Por 344 votos a 133, a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou na madrugada de quarta-feira, dia 17, uma proposta de emenda à Constituição que protege os parlamentares de investigações criminais e cíveis, chamada popularmente de “emenda da impunidade” ou de “emenda da bandidagem”. A medida, de iniciativa do Partido Liberal (PL), maioritário na Câmara, foi interpretada como uma resposta à condenação de Jair Bolsonaro, a uma pena de prisão de 27 anos e três meses de prisão, por golpe de estado na semana passada no Supremo Tribunal Federal (STF).A retaliação do poder legislativo contra o poder judicial não fica por aí: uma amnistia a Bolsonaro e demais condenados, apoiada não só pelo PL mas por partidos aliados, será votada com caráter de “urgência” em breve. E o mesmo PL encontrou uma estratégia para permitir que o deputado Eduardo Bolsonaro possa exercer o mandato mesmo morando nos EUA desde março.Primeiro, a blindagem parlamentar a investigações policiais, que visa restringir prisões em flagrante delito e prevê a necessidade de aval legislativo para abertura de ações penais contra congressistas. O tema ganhou fôlego ainda durante o governo Bolsonaro quando, em abril de 2022, um deputado de extrema-direita, Daniel Silveira, foi condenado a oito anos de reclusão pela tentativa de impedir o livre exercício dos poderes. Em causa, vídeos publicados pelo parlamentar no ano anterior a defender intervenção militar no país e a atacar juízes do STF.Mas aumentou definitivamente de temperatura em agosto com a determinação da prisão domiciliar de Bolsonaro, a poucas semanas do julgamento por golpe. Na ocasião, deputados bolsonaristas protagonizaram uma espécie de motim, ocupando a cadeira do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), por 24 horas, exigindo uma amnistia a Bolsonaro e o impeachment de Alexandre de Moraes, o juiz relator do processo.Para recuperar a cadeira, Motta negociou com os bolsonaristas a votação da “emenda da impunidade” esta semana. Os 344 votos a favor contemplam a totalidade dos deputados do PL, do Republicanos e do Partido da Renovação Democrática e da quase todos os representantes do União Brasil e do Partido Popular (PP), ou seja, das formações de direita mais próximas de Bolsonaro. .O Partido dos Trabalhadores (PT), do presidente da República Lula da Silva, rejeitou a proposta mas não por unanimidade: 51 deputados votaram contra, 12 a favor.. “Esta emenda chamada da ‘blindagem dos parlamentares a investigações criminais’ podia chamar-se da ‘bandidagem’ ou da ‘falta de vergonha na cara’, porque prevê o voto secreto para a proteção de congressistas que cometerem crimes, sejam crimes contra a democracia, que é disso que a extrema-direita se quer proteger no momento, sejam crimes de corrupção, e outros”, disse Fernanda Melchionna, deputada do esquerdista PSOL, partido que votou em peso contra. Com o voto secreto, por exemplo, um deputado que fosse contra a prisão de Chiquinho Brazão, o parlamentar preso em 2024 por suspeita de mandar matar a vereadora Marielle Franco, poderia fazê-lo em privado, evitando desgaste na opinião pública. Por falar em opinião pública, o instituto Democracia em Xeque, que contabiliza menções nas redes sociais, encontrou 900 mil em 24 horas de revolta contra a aprovação da “emenda da impunidade”, identificada online pela hashtag #vergonhanacional.O senador Otto Alencar (PSD), contra a medida, alertou que “a emenda facilita a infiltração de organizações criminosas na política” e referiu a prisão no início do mês de um deputado estadual do Rio de Janeiro por negociar armas com o Comando Vermelho, de cujo líder é íntimo. O deputado Cláudio Cajado (PP), defensor da emenda, disse que “pode haver a eleição de testas de ferro de organizações criminosas mas que não se deve tomar a excepção pela regra”. E Hugo Motta, o presidente da Câmara, justificou a aprovação com “os atropelos e abusos contra colegas deputados em várias oportunidades”. A emenda, entretanto, ainda carece de aprovação no Senado, câmara alta do Congresso.Em paralelo, os bolsonaristas da Câmara aprovaram com “caráter de urgência” a votação de uma amnistia “ampla, geral e irrestrita” aos envolvidos no plano de golpe, que inclui o ex-presidente. Mas politólogos acreditam que o mesmo STF que os condenou considere o projeto inconstitucional. E partidos de centro-direita e direita admitem abdicar de lutar pela amnistia a Bolsonaro até porque já apostam em Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, como candidato contra Lula em 2026.O partido de Bolsonaro, por outro lado, encontrou uma forma de impedir que o deputado Eduardo Bolsonaro, ausente desde março por estar a morar nos EUA, perca o mandato por faltas. Nomeou-o líder parlamentar, em substituição de uma aliada, socorrendo-se de um precedente de 2015 em que o presidente da Câmara da época permitia ausências injustificadas a líderes parlamentares. Para exceder o limite de faltas, Eduardo vem alegando que está nos EUA por ser um perseguido político e argumenta com o teletrabalho permitido na altura da pandemia para poder se ausentar mas o PT, de Lula, já pediu a intervenção do STF no caso.