Sabe-se que os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos têm pouco em comum na forma. E quanto ao conteúdo? Ao longo de dez temas ficam à vista as diferenças entre o republicano e a democrata. Outra forma de se ficar a conhecer o programa e a sua aceitação é uma sondagem da YouGov que testou mais de cem propostas de ambos sem que os inquiridos soubessem de quem eram. Em conjunto, as medidas de Kamala Harris são mais populares do que as de Donald Trump: apenas quatro da democrata receberam menos de metade de aprovação contra 30 medidas impopulares de Trump. As ideias que recolheram mais apoio são o financiamento de tecnologia para detetar fentanilo e outras drogas nas fronteiras (90%, Harris); aumentar o financiamento dos serviços de cuidados ao domicílio para idosos e deficientes, investigar as empresas farmacêuticas que impedem a concorrência, exigir um controlo dos registos criminais e mentais para todas as compras de armas e aumentar os medicamentos cobertos pelo seguro de saúde Medicare (todas com 86% e todas de Harris); fim dos impostos sobre os rendimentos provenientes da segurança social e financiar a investigação sobre o aumento das doenças crónicas pediátricas (ambas com 85% e de Trump). No polo oposto, a desregulação das criptomoedas (24%), baixar os padrões de eficiência energética da indústria (27%), acabar com o Departamento da Educação (28%) e retirar o apoio federal à pílula abortiva (28%), todas de Trump..Ambiente e alterações climáticas.Donald Trump Enquanto presidente retirou os EUA do Acordo de Paris sobre o clima e revogou 125 regulamentações e programas destinados a proteger o ambiente e a reduzir as emissões que provocam o aquecimento do planeta. Se for reeleito irá de novo rasgar o acordo climático, ao qual Joe Biden voltou em 2021. Defende a exploração dos combustíveis fósseis sem limites e quer acabar com os incentivos às energias renováveis - no passado alegou que as turbinas eólicas causam cancro - e aos veículos elétricos. No entanto, modulou o discurso desde que Elon Musk, beneficiário indireto dos “milhares de milhões de subsídios de dólares dos contribuintes” com a sua empresa automóvel, se tornou no seu mais poderoso e influente apoiante. Kamala Harris A democrata diz que as alterações climáticas são uma ameaça existencial e apoia o plano da presidência cessante de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa a metade até 2030 com base nos níveis de 2005. No entanto, mudou de posição quanto ao fracking, método controverso de extração de petróleo e gás - defendia a proibição - e não esclareceu se mantém o seu apoio ao Green New Deal, uma resolução não vinculativa que apela para o país atingir 100% de energia limpa numa década. .Economia.Trump aproveitou para capitalizar as polémicas declarações de Biden (mais tarde retificadas), nas quais o presidente disse que os apoiantes do republicano são lixo, e vestiu uma farda de lixeiro. EPA/JEFFERY PHELPS.Kamala Harris A presidência Biden-Harris manteve e agravou a política de taxas aduaneiras a produtos chineses, um custo que é suportado pelos consumidores e empresas norte-americanas (221 mil milhões de dólares desde 2017) para desincentivar o seu consumo. Em setembro, uma revisão à política de tarifas para compensar o que Washington acusa de práticas comerciais injustas levou a que os veículos elétricos chineses sejam tarifados em 100% (na UE a taxa mais elevada é de 45%), os semicondutores em 50% e as células fotovoltaicas em 50%, por exemplo. Na política fiscal, Harris quer seguir o atual rumo e aumentar os impostos sobre as empresas e pessoas com rendimentos mais elevados de 21% para 28%. Propôs alargar as deduções fiscais para as pequenas empresas e prometeu não aumentar os impostos sobre as pessoas que auferem menos de 400 mil dólares anuais. Para controlar a inflação, que atingiu 9,1% em 2022 devido à pandemia e às consequências nas cadeias de abastecimento, a democrata propõe dar poderes à agência federal do comércio para investigar e punir a prática de manipulação de preços. Donald Trump Promete aumentar o nível da guerra comercial com a China ao querer impor uma taxa geral de 60% para todos os produtos. Como incentivo à produção nacional e no espírito America First prometeu baixar a taxa do imposto para 15% às empresas que fabricam os seus produtos nos EUA. Em 2017 havia reduzido a taxa máxima de imposto sobre as pessoas singulares de 39,6% para 37% e a taxa máxima de imposto sobre as pessoas coletivas de 35% para 21%. Não apresentou medidas para reduzir a inflação, mas atacou a política de juros da Reserva Federal e indicou que quer ter uma palavra nas decisões do banco central..Direito ao aborto.Donald Trump Na Casa Branca abriu caminho à reversão do direito federal ao aborto ao nomear três juízes ultraconservadores e vangloriou-se de ser o responsável por derrubar Roe v. Wade. As suas opiniões sobre o tema têm mudado, mas agora reclama ser o “presidente mais pró-vida” da história. Defende que o tema deve ser tratado ao nível estadual. Kamala Harris Tem feito do tema bandeira. Quer adaptar o caso que fez jurisprudência em 1973 a uma lei federal nem que para tal se anulasse a figura do filibuster, o entrave processual que exige 60 votos no Senado. .Educação.Donald Trump Quer acabar com o equivalente ao Ministério da Educação e, no lugar das escolas públicas, quer enviar as crianças para privadas pagas pelo governo federal, ou aprenderem em casa. Quer acabar com o que diz ser a “educação woke”, eliminando das escolas, por