"O centro aguentou-se.” Foi desta forma que a presidente da Comissão Europeia e a presidente do Parlamento Europeu comentaram a aprovação da equipa que inicia o mandato de cinco anos a partir de domingo: os partidos pró-europeus, apesar das recentes fraturas, encontraram um terreno comum. A comissão von der Leyen II recebeu 370 votos a favor, 282 contra e 36 abstenções. Em comparação com 2019, o colégio de comissários obteve menos 13 votos; e menos 30 votos em relação à eleição de Ursula von der Leyen pelos eurodeputados, em julho. .Os representantes portugueses seguiram as linhas das respetivas famílias políticas. Os eleitos pelo PSD e CDS votaram a favor, em linha com o Partido Popular Europeu (PPE); o mesmo para os do PS em relação aos Socialistas & Democratas (S&D) e os da Iniciativa Liberal e o Renew Europe. Contra votaram os eurodeputados do PCP e BE em conformidade com o grupo da Esquerda; e os do Chega também rejeitaram a equipa à imagem dos Patriotas pela Europa. A exceção entre os 21 portugueses foi o socialista Bruno Gonçalves, que se absteve. Não foi o único, longe disso, entre os 688 votantes: conservadores espanhóis e eslovenos votaram contra devido à escolha das comissárias dos seus países; socialistas franceses, belgas e alemães rejeitaram a vice-presidência do italiano Raffaele Fito; os Verdes dividiram o voto pelo mesmo motivo, enquanto os liberais foram mais disciplinados e o protesto ficou-se por meia dúzia de abstenções. Por curiosidade, refira-se que quatro eurodeputados (Henna Virkkunen, Christophe Hansen, Roxana Minzatu e Andrius Kubilius) votaram a favor dos próprios, uma vez que vão ser comissários. .A formação do colégio de comissários é um microcosmo representativo do jogo de equilíbrios que tão bem caracteriza a construção europeia. Uma vez eleito o presidente da Comissão, cabe a cada executivo nacional propor um comissário, sujeito à aprovação, em primeiro lugar, do seu futuro líder, no caso Ursula von der Leyen. Desta vez, a dirigente alemã recusou os homens propostos pela Roménia e Eslovénia para aumentar a quota de mulheres: ficaram 10 em 26 vice-presidentes e comissários. E, em segundo lugar, os comissários designados têm de passar pelo crivo dos eurodeputados. Desta vez foi a primeira desde 1999 que todos foram aprovados na totalidade e à primeira nas respetivas audições. Poderia ser um sinal da qualidade superlativa da equipa apresentada, mas a realidade é outra. O atraso na sua constituição levou a que a líder do executivo europeu, a presidente do Parlamento Roberta Metsola e os líderes das principais famílias políticas chegassem a um entendimento e a audição fosse uma formalidade. .Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, com Ursula von der Leyen e o colégio de comissários que vai entrar em funções no domingo. EPA/RONALD WITTEK.O acordo selado no dia 20 entre os presidentes do PPE, Manfred Weber, dos S&D, Iratxe García Pérez, e do Renew, Valérie Hayer, desbloqueou a votação de alguns comissários, abriu caminho para a aprovação geral no Parlamento e enterrou o machado de guerra que estava a ser brandido desde o início da sessão legislativa. “A forma como decorreu a audição foi uma trapalhada e o Parlamento não fez o que devia. Houve um acordo à porta fechada apesar da péssima avaliação que tiveram”, critica Catarina Martins, a representante do Bloco de Esquerda. .Foi uma iniciativa conjunta do PPE com o grupo eurocético ECR, agora dominado pelos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni − uma moção de reconhecimento de Edmundo Urrutia como legítimo líder da Venezuela − que desencadeou a tensão entre os maiores grupos. A moção recebeu o apoio ainda mais à direita, o que levou à abstenção dos liberais (Renew) e ao voto contra dos socialistas e sociais-democratas (S&D). O mal-estar agudizou-se com o acordo entre Von der Leyen e a primeira-ministra de Itália. “Há uma vice-presidência