Bruxelas e Londres abrem um novo capítulo nas relações pós-Brexit
O primeiro-ministro, Keir Starmer, recebe esta segunda-feira em Londres a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, para aquela que será a primeira cimeira entre as duas partes desde que o Reino Unido abandonou o bloco há cinco anos. Esta reunião surge numa altura em que o contexto geopolítico tem aproximado Londres e Bruxelas, mas ainda existem desafios entre as duas partes. Em cima da mesa deverão estar três acordos: uma declaração de valores partilhados, o pacto de segurança e defesa e um entendimento comum sobre a relação económica e comercial entre as duas partes.
“A União Europeia e o Reino Unido precisam um do outro. Os desafios partilhados, incluindo o crescimento económico lento, a guerra prolongada na Ucrânia e uma administração norte-americana a impor tarifas sobre os produtos europeus e a procurar desligar-se da defesa do continente, deixaram isso bem claro”, nota Ed Owen, do think tank Centro Europeu do Conselho Atlântico. “Apesar de todas as dificuldades políticas, este é o momento para a UE e o Reino Unido serem ousados. (…) A Europa sempre foi mais forte quando o Reino Unido e os vizinhos continentais estavam unidos. A cimeira pode marcar um passo modesto, mas importante, para as relações entre Reino Unido e UE e demonstrar que a fricção e a dor da última década podem ser substituídas por uma nova parceria com benefícios mútuos”.
Uma das áreas onde parece haver convergência de vontades é a Defesa, sendo esperada a concretização de um acordo de cooperação, que abrirá a possibilidade de Londres aceder ao fundo de 150 mil milhões de euros do programa ReArmar a Europa lançado este ano por von der Leyen. Este acordo permitirá também um maior envolvimento da indústria de defesa do Reino Unido nos esforços europeus.
Um dos exemplos deste maior envolvimento foi conhecido na semana passada, quando o Reino Unido e a Alemanha confirmaram que vão trabalhar pela primeira vez em conjunto para desenvolver uma nova capacidade de ataque de longo alcance (mais de 2.000 km), que, segundo o governo britânico, “estará entre os sistemas mais avançados alguma vez concebidos pelo Reino Unido, para proteger o público britânico e reforçar a dissuasão da NATO, ao mesmo tempo que impulsiona os setores de defesa do Reino Unido e da Europa”. Mas há quem esteja contra esta aproximação à indústria militar britânica, como a França, que tem a sua própria indústria para defender.
Mais problemática é a questão das pescas, pois alguns países do bloco, entre os quais mais uma vez está a França, querem ligar a assinatura da parceria em segurança e defesa à renovação de um acordo de cinco anos, que termina em junho de 2026, e que dá acesso às águas britânicas aos barcos de pesca da UE. No entanto, a líder da diplomacia comunitária, Kaja Kallas, já veio garantir que as quotas de pesca não irão interferir nas questões de segurança. Ao que se sabe, Londres está a oferecer a Bruxelas mais quatro anos de acesso às suas águas, um período mais curto do que o pretendido pelos 27, e em troca o executivo comunitário estará disposto a facilitar os controlos de exportação de bens alimentares às empresas britânicas.
Está também em cima da mesa uma proposta feita no ano passado pela Comissão Europeia, e inicialmente recusada pelo governo de Starmer, para criar um esquema de mobilidade juvenil, que permitiria aos jovens britânicos e europeus, entre os 18 e os 30 anos, estudar e trabalhar no bloco dos 27 ou no Reino Unido. No entanto, Londres poderá estar agora disponível para uma versão controlada deste programa, de forma a não aumentar os números da imigração - de recordar que, na semana passada, Londres apresentou um plano precisamente para limitar o número de imigrantes.
“Algumas destas questões exigirão riscos políticos e compensações de ambos os lados. A popularidade de Starmer caiu desde que foi eleito no verão passado, e os defensores do Brexit no Reino Unido estarão prontos a acusá-lo de comprometer o resultado do referendo britânico para abandonar a União Europeia”, refere Ed Owen. “Haverá também pressão sobre os governos europeus para que não comprometam os princípios do mercado único da UE em prol de um acordo sobre defesa e segurança. E ainda há preocupações nas capitais europeias sobre o compromisso de longo prazo do Reino Unido em estreitar laços com um clube que decidiu abandonar há nove anos”, sublinha ainda o antigo conselheiro do governo britânico.