Enquanto lançou uma guerra comercial contra (quase) todos os países e procurou restabelecer as relações com a Rússia em simultâneo com uma tentativa - frustrada - de alcançar um cessar-fogo na guerra na Ucrânia, o presidente dos Estados Unidos avançou com o dossiê iraniano. Na segunda-feira, Donald Trump anunciou conversações diretas ao mais alto nível entre Washington e Teerão. Desmentido pelo ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Abbas Araghchi, na terça, a porta-voz da Casa Branca reiterou as palavras do presidente. Seja de que forma for, é um avanço histórico nas relações entre os dois países, apesar do ceticismo que transparece do lado iraniano.Desde o regresso à Casa Branca que Trump procura uma mudança no xadrez do Médio Oriente para lá do apoio incondicional a Israel em Gaza. Desta vez o retomar da política de máxima pressão que marcou o seu primeiro mandato, Trump acrescentou a via do diálogo. Há pouco mais de um mês, Trump endereçou uma carta ao guia supremo do Irão, Ali Khamenei, tendo de seguida revelado o teor da mesma numa entrevista televisiva. “Escrevi-lhes uma carta a dizer: ‘Espero que negoceiem, porque se tivermos de avançar militarmente, será uma coisa terrível.” Em declarações posteriores disse que, a menos que Teerão concorde em abandonar o programa nuclear e em cessar o apoio às milícias a operar por procuração no Médio Oriente, “haverá bombardeamentos”. Pela parte da teocracia, a ideia de conversações diretas foi sempre rejeitada, mas enveredar em conversações mediadas é uma “oferta generosa, responsável e sensata politicamente”, como disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Durante o mandato da administração Biden, o Omã funcionou como mediador entre os dois países que não têm relações diplomáticas desde 1980, meses depois da chegada ao poder de Khomeini e da sua revolução islâmica.“O Irão está pronto para se envolver seriamente e com vista a fechar um acordo. Encontrar-nos-emos em Omã no sábado para negociações indiretas”, escreveu no The Washington Post o chefe da diplomacia de Teerão. “Trata-se tanto de uma oportunidade como de um teste. O modelo de compromisso que propomos não é novo. Os próprios Estados Unidos estão a intermediar conversações indiretas entre a Rússia e a Ucrânia - um conflito muito mais intenso e complexo que envolve aspectos estratégicos, territoriais, militares, de segurança e económicos.” E porquê esse modelo? “A prossecução de negociações indiretas não é uma tática ou um reflexo de uma ideologia, mas uma escolha estratégica baseada na experiência. Enfrentamos um importante muro de desconfiança e temos sérias dúvidas quanto à sinceridade das intenções, agravadas pela insistência dos EUA em retomar a política de ‘pressão máxima’ antes de qualquer interação diplomática.” .“O Irão prefere a diplomacia, mas sabe defender-se. Nunca cedemos a ameaças no passado, e não o faremos nem agora nem no futuro. Procuramos a paz, mas nunca aceitaremos a submissão”Abbas Araghchi. Ou seja, a desconfiança é grande - e mútua. Ainda em janeiro, um afegão com residência no Irão foi acusado de congeminar uma tentativa de assassínio de Donald Trump. Do lado iraniano, não está esquecida a operação que matou o general Soleimani, chefe da unidade especial dos Guardas da Revolução, no Iraque, durante a presidência de Trump. Foi também nesse mandato que os Estados Unidos abandonaram o acordo nuclear assinado em 2015 entre o Irão e as grandes potências. Teerão insiste que o seu programa nuclear é pacífico. Este consegue agora enriquecer urânio a níveis de 60%, próximos do nível de armamento, o que faz do país o único sem um programa de armas nucleares com essa capacidade. Segundo as agências de informações dos EUA, o Irão “iniciou atividades que o colocam em melhor posição para produzir um dispositivo nuclear, se assim o desejar”.Segundo os meios de comunicação iranianos, a delegação daquele país será chefiado por Araghchi, enquanto do lado dos EUA estará o enviado especial para o Médio Oriente (e que também acumula as negociações com a Rússia) Steve Witkoff. À Reuters, altos funcionários de Teerão mostraram-se céticos. “A nossa defesa é inegociável. Como é que Teerão pode desarmar quando Israel tem ogivas nucleares? Quem nos protege se Israel ou outros atacarem?”, disse uma das fontes. Junto de Trump, o israelita Benjamin Netanyahu - cuja verdadeira motivação para ir à Casa Branca pela segunda vez em dois meses terá sido este tema e não o das taxas alfandegárias, segundo noticiou o Canal 12 israelita - disse apoiar um acordo EUA-Irão, tendo invocado o realizado pela Líbia em 2003, quando Khadafi abdicou do programa de armas de destruição maciça.