que é atribuída ao governo de Itália, onde temos um partido de extrema-direita, o que, para nós, é algo muito difícil de aceitar”, diz a socialista Marta Temido. .Paulo Cunha, chefe de delegação do PSD, tem outro entendimento. “É visível que a senhora Meloni tem tido uma atitude que está bastante distante daquilo que se prognosticava quando ela formou Governo. Nós vemos isso com particular agrado, não temos nada contra as siglas partidárias, o que nós preferimos e queremos é que aqueles que integram os partidos se aproximem dentro desta área moderada e veremos com bons olhos que isso possa acontecer com várias forças políticas, nomeadamente com essa.” Mais: o ex-autarca de Famalicão defende que os grupos políticos moderados não devem ficar impassíveis. “Não temos que ficar na expectativa de que os chamados partidos extremistas à esquerda e à direita possam fazer sobre determinada matéria. Temos que, previamente, tomar a iniciativa e ir à procura de entendimentos com essas forças políticas.”.Durante o discurso aos deputados de apresentação da equipa e as linhas gerais do programa, Ursula von der Leyen confirmou as linhas gerais inspiradas nos relatórios que pediu ao ex-presidente da Finlândia Sauli Niinistö, e aos ex-primeiros-ministros de Itália Mario Draghi e Enrico Letta, tendo anunciado uma “bússola para a competitividade” como primeira medida.."É uma Comissão bastante equilibrada e as linhas programáticas têm um grande enfoque na competitividade”, comenta Ana Miguel Pedro, do CDS. “Mesmo que não seja um enorme fã de todos os titulares do colégio de comissários nem do programa de orientações estratégicas da Comissão, é preferível começar já com base nas conclusões lúcidas do relatório Draghi e das reformas profundas que a Europa precisa”, considera João Cotrim de Figueiredo, da IL, que diz não haver tempo a perder. O liberal nota ainda que as prioridades da campanha do seu partido (crescimento económico, defesa dos valores europeus e o combate à burocracia e à corrupção) "acabam por ser as prioridades desta Comissão"..Paulo Cunha elogia a forma “arrojada” como a equipa foi desenhada porque obriga à “interação entre vários comissários”, o que “representa uma dificuldade na gestão”, mas “acertada” porque há que coordenar as implicações das políticas nas várias áreas. Lembra que o acordo do PPE, S&D e Renew é de forças que “elegeram como objetivos principais da sua intervenção uma agenda pró-europeia, uma agenda pró-Ucrânia e uma agenda pró-Estado de Direito”. A centrista Ana Miguel Pedro também elogia a plataforma de entendimento, “uma abordagem construtiva para os próximos anos”. A socialista Marta Temido não partilha o entusiasmo. “Há aqui algum titubear da parte da presidente da Comissão”, diz. “Há uma sensação de que vamos ter que fazer este caminho e levar os outros à força a fazer este caminho que não nos deixa nada tranquilos.”.Mais à esquerda, as críticas sobem de tom. “A forma como a Comissão está desenhada esqueceu o pilar social da UE e em boa medida abandona o pacto verde”, lamenta Catarina Martins. “É uma Comissão de desistência face aos compromissos de progresso social na Europa.”.Pegando na área da energia, o comunista João Oliveira diz ser “caricato” o comissário que tem a área da energia acumular a área da habitação. E mais: “A orientação política da UE em relação à política energética está orientada para a quebra de barreiras que impedem as grandes empresas do setor energético de se transformarem em empresas pan-europeias. Quando nós vemos estas políticas fixadas na lógica da competição com os chineses e americanos, nós perguntamos qual é o papel que está reservado para Portugal?” Em conclusão, diz que a eleição desta equipa, "mais do que pelas pessoas em si, mas pelo programa político que ela tem, é um fator de preocupação para os próximos anos"..Em EstrasburgoO jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu.