Uma comissão de investigação da ONU determinou que Israel tem uma “intenção clara e consistente” de exercer “controlo permanente” sobre a Faixa de Gaza e possivelmente anexar todo o território palestiniano, segundo um relatório divulgado esta terça-feira, 23 de setembro.Isso, após deslocar à força a população palestiniana tanto da Faixa de Gaza como da Cisjordânia, onde continua a expandir os seus colonatos em território ocupado, todos ilegais à luz do Direito Internacional.No relatório, a comissão de investigação sobre a Palestina sublinhou que não conseguiu encontrar “qualquer argumento razoável” que justifique a definição pelo Exército israelita de corredores como o de Filadélfia e o de Morag e de uma zona tampão alargada em Gaza — que constitui 75% do território do enclave palestiniano.A redução do território palestiniano na Faixa de Gaza, em consequência da criação dessas zonas de segurança, afirmou a comissão, tem “implicações significativas” para a capacidade da população de “exercer o seu direito à autodeterminação”.Do mesmo modo, salientou que “a vasta destruição e fragmentação do território” de Gaza, bem como a destruição de recursos naturais e infraestruturas essenciais devido aos “ataques sistemáticos” ao enclave, impediram os habitantes de regressar às suas casas, o que abriu caminho para que numerosos responsáveis israelitas argumentassem que a população palestiniana tem de ser deportada para países terceiros.Por outro lado, a comissão indicou que as políticas aplicadas por Israel desde o ataque de 07 de outubro de 2023 do movimento islamita palestiniano Hamas a território israelita, que desencadeou, horas depois, a retaliação de Israel – ainda em curso -, demonstram uma “clara intenção de deslocar à força os palestinianos” da Cisjordânia, expandir a sua presença e “anexar a totalidade” do território palestiniano para impedir “qualquer possível autodeterminação e criação de um Estado palestiniano”.As recentes operações militares de Israel nos campos de refugiados de Jenin, Tulkarem e Nur Shams “alteraram significativamente a paisagem geográfica através da destruição de edifícios e infraestruturas”, denunciou.A comissão das Nações Unidas também classificou como “punição coletiva” a destruição de habitações de alegados terroristas em diversos pontos da Cisjordânia.“Estou particularmente consternada com o recente anúncio do ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, de anexar 82% da Cisjordânia ocupada, e com a aprovação de um plano que consolida a expansão dos colonatos E1”, declarou a presidente da comissão, Navi Pillay.Segundo a responsável, tais políticas “corroboram as conclusões do relatório”.“A invasão israelita da totalidade da Cisjordânia e a expropriação e realocação de múltiplas comunidades palestinianas são agora objetivos explícitos, dos quais os responsáveis israelitas se orgulham. Tais planos e declarações são abomináveis e devem ser amplamente condenados”, sustentou.A comissão também apontou que há “semelhanças entre as operações israelitas na Cisjordânia e as operações na Faixa de Gaza”, o que “levanta a preocupação de que Israel esteja a atacar o povo palestiniano no seu conjunto”.“A comissão conclui que as autoridades israelitas infligiram deliberadamente condições de vida aos palestinianos de Gaza com o objetivo de destruir, total ou parcialmente, os palestinianos de Gaza, o que constitui um ato subjacente de genocídio”, vincou.A guerra declarada em Gaza para “erradicar” o Hamas - depois de o seu ataque a Israel fazer cerca de 1.200 mortos e 251 reféns - fez, até agora, pelo menos 65.382 mortos, na maioria civis, e 166.985 feridos, além de milhares de desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros e também espalhados pelas ruas, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, segundo números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.Prosseguem também diariamente as mortes por fome, causadas por mais de dois meses de bloqueio de ajuda humanitária e pela posterior entrada a conta-gotas de alguns mantimentos, distribuídos em pontos considerados “seguros” pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis famintos, tendo até agora matado 2.526 e ferido pelo menos 18.511.Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica” e “o mais elevado número de vítimas alguma vez registado” pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo, mas a 22 de agosto emitiu uma declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU acusara Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), e uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais e israelitas de defesa dos direitos humanos..Guterres diz que viabilidade da solução de dois Estados deteriora-se perigosamenteO secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou esta terça-feira, perante o Conselho de Segurança, que a possibilidade de dois Estados no Médio Oriente - um israelita e um palestiniano - está a "deteriorar-se perigosamente"."A viabilidade da solução de dois Estados está a deteriorar-se perigosamente, atingindo agora o seu nível mais crítico em mais de uma geração", disse Guterres numa reunião do Conselho sobre a situação no Médio Oriente, que coincidiu com o primeiro dia do debate de alto nível da ONU.Mesmo assim, Guterres voltou a pedir esta terça-feira uma Palestina "independente, soberana, democrática e viável", coexistindo com Israel, assim como um aumento da segurança baseado nas fronteiras anteriores a 1967.O antigo primeiro-ministro português defendeu que "o dia seguinte" ao conflito seja regido pelo direito internacional e rejeite qualquer fórmula que enfraqueça esse objetivo.Ainda de acordo com o secretário-geral, a “expansão implacável" dos colonatos de Israel e as anexações, assim como o deslocamento forçado e "ciclos de violência mortal", resultaram num padrão "horrível" de ocupação.Além de tudo isso, a Autoridade Palestiniana enfrenta pressões fiscais, políticas e institucionais que prejudicam a sua capacidade de funcionar, acrescentou."A colonização deve cessar. O Tribunal Internacional de Justiça deve intervir, inclusive no caso de Israel, para ordenar a cessação imediata das atividades de colonização", acrescentou.Também enfatizou que o conflito israelo-palestiniano está a passar por um dos "episódios mais sombrios da história".No sábado, o Governo do Hamas na Faixa de Gaza estimou que cerca de 900.000 pessoas permanecem na capital e que outras 270.000 deixaram a cidade, um número que entra em conflito direto com a estimativa do Exército israelita de que conseguiu deslocar 480.000 pessoas.Além de Guterres, ministros das Relações Exteriores como Cho Hyun, da Coreia do Sul, falaram na reunião desta terça-feira do Conselho de Segurança, denunciando a operação terrestre lançada por Israel para tomar o controlo da Cidade de Gaza.Toda essa situação, argumentou, eleva o risco de agravar ainda mais "uma crise humanitária já catastrófica".Hyun afirmou que o seu país está comprometido com o reconhecimento do Estado palestiniano no momento "apropriado" para a consolidação dos dois Estados.Nos últimos dias, países como Portugal, França, Bélgica, Reino Unido e Canadá reconheceram o Estado palestiniano, elevando para 157 o número de nações que já reconhecem este Estado árabe.