Borrell avisa que alguns países da UE "dificilmente" aceitarão sanções contra Israel
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE) considerou esta que "dificilmente" alguns Estados-membros, nomeadamente a Alemanha, aceitarão sancionar Israel pelo conflito na Faixa de Gaza, referindo tratar-se de um tema que "neste momento, não se coloca".
"Alguns países europeus têm uma relação com Israel muito ancorada na sua história, a segurança do Estado de Israel faz parte do ADN da Alemanha, as relações históricas são evidentes", referiu o alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, que participou como convidado no Seminário Diplomático, iniciativa do Ministério dos Negócios Estrangeiros que decorre esta quarta-feira e quinta-feira em Lisboa.
Para Borrell, estes Estados "dificilmente vão aceitar alguma vez que se tomem medidas coercitivas contra Israel".
"Não se sabe no futuro, tudo pode ocorrer, mas neste momento tal coisa não se coloca", acrescentou, durante uma conferência de imprensa conjunta com o ministro dos Negócios Estrangeiros português.
João Gomes Cravinho recordou que, no último Conselho de Negócios Estrangeiros, Portugal, bem como outros países e o próprio alto representante, defenderam sanções a "colonos que estão ilegalmente a ocupar território na Cisjordânia" e, "nenhum país se opôs".
Nesse sentido, o Serviço Europeu de Ação Externa, que Borrell dirige, está "a trabalhar numa proposta concreta para sancionar aqueles que estão conscientemente e de forma sistemática a criar dificuldades para a paz e a tornar a solução dos dois Estados cada vez mais difícil", disse o governante português.
Borrell defendeu que esta iniciativa "pode servir de teste".
"Quando houver sobre a mesa uma proposta para sancionar, não o Estado de Israel, mas pessoas concretas que consideramos responsáveis por estes atos inaceitáveis de violência contra os palestinianos na Cisjordânia, veremos se se reúne a necessária unanimidade ou não", salientou o chefe da diplomacia europeia.
A guerra em curso na Faixa de Gaza foi desencadeada por um ataque sem precedentes do grupo islamita palestiniano Hamas em Israel, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez mais de 200 reféns, em 7 de outubro.
Em retaliação, Israel prometeu aniquilar o Hamas e lançou uma ofensiva aérea e terrestre que tem provocado um elevado nível de destruição de infraestruturas na Faixa de Gaza.
A ofensiva israelita já matou mais de 22 mil pessoas na Faixa de Gaza, na maioria mulheres, crianças e adolescentes, segundo os números mais recentes divulgados pelo Hamas, que controla o enclave palestiniano desde 2007 e é considerado um grupo terrorista pela UE.
Há um "risco não menosprezável" de guerra aberta no Médio Oriente
O chefe da diplomacia europeia considerou que o risco de uma "guerra aberta" no Médio Oriente "não é menosprezável" e admitiu que a morte de um dirigente do grupo islamita Hamas no Líbano pode fazer escalar o conflito. "O receio que temos todos é o risco de que a situação se alargue", comentou.
Na terça-feira, o Hamas confirmou no seu canal oficial, Al-Aqsa TV, a morte de Saleh al-Arouri, vice-presidente do gabinete político do movimento islamita palestiniano, e de pelo menos mais seis militantes, incluindo os guarda-costas do dirigente, num ataque em Beirute, capital libanesa. O exército de Israel disse esta madrugada estar preparado para "qualquer cenário", mas não reivindicou a autoria do ataque que matou al-Arouri.
Josep Borrell assinalou hoje que, nos dois lados da fronteira do Líbano, há dezenas de milhares de deslocados devido aos conflitos, lamentando: "O risco de uma guerra aberta, como em 2006, não é infelizmente menosprezável".
"A morte de um dirigente do Hamas é um fator adicional que pode fazer com que o conflito escale", reconheceu.
