Cinquenta e sete anos depois de terem participado juntos na ”Passeata dos Cem Mil”, evento de 1968 considerado o auge da resistência à ditadura militar do Brasil, Caetano Veloso, 83 anos, Chico Buarque, 81, e Gilberto Gil, 83, reencontraram-se num protesto político neste domingo, 21 de setembro, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Num evento para ficar na história, não só da política mas também da Música Popular Brasileira (MPB), os veteranos compositores uniram-se a dezenas de outros músicos e centenas de milhares de anónimos, numa das 33 manifestações, em cidades de 22 estados do país, sob o lema “O Congresso é Inimigo do Povo”. Os protestos, marcados por movimentos sociais ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente Lula da Silva, e do PSOL, formação à esquerda do PT, são uma reação a um pacote de medidas aprovadas na semana passada na Câmara dos Deputados que visa proteger os parlamentares de investigações criminais e amnistiar os envolvidos na tentativa de golpe de estado de 2022 e 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado dias antes a mais de 27 anos de prisão no Supremo Tribunal Federal (STF) por liderar o golpe.“É a primeira vez, em muito tempo, que o campo progressista reúne tanta gente”, disse o sociólogo Rudá Ricci, no site Metrópoles. “Estamos a ver ao vivo a força da opinião pública no processo legislativo”, acrescentou o economista Joel Pinheiro, na TV GloboNews.“Sem amnistia”, foi a principal palavra de ordem gritada por Caetano, Chico, Gil, líderes políticos e manifestantes no ato da Avenida Atlântica, no Rio. . Em São Paulo, os manifestantes ocuparam a Avenida Paulista estendendo uma bandeira gigante do Brasil para contrastar com a bandeira gigante dos EUA exibida por bolsonaristas num ato no mesmo local, dia 7, o dia da independência do Brasil. Em Brasília, houve cartazes a chamar a Câmara dos Deputados de “vergonha nacional”. . Por todo o país, chamou a atenção muita gente vestida de vermelho, a cor do PT, mas também de amarelo, a cor da seleção brasileira de futebol, que vinha sendo conotada com a extrema-direita desde 2018.Outros artistas da MPB e não só, como Ivan Lins, Paulinho da Viola, Djavan, Lenine, Simone, Daniela Mercury, Chico César, Marina Lima ou o ator Wagner Moura, estiveram também no Rio e noutras cidades.A blindagem parlamentar, aprovada com 344 votos a favor, sobretudo (mas não apenas) de deputados fiéis a Bolsonaro e de partidos de direita, e 133 contra, prevê restringir a abertura de ações penais contra congressistas. “Esta emenda chamada da ‘blindagem' dos parlamentares podia chamar-se da ‘bandidagem’ até porque prevê o voto secreto para a proteção de congressistas que cometerem crimes, sejam crimes contra a democracia, que é disso que a extrema-direita se quer proteger no momento, sejam crimes de corrupção”, disse Fernanda Melchionna, deputada do esquerdista PSOL, partido que votou em peso contra. Com o voto secreto, um deputado que fosse contra a prisão de Chiquinho Brazão, o parlamentar detido em 2024 por suspeita de mandar matar a vereadora Marielle Franco, poderia agora votar em privado sem se desgastar na opinião pública. Otto Alencar, que é membro do Senado, a câmara alta onde a medida ainda tem de passar, alertou que “a emenda facilita, por outro lado, a infiltração de organizações criminosas na política” e deu como exemplo a prisão no início do mês de um deputado estadual do Rio por negociar armas com o Comando Vermelho, de cujo líder é íntimo. “Temos de sepultar de vez esse murro na barriga e tapa na cara do eleitor”, acrescentou o senador.Em paralelo, os bolsonaristas da Câmara aprovaram com “caráter de urgência” a votação de uma amnistia “ampla, geral e irrestrita” aos envolvidos no plano de golpe, que inclui o ex-presidente.Como politólogos acreditam que o mesmo STF que os condenou considere o projeto inconstitucional depois de aprovado e como partidos de centro-direita e direita já admitem abdicar de lutar pela amnistia a Bolsonaro para apostar em Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, como candidato contra Lula em 2026, o relator da proposta, Paulinho da Força, fala em “pacificar do país”. O deputado reuniu-se mesmo com Michel Temer, o presidente de 2016 a 2018 que indicou Alexandre de Moraes para o STF, no sentido de encontrar um texto consensual que contemple, sobretudo, o abrandamento das penas dos populares que depredaram a Praça dos Três Poderes a 8 de janeiro de 2023. Entretanto, outro tema na mira dos protestos “O Congresso é Inimigo do Povo” é a busca de uma brecha no regimento da Câmara para impedir que o deputado Eduardo Bolsonaro, ausente desde março por estar a morar nos EUA, onde faz lóbi junto ao governo de Donald Trump pelo aumento das taxas sobre exportações brasileiras e sanções a autoridades do país, perca o mandato por faltas. Para isso, o Partido Liberal, do qual ele e o pai fazem parte, nomeou-o líder parlamentar em substituição de uma aliada, socorrendo-se de um precedente de 2015 em que o presidente da casa à época permitiu ausências injustificadas apenas a líderes parlamentares. .Brasil. Em resposta ao Supremo, deputados aprovam o “pacote da impunidade”