O mundo está focado na solução de dois Estados em relação a Israel e à Palestina, mas também em Chipre há um debate sobre uma solução de dois estados ou uma solução federal. Mais de 50 anos após a divisão da ilha, com a República de Chipre a sul e a República Turca de Chipre do Norte, só reconhecida pela Turquia, vê uma solução para o problema em breve? Vamos pôr as coisas desta forma. Nunca vou deixar de lutar por uma solução. Para mim, uma solução de dois estados não é a melhor, mesmo que seja provavelmente a mais pragmática neste momento, porque temos 50 anos de divisão, 50 anos a viver separados. O sistema educativo em qualquer comunidade sempre demonizou o outro. Não ensinam grego no lado turco ou turco no lado grego, por exemplo. Mas Chipre é uma ilha pequena. Por que é que não conseguimos encontrar uma forma de viver juntos? Se tivermos uma solução de dois estados, é o dobro dos serviços públicos, é uma dupla defesa... Se estivermos juntos é mais simples, mais pragmático, podemos lidar, por exemplo, com as alterações climáticas juntos. Elas não veem linhas verdes nem divisão. Nunca vou desistir da esperança de lutar por uma federação bizonal e bicomunitária. A 19 de outubro haverá eleições presidenciais no norte. Acredita que algo pode mudar ou o problema não é só do lado turco, mas de ambos os lados? A culpa não pode ser imputada a nenhum dos lados. Penso que a Turquia tem uma influência muito grande e precisamos de nos lembrar disso. Na verdade, não são os turcos cipriotas que estão a negociar com o lado cipriota grego. A Turquia está a desempenhar um grande papel nos bastidores e mesmo que as pessoas falem sobre a Grécia ser a pátria dos cipriotas gregos, Atenas não exerce a mesma influência sobre os cipriotas gregos ou a República de Chipre. Nas eleições o rosto vai mudar porque Tufan [Erhürman, candidato da oposição e favorito nas sondagens face ao presidente Ersin Tatar] é um ser humano mais recetivo, mais pacífico e mais comunitário. Mas depende de quão forte ele é em relação à Turquia.É o principal ator neste cenário…Sim. Mas do lado grego, do lado da República de Chipre, nunca tivemos líderes com uma verdadeira intenção política de unificação, caso contrário isso teria acontecido em 2017 em Crans-Montana. Eles concordaram em quase tudo, e depois, cinco minutos antes de assinarem, o líder da comunidade cipriota grega deixou as negociações. Nunca foi realmente explicado porquê. Foi uma última oportunidade. E por causa do que aconteceu em Crans-Montana em 2017, com toda a antecipação e todo o otimismo de que chegaríamos lá, e de repente tudo ter desmoronado… Isso trouxe muito desespero à sociedade civil.Falando dessa sociedade civil, existe um diálogo entre as sociedades civis dos dois lados? Há muitas atividades a decorrer cruzando a Linha Verde. Na verdade, há muito mais do que sabemos, porque acho que o que muitas pessoas estão a fazer é atividades que não estão diretamente relacionadas com a questão da paz. Quando as pessoas pensam em paz tendem a pensar em construção de paz ou negociações de paz. E esquecemo-nos que a paz é algo que fazemos todos os dias em tudo o que fazemos. Portanto, muitas atividades acontecem entre jovens, startups de alterações climáticas, atletismo... As coisas estão a acontecer, mas o problema é que muito disto está centralizado na área de Nicósia. E precisamos de alargar isto se queremos ter alguma esperança. Precisamos de levar isto para as zonas rurais. Precisamos de ir a Paphos no lado cipriota grego e a Karpaseia no lado cipriota turco. As mulheres são ouvidas?Claro que não estamos a ser ouvidas, mas continuamos a tentar. Uma das minhas maiores honras foi que, em 2020, no 20.