O clima de guerra civil que o Rio de Janeiro viveu entre terça, 28, e quarta-feira, 29, na megaoperação da polícia que resultou em 121 mortos e se tornou a mais letal da história do Brasil, migrou, salvas as proporções, para a política. À esquerda, deputados pedem até a prisão de Cláudio Castro (PL), o governador bolsonarista do estado que classificou a operação como “um sucesso só com quatro vítimas”, referindo-se apenas aos polícias falecidos. À direita, os pré-candidatos às presidenciais de 2026 já usam o medo da população do crime organizado como trampolim eleitoral. “O que está em jogo é o próprio sentido de soberania”, escreveu nas redes sociais Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo mas natural do Rio de Janeiro e ainda o mais provável adversário de Lula da Silva (PT) na presidencial do próximo ano. “O que estamos vendo no Rio expõe a dimensão que há décadas só se agrava (...) a atuação do crime organizado é, hoje, o principal risco ao Brasil, a minha pergunta é: que país queremos deixar para os nossos filhos e netos?”, completou numa intervenção vista como uma tentativa de se “nacionalizar”.Tarcísio, ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), é apenas um dos governadores estaduais apontados como presidenciáveis tendo em conta a inelegibilidade e a condenação à prisão do ex-presidente. Outros, como Ronaldo Caiado (União Brasil, Goiás), Romeu Zema (Novo, Minas Gerais) ou Ratinho Júnior (PSD, Paraná), já se reuniram com o homólogo do Rio para manifestar “apoio” e oferecer “ajuda”. Segundo sondagem do instituto Ipsos, divulgada uma semana antes da megaoperação contra o Comando Vermelho, o crime/violência, com 40%, é a principal preocupação dos brasileiros, um ponto à frente da corrupção financeira/política e sete acima da pobreza/desigualdade social e da saúde. Em março, 70% consideraram o problema de “âmbito nacional e não regional”, em pesquisa da Genial/Quaest. À esquerda, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados solicitou à Procuradoria-Geral da República a investigação criminal e a possibilidade de prisão preventiva de Cláudio Castro.Segundo o documento, a operação policial apresenta “fortes indícios de ter extrapolado parâmetros legais, de proporcionalidade e de respeito aos direitos humanos”. “O risco de reiteração de novas chacinas exige resposta imediata“, afirmou Reimont Santa Bárbara, do PT, presidente de uma comissão composta por parlamentares do partido do Lula ou mais à esquerda.No mesmo tom, Lindbergh Farias, líder parlamentar do PT na Câmara, pediu ao juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para apurar “crimes de homicídio doloso, corrupção passiva, prevaricação, abuso de autoridade, improbidade administrativa e crime de responsabilidade” contra o governador do Rio. “Se necessário, solicita-se a adoção de medida cautelar de afastamento a fim de assegurar a integridade das investigações”, acrescenta.Para o político, Castro supera a “fronteira do absurdo” porque não apoiou a recente Operação Carbono Oculto, da polícia federal, que resultou na interdição de uma refinaria no estado do Rio de Janeiro que servia como ponto de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital, maior organização criminosa do país. E usa a operação “como palco político e eleitoral”.Castro vai explicar-se a Moraes, que pediu 18 esclarecimentos, na segunda-feira, 3. Na cerimónia de posse como ministro da Secretaria-Geral da Presidência, o ex-candidato presidencial Guilherme Boulos (PSOL) pediu “um minuto de silêncio pelas vítimas, polícias, moradores, todos eles” e apontou “a Faria Lima [equivalente no Brasil à Wall Street americana] como a cabeça do crime organizado e não os barracos das favelas”. Horas antes, o próprio Lula, citado por Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e da Segurança Pública, tinha se manifestado “estarrecido” com o número de mortes e “surpreendido” por uma ação deste porte ocorrer sem o conhecimento do Palácio do Planalto.Numa tentativa de pacificação do ambiente político, Lewandowski e Castro anunciaram horas depois a criação do Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado, na sede do governo do Rio. Em paralelo, será instalada na terça-feira, 4, uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado sobre crime organizado. “Queremos discutir o problema seriamente e não criar palco para disputas políticas, o que é altamente prejudicial para os brasileiros, temos de sair do palanque, a campanha ainda não começou”, prometeu o relator da CPI, o senador Alessandro Vieira, do MDB, de centro-direita..Urso, o alvo da megaoperação no Rio que pode ter matado 119 pessoas, continua foragido