China tira palavra “pacífica” do plano da “reunificação” com Taiwan
O primeiro-ministro chinês, Li Qiang, anunciou esta terça-feira um aumento de 7,2% do orçamento de Defesa da China e endureceu a linguagem para com Taiwan, que Pequim considera uma “província rebelde”. No relatório que apresentou na abertura da 2.ª sessão da Assembleia Popular Nacional, desapareceu a palavra “pacífica” dos planos de “reunificação” com a ilha, sendo adicionada a frase de que a China “opõe-se resolutamente” à independência de Taiwan.
Desde que o presidente chinês, Xi Jinping, chegou ao poder, que o orçamento de Defesa mais do que duplicou. Em 2013, 720 mil milhões de yuans (ou renmimbis) iam para este setor - ao câmbio atual cerca de 92 mil milhões de euros. Agora, a previsão é gastar 1,67 biliões de yuans (217 mil milhões de euros). O orçamento de Defesa chinês fica apenas atrás do norte-americano, com os EUA a planearem gastar 842 mil milhões de dólares (775 mil milhões de euros) no ano fiscal de 2024.
Contudo, o valor divulgado por Li será apenas uma fração dos gastos, já que não tem em conta os custos com pesquisa e desenvolvimento, nem a compra de armas a outros países. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz, de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês), estima-se que em 2022 a China tenha gasto 292 mil milhões de dólares em Defesa, com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos a falar mesmo em 319 mil milhões. Pequim tinha dado um orçamento oficial, nesse ano, de 230 mil milhões.
“Forneceremos garantias financeiras mais fortes para os esforços de modernização da nossa Defesa Nacional e das Forças Armadas em todas as frentes e para consolidar e melhorar as estratégias nacionais integradas e as capacidades estratégicas”, disse o primeiro-ministro na abertura da Assembleia, diante dos quase três mil delegados e do próprio presidente Xi Jinping.
O reforço do orçamento em Defesa torna-se mais relevante diante das palavras de Li, que no relatório deste ano alterou ligeiramente a linguagem em relação a Taiwan. Se em 2023 se falava em “avançar o processo da reunificação pacífica da China”, desta vez apenas falou em ser “firme no avanço da causa da reunificação da China” - deixando cair a palavra “pacífica”.
Pequim considera a ilha para onde fugiu, em 1949, o Governo nacionalista de Chiang Kai-shek - após perder a guerra contra as forças comunistas de Mao Tsé-tung - como uma província rebelde. E nunca escondeu os seus desejos de reunificação, não afastando a hipótese de o fazer pela força.
No início deste ano, Taiwan elegeu um político pró-independência como novo presidente - o ainda vice-presidente Lai Ching-te toma posse em maio. No discurso, o primeiro-ministro chinês reiterou que Pequim “opõe-se resolutamente ao separatismo e interferência externa” que procura a “independência” da ilha, promovendo “as relações e o desenvolvimento pacífico no estreito”. Segundo o South China Morning Post, o ex-primeiro-ministro Li Keqiang também fez referência à interferência estrangeira no discurso de 2022, mas o tema não foi mencionado em mais nenhuma ocasião na última década.
Taiwan reagiu através do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Jeff Liu, dizendo que as declarações de Li não passam da “mesma história de sempre”, insistindo que a República da China (nome oficial da ilha) é um país “soberano e independente”, que não está subordinado a Pequim.
O anúncio do aumento do orçamento da Defesa surge numa altura de tensão redobrada no Mar do Sul da China, com um novo incidente entre navios da Guarda Costeira chinesa e a das Filipinas em águas disputadas. Um dos navios filipinos, que estava a apoiar uma operação de reabastecimento das Forças Armadas, ficou danificado após um choque com uma embarcação das autoridades chinesas. Manila disse que o navio foi abalroado, acusando Pequim de “manobras perigosas”.
Outras previsões
O primeiro-ministro colocou a meta de crescimento económico nos 5%, admitindo contudo que este valor será difícil de alcançar. Os analistas também duvidam da sua viabilidade. O crescimento em 2023 foi de 5,2%, mas surgiu ainda no rescaldo da pandemia de covid-19.
A China enfrenta problemas económicos e uma crise no mercado imobiliário, após um travão aos empréstimos excessivos ter resultado na implosão do setor da construção - deixando por terminar apartamentos que, em muitos casos, famílias já tinham gasto as suas poupanças para comprar.
“A base para a recuperação económica sustentada da China ainda não é estável, com uma procura efetiva insuficiente, excesso de capacidade em algumas indústrias, expectativas sociais fracas e ainda muitos riscos e perigos ocultos”, disse Li, que quer criar 12 milhões de empregos em zonas urbanas.
susana.f.salvador@dn.pt