º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas [sobre mulheres, paz e segurança], António Guterres teve uma mesa redonda virtual com quatro países e eu fui escolhida para representar a Hands Across the Divide [de mulheres de ambos os lados de Chipre]. A organização foi escolhida porque estavam à procura de vozes de base. Foi a primeira e única vez que uma mulher falou diretamente com um secretário-geral da ONU sobre o processo de paz cipriota e sobre o envolvimento das mulheres. Mas ficou por aí Este ano cumprem-se precisamente os 25 anos dessa resolução. O que mudou? Por que parece ter havido muita conversa, mas pouca ação. Sente que está a haver um retrocesso?Na prática, muito poucas coisas mudaram e, na prática, o que se sente é resistência. A única coisa que mudou foi o desenvolvimento de redes de mediadoras femininas. Começou pela rede nórdica, penso que estávamos em 2016, depois a do Mediterrâneo, a da Commonwealth, a das mulheres do Sudeste Asiático, as latino-americanas, as árabes… Uma das intenções de todas estas redes de mediadoras era, na verdade, em primeiro lugar unir as mulheres e encontrar uma forma de promover e de lhes dar mais visibilidade. Porque o que os homens costumavam dizer era que queriam colocar uma mediadora à mesa, mas não havia mediadoras. Portanto, isso mudou. Mas estamos a fazer muito mais para criar visibilidade. Outro dos momentos de que me orgulho.... Em 2013, eu estava na direção do centro de media comunitário na zona tampão no Chipre. Eles tinham equipamento e davam formação para fotografar e registar atividades que estavam a decorrer em ambas as comunidades. Lançaram uma estação de rádio comunitária e perguntaram por que é que não fazia um programa sobre as mulheres. Pensei: “Que raio, o que pode correr mal?”. E ainda estou a fazer isso. O khaleidHERscope, o seu podcast...Sim, ainda o faço. Acho que na altura disse a mim mesma: “Quem vai querer falar comigo. Eu não sou a Christiane Amanpour [jornalista da CNN].” E não me estou a menosprezar. Mas quem sou eu para que falem comigo? E ninguém me disse que não. Comecei a falar localmente, mas somos uma ilha pequena, quantas mulheres podem existir? Comecei então a viajar para o estrangeiro e falei com muitas mulheres incríveis. Entrevistei a Eve Ensler, que escreveu os Monólogos da Vagina, a Nobel da Paz Jody Williams. E muitas falaram comigo porque mais ninguém lhes perguntou. Há dez anos, se vir a televisão e a rádio, as mulheres não estavam nos painéis, não lhes pediam para falar, e ainda é uma batalha. E no minuto em que começam a falar sobre a sua história, todas têm uma história. E quando começam a falar da sua história, isso dá-lhes confiança. Dizia que é preciso passar das palavras e da construção desta comunidade para a ação e que há resistência... Claro que sim. A resistência já estava a começar e [o presidente dos EUA] Donald Trump tornou-a mais óbvia. Ele tem mulheres no Governo, mas elas não são feministas, a assessora de imprensa parece, não devia dizê-lo, mas um robot que parece só repetir o que lhe mandam dizer. Quando se fala de mulheres construtoras de paz, também tem que se falar da perspetiva de género, porque uma mulher em si não é feminista. Lá porque é biologicamente mulher, não significa que seja feminista. Toda a ideia de incluir as mulheres e a questão do género na construção da paz ou em qualquer tomada de decisão é tornar a tomada de decisão inclusiva, é incluir as vozes de todos ou pelo menos criar um espaço para todos os que querem falar. Não somos todas iguais. Há mulheres de cor, mulheres com deficiência, mulheres migrantes, com diferentes estatutos. Portanto, toda a ideia de incluir as mulheres não é apenas incluir o género feminino. É abrir a porta a todas as vozes que precisam de estar na mesa de qualquer tomada de decisão. Porque quando contribuis para uma decisão, estás investido nela, o que significa que há uma maior probabilidade de ser implementada. Portanto, temos de continuar a pressionar para uma tomada de decisão inclusiva e para a construção da paz. Falou de Trump. De que maneira o corte na ajuda ao desenvolvimento, que não é só dos EUA, também chega à Europa, com a aposta cada vez maior na Defesa, tem um impacto?Não é preciso ir aí. Trump impediu o acesso ao aborto no seu próprio país. Ele impediu o acesso à saúde e aos direitos reprodutivos. Ele cortou o programa de diversidade e inclusão. Não pensei que voltaríamos a falar de supremacia branca. Portanto, para mim, nem vou além disso. Mas na ajuda externa, claro que muitas das pessoas afetadas pelo corte na ajuda ao desenvolvimento são mulheres, porque são elas que estão a trabalhar