exemplo, a teoria crítica da raça, que examina a forma como as políticas perpetuam o racismo. Está contra o perdão das dívidas dos empréstimos para a educação - a dívida média dos empréstimos federais a estudantes é de 37 853 dólares per capita. Kamala Harris Critica a ideia de acabar com o Departamento de Educação e aposta no aumento de financiamento das escolas públicas. Rejeita a chamada liberdade de escolha dos pais em optarem por escolas privadas ou em casa, financiados pelo governo federal. Opõe-se, por outro lado, a legislação que limite os alunos de aprenderem sobre raça, género e história. Defende o plano de Biden de perdoar as dívidas dos empréstimos de educação a milhões. .Imigração.Os republicanos fazem do controlo da fronteira com o México um dos temas principais. EPA/DAVID MUSE.Kamala Harris Enquanto candidata nas primárias de 2020 prometia limitar as deportações e criar um programa para a obtenção da cidadania para os imigrantes sem documentos. Agora a sua posição endureceu e faz do projeto-lei bipartidário (rejeitado no Senado por indicação de Trump) o modelo a seguir. A legislação previa a contratação de milhares de guardas fronteiriços e funcionários dedicados aos pedidos de asilo, e concedia poderes ao presidente para fechar a fronteira se houvesse uma média superior a cinco mil migrantes por dia numa semana. Donald Trump Os imigrantes são “animais” e “envenenam o sangue” dos EUA, segundo o republicano. Se eleito promete pôr em marcha o maior programa de deportação de imigrantes sem documentação, entre 15 e 20 milhões de pessoas, fazendo uso, se necessário, de militares. Além disso quer reintroduzir e alargar a proibição da entrada no país de cidadãos de países muçulmanos, e impedir a imigração legal a pessoas de baixos rendimentos..Justiça.Donald Trump É favorável à pena de morte para traficantes de droga e traficantes de pessoas. Além disso, defende o encurtamento do processo legal, tendo como exemplo a justiça chinesa. Numa mudança de posição, tomada em setembro, apoia agora referendos estaduais sobre descriminalização da canábis e a investigação sobre usos medicinais da marijuana. Kamala Harris A ex-procuradora-geral da Califórnia é contra a pena capital. Apesar de ter apresentado um programa de reforma da justiça penal enquanto candidata às primárias para a eleição de 2020, desta vez o tema não fez parte da sua agenda. Na altura propunha a legalização da canábis, o fim do pagamento de fianças em numerário, acabar com prisões privadas e com o confinamento solitário..Minorias.Kamala Harris Há muito que defende publicamente os direitos LGBT. Comprometeu-se a criar um gabinete na Casa Branca dedicado a estes assuntos bem como a nomear pessoas transgénero para a sua administração. Donald Trump É signatário de uma declaração que estipula que o “sexo é binário” e deseja que o Congresso reconheça o mesmo. Promete reverter todas as políticas de apoio aos transgénero, dos cuidados de saúde à participação no desporto feminino..No Wisconsin Harris disse que irá procurar um "denominador comum" com quem dela discorda. LUSA/NUNO VEIGA.Política externa.Donald Trump É uma dor de cabeça em simultâneo para aliados e adversários. Há uma exceção: Vladimir Putin, o líder russo que parece ter influência sobre o nova-iorquino. Diz que quer acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas e está contra o fornecimento de mais ajuda ao país invadido. De Israel afirma ser o maior defensor e é cético quanto à solução dos dois Estados. Sobre Taiwan, diz apenas não acreditar que Xi Jinping invada a ilha. Kamala Harris Declarou-se adepta das alianças dos EUA e criticou a tentação do isolacionismo. Tem a mesma posição de Biden em relação ao apoio à Ucrânia e é contra a ideia de Kiev ceder território. No que respeita ao Médio Oriente, apoia a criação do Estado da Palestina e a manutenção do apoio a Israel, embora tenha criticado “a escala do sofrimento humano” dos habitantes de Gaza. Como vice-presidente defendeu o aprofundamento das relações com Taiwan e apoia a sua autodefesa. .Saúde.Kamala Harris Uma das suas prioridades é a redução da mortalidade das mães (a maior entre os países desenvolvidos) e que afeta em especial a população negra. Quer fortalecer e expandir o acesso aos seguros de saúde através do Affordable Care Act, popularizado como Obamacare, e quer mais medicamentos a preços negociados com as farmacêuticas. Donald Trump Na presidência tentou derrubar o Obamacare (e diz que vai tentar fazê-lo de novo, sem no entanto ter uma alternativa) e fechou o gabinete de prevenção de pandemias criado por Barack Obama (e indicou que “provavelmente” irá fazê-lo de novo ao gabinete refeito por Biden). .Valores democráticos.Donald Trump Ao longo dos anos em que está na política não escondeu a sua admiração por autocratas e ditadores. Nunca aceitou o resultado das eleições em que perdeu o voto popular por sete milhões, mas por margens mínimas em três estados. Acusado pelo procurador especial de ter tentado subverter as eleições, diz que os invasores do Capitólio que tentaram impedir a certificação das eleições foram tratados de forma “muito injusta” e quer emitir um perdão presidencial. Sobre as eleições de dia 5 não se comprometeu em aceitar uma derrota. Kamala Harris Como vice-presidente preside ao Senado, pelo que lhe cabe o papel de presidir o processo de certificação dos votos do colégio eleitoral. Assegurou que zelará por eleições livres e justas e, caso seja derrotada, por uma transferência de poder pacífica. cesar.avo@dn.pt