por gente estúpida”. E para que não haja dúvidas: “É verdade, estou certo em relação a tudo. E eu estou a dizer-vos que, se não se afastarem da farsa da energia verde, o vosso país vai falhar. E se não pararem pessoas [na fronteira] que nunca viram e com quem nada têm em comum, o vosso país vai falhar.” Em concreto, “a UE está a ser destruída pela energia e pelo clima”. Ainda aproveitou para acusar o ex-presidente Barack Obama de falar sobre a pegada de carbono “e de seguida ir de avião para o Havai para jogar golfe”. De permeio voltou às críticas à casa em que estava a falar: “Na ONU temos ambientalistas radicais. Querem matar as vacas todas.” Acusou a China de emitir mais CO2 “que os outros países todos”, antes de fazer uma queixa. “Na Ásia atiram o lixo para o mar e depois vê-se lixo a passar na costa de Los Angeles ou São Francisco”. Afirmou que há muitos países “a fazerem dinheiro à conta disto”, motivo pelo qual saiu do “falso Acordo de Paris”. Sem surpresa, o presidente dos EUA repetiu as críticas ao reconhecimento da Palestina e exigiu a libertação dos reféns do Hamas, enquanto se gabou de ter terminado sete conflitos. “É uma pena que eu tenha que fazer estas coisas em vez das Nações Unidas. E, tristemente, em todos os casos, as Nações Unidas nem sequer tentaram ajudar em nenhum deles.” . O tom e a substância do discurso do presidente dos EUA contrastou com os restantes do dia. O secretário-geral António Guterres apresentou “cinco escolhas críticas”: a paz baseada na lei internacional; os direitos humanos e a dignidade humana; a justiça climática; a tecnologia ao serviço da humanidade; e fortalecer as Nações Unidas. "Eu cresci num mundo onde as escolhas eram escassas. Fui criado na escuridão da ditadura, onde o medo silenciava vozes e a esperança quase foi destruída. No entanto, mesmo nas horas mais sombrias – especialmente nesse período – descobri uma verdade que nunca me abandonou: o poder não reside nas mãos de quem domina ou divide. O verdadeiro poder emerge do povo", disse o português..“O nosso mundo está a tornar-se cada vez mais multipolar. Sejamos claros: a cooperação internacional não é ingenuidade. É pragmatismo sensato.”António Guterres. Um discurso que horas depois foi elogiado na intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente advogou que a vocação de Portugal de promover o multilateralismo e de estabelecer pontes é perfeita para o país ser eleito para o próximo mandato do Conselho de Segurança. .Assembleia Geral da ONU. “A nossa democracia e a nossa soberania são inegociáveis”, disse Lula.O brasileiro Lula da Silva, acusado minutos depois por Trump por “interferir nos direitos e liberdades dos cidadãos americanos com censura, repressão, corrupção da justiça e perseguição de críticos nos EUA”, defendeu o direito à soberania do seu país, fez uma defesa do mundo multipolar e criticou ao mesmo tempo o Hamas e Israel pela guerra em Gaza. “Sob toneladas de escombros estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Podemos ver que o direito internacional humanitário também está a ser enterrado lá”, acusou. .“Os ataques à soberania, as sanções arbitrárias e as intervenções unilaterais tornaram-se a norma. A nossa democracia e a nossa soberania são inegociáveis.Lula da Silva.As intervenções do indonésio Prabowo Subianto, do turco Recep Erdogan ou do rei da Jordânia centraram-se também na Palestina, com o primeiro a desmentir Trump ao lembrar que a costa norte de Java afunda-se cinco centímetros por ano graças à subida do nível do mar. "A Indonésia está a mudar de forma decidida do desenvolvimento baseado nos combustíveis fósseis para o desenvolvimento baseado nas renováveis. No próximo ano a maior parte da capacidade de produção de energia será de renováveis", afirmou. Erdogan fez um apelo à ação dos líderes presentes sobre a questão da Palestina e criticou com duras palavras Benjamin Netanyahu, que diz estar "completamente fora de controlo". Erdogan, cuja onda repressiva interna não poupou o seu principal adversário político (Ekrem Imamoglu está preso, acusado de ter falsificado o diploma universitário e de insultar um agente eleitoral) acusou Israel de ser responsável pela regressão dos valores. "Temos de compreender o seguinte: devido à agressão crescente de Israel, os valores que emergiram no pós-II Guerra Mundial foram erodidos. Os mais fundamentais direitos humanos, como liberdade de expressão, de imprensa, de protesto, direitos da crianças e das mulheres, democracia, igualdade e justiça foram abandonados", disse. Durante a sua presidência, dezenas de jornalistas foram presos e o país saiu da Convenção de Istambul de proteção da violência contra as mulheres. .Comitiva de Trump bloqueia Macron Um episódio caricato decorreu na primeira noite da semana de alto nível da Assembleia Geral. A comitiva do presidente francês Emmanuel Macron - que acabara de proclamar o reconhecimento do Estado da Palestina - ficou bloqueada à saída da sede da ONU. Foi o próprio Macron quem dialogou com um agente da polícia para saber o que se passava: a comitiva de Donald Trump ia passar por Manhattan, o que obrigou ao corte do trânsito. De seguida, o francês telefonou ao homólogo dos EUA: “Sabes que mais? Estou à espera na rua porque está tudo à tua espera”, ouviu-se na filmagem publicada pela rede Brut. Também disse que gostaria de abordar a situação em Gaza com o interlocutor. Fontes da presidência francesa confirmaram que a conversa, “cálida e amistosa”, prosseguiu enquanto Macron percorria a pé as ruas nova-iorquinas num passeio de meia hora. Macron aproveitou o bloqueio do trânsito para passear pelas ruas durante cerca de 30 minutos. Em tom descontraído, parou para tirar fotografias com os transeuntes que o reconheciam e até recebeu um beijo na testa de um homem. “Não há problema”, disse aos seguranças, prevenindo-os de afastarem o indivíduo. “É só um beijo, não tem mal”, comentou enquanto sorria. .Trump defende que países da NATO devem abater aviões russos que violem espaço aéreo.Trump questionou utilidade da ONU antes de elogiá-la. Marcelo pediu diálogo e cessar-fogo em Gaza e na Ucrânia