no local. Mas o outro lado da moeda é que isto também pode ser um momento para repensar a questão dos fundos. Muitas vezes estes foram dados com o financiador a direcionar qual o projeto que poderia avançar. Mas esta também é uma oportunidade para reavaliar e ver o que precisa de ser feito. Porque muitas vezes, mesmo uma pequena ONG olha para o que os financiadores apoiam e tenta acomodar as necessidades a isso. É uma oportunidade para reavaliar o que precisamos mesmo de fazer. Falou de supremacia branca, aproveito para perguntar da sua ligação à África do Sul. Eu nasci lá. Os meus pais foram para lá de Chipre. O meu pai foi antes da Segunda Guerra Mundial. Nasci lá, estudei lá e saí depois da universidade. Tive o privilégio de estudar Relações Internacionais, Direito Internacional e Ciência Política. O advogado que orientou a minha dissertação nos anos 1980, o meu supervisor, era o professor John Dugard, que faz parte da equipa jurídica sul-africana que levou Israel ao Tribunal Internacional de Justiça no caso de genocídio. Então, sempre estive envolvida com o ativismo. Não me tornei uma ativista, era apenas algo que fiz. E às vezes digo para mim mesma: “Não está a funcionar. Não vou continuar”, e depois ouvimos algo... E a máquina começa a funcionar novamente.Com essa experiência na África do Sul, como olha para o retrocesso que está a existir? Não esperava que voltasse. E, na realidade, neste caso, é pior. Porque quando fizemos isto na África do Sul, o mundo inteiro estava contra nós. Fomos sancionados. Fomos expulsos das Nações Unidas. Sobrevivemos durante um bom tempo porque penso que a África do Sul é um dos cinco ou seis países do mundo que é auto-suficiente, mas no final de contas, isso quebrou o sistema. Mas o sistema também quebrou porque tínhamos um Frederik de Klerk e um Nelson Mandela. Porque também é preciso ter as pessoas certas. Por que é que as pessoas não estão a sancionar Israel? Não estão a sancionar Israel porque Israel tem dinheiro em todo o lado para onde se olha. Há o controlo do que se chama fundos de cobertura ou fundos de criptomoeda ou pagaram a cada membro do Congresso dos EUA… E é triste. E a supremacia branca nos EUA. A retórica é exatamente a mesma. Trump está a tentar apagar a palavra “escravatura”... Ele está a fazer coisas que se a África do Sul as fizesse… Eles foram ostracizados e foram sancionados... Não esperava que voltasse. Lembro-me que eu era estudante na altura e vinha para a Europa de férias e tinha um passaporte sul-africano. Aterrámos no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, e o meu passaporte foi-me atirado à cara porque era um passaporte sul-africano.Tem tatuado um ramo de oliveira, um símbolo de paz, no braço. O que significa para si?É a minha casa. É assim que me sinto. A oliveira tem raízes profundas. É resistente. Cresce de qualquer maneira, dá vida e aquelas folhas prateadas. Eu adoro-as. Uma mulher de paz. Todos temos que manter uma bússola moral. Vou contar uma história. Fui visitar uns bons amigos da minha irmã. Foi duas semanas depois de 7 de outubro de 2023 e estávamos a conversar. E o homem foi bastante franco e a certa altura vira-se para mim e diz-me: “Não me interessa se os filhos dos teus amigos palestinianos são mortos, porque, no final do dia, vão tornar-se terroristas.” E eu congelei e disse: “Sabem que mais? Não vou continuar esta conversa, mas estou realmente preocupada pelo facto de não se importar com a morte dos filhos dos outros.” E no dia seguinte, a minha irmã diz-me: “Vamos jantar com eles?” E eu disse que não ia, porque não me ia sentar à mesa com alguém cuja bússola moral é esta. Porque no mundo em que vivo, todas as crianças do mundo são meus filhos. Eu entrevistei no meu podcast uma mulher israelita adorável que trabalha com palestinianos e ela disse que se queremos fazer um mundo melhor temos de promover a teoria da parentalidade política. E a parentalidade política significa que não é preciso termos filhos, mas é preciso preocuparmo-nos com a próxima geração. É preciso nutrir o mundo da próxima geração. .“Com o tema do oceano em Osaka conseguimos falar do passado, homenagear a Expo 98 e olhar o futuro”