Há umas décadas, a Albânia era vista por alguns como um farol do socialismo. O fim da Cortina de Ferro pôs a nu a realidade do país mais pobre da Europa. Agora, em esforço de alinhamento com os padrões da União Europeia, à qual é país candidato, o primeiro-ministro Edi Rama promoveu à categoria de ministra uma assistente virtual do portal dos serviços eletrónicos do Estado.Chama-se Diella e vai ficar com a pasta dos concursos públicos. “Diella é o primeiro membro [do governo] que não está fisicamente presente, mas criado virtualmente por inteligência artificial (IA),” disse o socialista Rama durante uma sessão partidária em que anunciou a remodelação do executivo. Explicou que, de futuro, as decisões sobre os concursos públicos deixariam de ser tomadas nos ministérios e transferidas para Diella. A vantagem, sublinhou, é que a Albânia passará a ter concursos públicos “100% incorruptíveis”. Concluiu: “Isto não é ficção científica, mas o dever de Diella”, a agora ministra sem salário nem limites horários ‒ e que dificilmente manterá discussões acaloradas com o chefe do governo. Diella (Sol), cujo avatar feminino é complementado com trajes tradicionais da região de Zadrima (noroeste do país), foi apresentada ao público em 2023. A assistente virtual foi desenvolvida pela Agência Nacional da Sociedade de Informação, com o apoio da Microsoft, e em janeiro foi notícia a chegada da versão 2.0. Agora, diz a agência, a Diella pode receber mensagens escritas ou de voz e “processa a solicitação mesmo que o cidadão ou empresa não saiba o nome exato do serviço”, fornecendo “uma resposta a qualquer momento, 24 horas por dia, sete dias por semana”.A ideia de usar a IA para acelerar a aproximação à UE foi revelada em 2024. Edi Rama pediu ajuda à chefe da tecnologia do ChatGPT, a albanesa Mira Murati. Desde então o processo de negociação com Bruxelas está a ter a assistência da IA, em especial na tradução e no alinhamento legislativo. A promessa de completar o processo de negociações até 2030 ajudou à eleição de Rama (pela quarta vez), em maio passado..A Albânia é o primeiro país a ter uma ministra virtual, mas o país pioneiro com um candidato virtual é a Inglaterra. Nas eleições de 2024, AI Steve foi candidato ao círculo de Brighton Pavilion. O homem por trás da candidatura, o empresário Steve Endacott, explicou então que ideia era recolher semanalmente as opiniões dos representados e depois a IA moldaria as políticas da maioria: “AI Steve é o copiloto da IA. Eu sou o verdadeiro político a entrar no Parlamento, mas sou controlado pelo meu copiloto.” Endacott sugeriu que estava a reinventar a democracia por oferecer “o controlo do voto de forma contínua” aos eleitores. Mas estes não quiseram. Ficou em último, atrás de um candidato do The Official Monster Raving Loony Party, um partido satírico.Quem não achou qualquer piada foram os eleitores suecos quando o seu primeiro-ministro Ulf Kristersson revelou à comunicação social que utiliza o ChatGPT para procurar uma “segunda opinião” sobre como governar o país. Também disse que os colegas no governo também o fazem, mas não faltou quem argumentasse que os eleitores não votaram na plataforma de IA.A utilização de IA na política para fins menos nobres não é novidade, com imagens e vídeos falsos a gerarem desinformação. Mas a voz também é um instrumento poderoso para burlas. Em fevereiro, o ministro da Defesa de Itália, Guido Crosetto, revelou que a sua voz foi modelada por IA e usada por criminosos para contactarem algumas das figuras mais ricas do país. O falso Crosetto contava estar numa emergência para resgatar jornalistas italianos sequestrados no Médio Oriente e que o dinheiro seria mais tarde restituído. O empresário Massimo Moratti, por exemplo, empenhou 950 mil euros na fraude, valor que acabou por ser apreendido numa conta neerlandesa. Em julho, os alarmes soaram em Washington. O Departamento de Estado alertou os seus diplomatas dos EUA após ter descoberto alguém a usar a voz de Marco Rubio com tecnologia de IA e que entrara em contacto com pelo menos três ministros, um senador dos EUA e um governador.