O Congresso Nacional do Brasil vai a votos para eleger os presidentes da câmara alta, o Senado Federal, e da câmara baixa, a Câmara dos Deputados, dia 1 de fevereiro mas não é preciso recorrer a institutos de sondagens para tentar antecipar quem ganha. David Alcolumbre e Hugo Motta devem ter quase 100% dos votos dos pares senadores e deputados. Entretanto, observadores internacionais perguntam-se como é que num país marcado nos últimos anos por uma divisão profundíssima entre centro-esquerda e extrema-direita, os partidários do presidente Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro se uniram em torno daqueles nomes?Na verdade, passado o turbilhão emocional dos sufrágios presidenciais, a força eleitoral de Lula, de Bolsonaro ou de outros fenómenos campeões de votos para funções executivas extingue-se parcial (ou totalmente) no poder legislativo, onde quem manda é o Centrão, as cerca de duas centenas de congressistas, quase exclusivamente interessados em verbas e cargos. O apoio do Centrão mantém os presidentes firmes; já a oposição do grupo aos governos pode fazê-los cair.“No Brasil, existe sempre uma dependência do presidente e do partido dele em relação a esses líderes do chamado Centrão, o grupo de partidos que, embora não tenham candidatos presidenciais próprios com expressão eleitoral, são fundamentais para garantir o apoio do legislativo ao governo”, regista Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em declarações ao DN.“Na verdade, há apenas um pequeno número de partidos no país com capacidade para chegar à presidência, antes eram o PT, de Lula, de Dilma Rousseff, de Fernando Haddad, e o PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, de José Serra, de Geraldo Alckmin, de Aécio Neves, e agora é o mesmo PT e o partido onde estiver o Bolsonaro ou outra liderança anti-PT”, continua a académica. “Porém, como o Congresso é muito fragmentado, uma vez chegado à presidência, o partido do presidente vai precisar de articular uma rede de apoio que inclui partidos que não têm exatamente um projeto com vocação nacional mas sim projetos locais, são partidos que, no fundo, têm como principal motivação levar recursos para essas bases locais”, lembra Mayra. “Nessas bases locais, o predomínio dessas lideranças municipais ou estaduais é muito longevo, o que as torna essenciais para a construção de qualquer projeto político nacional, porque, no plano eleitoral, é necessária a mediação dessas lideranças locais entre os candidatos nacionais e os moradores dessas regiões e, no plano governamental, é necessário para o presidente o apoio dessas lideranças e dos seus correligionários no Congresso”.Por isso, os presidentes da Câmara e do Senado vêm sendo, invariavelmente, figuras desse Centrão, como agora Motta e Alcolumbre, e não barões do PT e do PSDB, antes, ou do PT e do PL, a força política que abriga Bolsonaro, agora.Um episódio de outro 1 de fevereiro, o de 2015, ilustra o que pode acontecer quando esta correlação tácita de forças é agitada. Na ocasião, o deputado Eduardo Cunha, um dos expoentes e idealizadores do Centrão, candidatou-se, em nome desse grupo de partidos, à liderança da Câmara.Entretanto, como Dilma Rousseff, a presidente à época, considerava Cunha, do mesmo partido, o MDB, do seu vice-presidente, Michel Temer, um adversário perigoso, decidiu lançar a votos Arlindo Chinaglia, militante do PT, como ela. Contados os boletins após votação secreta, Cunha goleou Chinaglia por 267 a 136. E, no ano seguinte, lideraria o impeachment que levou à queda da presidente.Mais político do que a companheira de partido, Lula nem sequer cogitou lançar um concorrente a Hugo Motta, o futuro líder da Câmara - oficialmente, o atual presidente diz mesmo que não se intromete nas disputas pelos comandos das casas.E assim, Motta, jovem parlamentar de 35 anos, militante do Republicanos, partido ligado à IURD que abriga tanto Tarcísio de Freitas, governador bolsonarista de São Paulo, como Sílvio Costa Filho, ministro lulista dos Portos e Aeroportos, soma o apoio de nada menos do que 18 partidos, do PT, de Lula, ao PL, de Bolsonaro. A única competição que sofreu foi interna: de Elmar Nascimento, do União Brasil, outro expoente do Centrão, que desistiu a seu favor.O deputado sucede a Arthur Lira, presidente eleito em 2021 e reeleito em 2023, que apoiou o governo Bolsonaro e agora apoia o de Lula, sempre mediante condições relacionadas às tais verbas e cargos que movem o Centrão.No Senado, David Alcolumbre vai voltar ao cargo que exerceu de 2021 a 2023, após biénio de Rodrigo Pacheco, também com apoio da quase totalidade dos pares senadores. Alcolumbre, 47 anos, é do União Brasil, partido herdeiro do Arena, sustentáculo da ditadura militar, mas com direito a três ministérios no governo Lula.O futuro líder do Senado já prometeu colocar o PL, de Bolsonaro, na primeira vice-presidência da casa, e o PT, de Lula, na segunda, noutra prova, se necessário fosse, de que, por pragmatismo parlamentar, a divisão feroz entre extrema-direita e centro-esquerda no Brasil é só da porta do Congresso para fora.