Cohen, a imprevisível testemunha-chave contra Trump
O livro de memórias que escreveu em 2020 intitula-se Disloyal (desleal) e, no prefácio, admitiu que algumas pessoas o consideram “o narrador menos confiável do planeta”. Mas o advogado que dizia que, por Donald Trump, levaria um tiro - antes de se tornar num dos seus maiores inimigos - é a testemunha-chave do julgamento do ex-presidente norte-americano. Michael Cohen, de 57 anos, poderá ser chamado a testemunhar já esta segunda-feira.
Trump está a ser julgado em Manhattan por 34 alegados crimes de falsificação de registos empresariais, numa tentativa de esconder o pagamento de 130 mil dólares, durante a campanha de 2016, que serviu para comprar o silêncio de uma estrela pornográfica com quem teria tido um caso. Stormy Daniels foi a estrela da terceira semana do julgamento, relatando a noite em que terá tido relações sexuais com o milionário que conheceu num torneio de golfe - ele nega tudo.
Mas o testemunho de Cohen - que fez o pagamento inicial e depois foi reembolsado - deverá marcar a quarta semana do processo. Espera-se que seja o primeiro a envolver explicitamente Trump no plano para disfarçar o pagamento a Daniels como custas legais, de forma a evitar que surgissem como despesas de campanha.
A dúvida é se os 12 jurados, que terão de decidir se o ex-presidente é culpado, vão considerar Cohen credível. O antigo advogado - já não pode exercer a profissão - cumpriu pena numa prisão federal por fraude no financiamento de campanha (relacionado com o pagamento a Daniels) e evasão fiscal. Crimes que admitiu como parte de um acordo em que denunciou o ex-presidente. Mas também foi considerado culpado de mentir ao Congresso - entre outras coisas disse que Trump era um “racista” - e a instituições financeiras, tendo admitido que, mesmo quando reconheceu esses crimes, não foi totalmente verdadeiro.
Cohen conheceu Trump depois de 2000, acabando por se tornar no seu “fixer” - alguém que faz as coisas acontecer para outra pessoa, por vezes até de forma desonesta. Era alguém que ameaçava processar quem podia ser uma ameaça para o milionário, que perseguia os jornalistas, que tentava neutralizar os problemas que surgissem - ganhando até a alcunha de “pit bull”. Era alguém “cegamente leal” a Trump, como admitiu quando foi condenado em 2018.
Nessa altura, o então presidente já tinha cortado relações com ele - depois de o FBI fazer uma busca à casa de Cohen atrás de provas de conluio da campanha de Trump com a Rússia. O advogado acabaria por se tornar um dos mais ativos críticos do republicano - seja em livros, no podcast Mea Culpa, nas várias entrevistas que dá ou enquanto testemunha em processos civis contra Trump. Já durante o julgamento, e depois de ter dito que, por respeito aos procuradores, não iria falar do caso, surgiu num vídeo em direto nas redes sociais com uma T-shirt que mostrava o ex-presidente atrás das grades.
Na declaração inicial do julgamento, o advogado de Trump, Todd Blanche, falou da “obsessão” de Cohen com o antigo líder dos EUA - alegando que este é “mentiroso” e que ficou chateado por não ter tido um cargo na Administração e está agora fixado em evitar que ele regresse à Casa Branca.
Já o procurador Matthew Colangelo disse que era alguém que tinha cometido “erros”, mas deixou claro que tudo o que irá dizer se pode comprovar também por documentos - e ao longo do julgamento os jurados têm tido acesso a mensagens de telemóvel e e-mails. A acusação acredita que terminará a sua parte do julgamento ainda esta semana, cabendo depois à defesa assumir o controlo do processo - e a dúvida é saber se Trump irá ou não testemunhar.
susana.f.salvador@dn.pt