Borrell revelou que tem prevista uma viagem ao Médio Oriente, que deve começar esta quinta-feira no Líbano, passando depois pela Jordânia e Arábia Saudita, mas disse que neste momento não sabe se poderá fazer esta deslocação devido à eventuais restrições no espaço aéreo libanês.
"É muito importante estar em contacto com o Governo libanês e o Governo jordano e os países árabes para explorar vias de solução para o conflito", defendeu.
As guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, adiantou, são as que prendem mais, neste momento, "a atenção política europeia".
"A Europa tem de investir todo o seu capital político em manter o apoio à Ucrânia, para repudiar a agressão russa, e em procurar a paz no Médio Oriente, através da única solução possível, a solução dos dois Estados, algo que há muitos anos vimos repetindo mas sem nos comprometermos a fundo para a tornar uma realidade", afirmou o chefe da diplomacia da UE, em conferência de imprensa ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho.
Para Borrell, "o drama que começou a 7 de outubro [com atentados do Hamas contra Israel] e que continua, obriga a procurar uma solução que permita uma coexistência em paz e segurança de Israel e Palestina".
O representante europeu relacionou também a instabilidade no Mar Vermelho, com os ataques dos Huthis, com o conflito entre Israel e o Hamas.
A este propósito, adiantou que, esta quinta-feira, o Serviço Europeu de Ação Externa, que dirige, vai apresentar aos Estados-membros uma proposta para a "criação de uma missão que possa contribuir para a segurança no Mar Vermelho, sabendo que isso também requer unanimidade".
A proposta surge depois de Espanha, que tem um navio de guerra na missão Atalanta, para combater a pirataria marítima na costa oriental de África, ter recusado a extensão desta missão à segurança da marinha mercante no Mar Vermelho, por considerar terem âmbitos diferentes.
Borrell lamenta que 27 tenham hesitado nas ajudas a Kiev
Josep Borrell lamentou as hesitações dos 27 nas ajudas à Ucrânia, referindo que se as decisões tivessem sido mais rápidas, talvez o curso da guerra tivesse sido outro.
"Fizemos muito pela guerra na Ucrânia, mas hesitámos muito", criticou. "Se não tivéssemos vacilado tanto, talvez a guerra tivesse seguido outro curso", afirmou, sublinhando que "é preciso ser mais rápido na ajuda".
De acordo com o representante da União Europeia (UE) para a Política Externa, todas as decisões de envio de sistemas de armamento foram antecedidas por semanas de conversações e dúvidas que apenas resultaram numa demora em transferir o apoio militar pedido por Kiev.
Embora tenha reconhecido ser difícil "pôr 27 Estados em acordo numa situação tão tremenda como uma guerra na sua fronteira", Josep Borrell sublinhou que "a Europa não pode fraquejar no seu apoio à Ucrânia".
"Se a Rússia conseguir o seu objetivo, a Europa estará em perigo", alertou, acrescentando que "o apoio dado até agora não é suficiente".
"Gostava que houvesse uma perspetiva de paz, mas francamente não a vejo. As perspetivas concentram-se mais numa disputa militar do que na procura de uma solução de paz", disse.
O Presidente russo, Vladimir "Putin, não tem nenhuma intenção de acabar esta guerra enquanto não conseguir os seus objetivos, isso ficou demonstrado nos ataques da semana passada".
A Rússia lançou cerca de 300 mísseis e 200 'drones' (aeronaves sem tripulação) contra a Ucrânia desde 29 de dezembro, tendo Putin garantido que vai intensificar os seus ataques contra alvos militares na Ucrânia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, pediu na terça-feira aos parceiros internacionais que acelerem a entrega de ajuda militar, sobretudo de sistemas de defesa aérea, na sequência da multiplicação dos ataques russos.
Inicialmente, lembrou o representante da UE, a resposta dos 27 Estados-membros à guerra na Ucrânia foi facilmente consensual.
"Em poucos dias, tivemos uma resposta unânime para mobilizar recursos financeiros e, pela primeira vez, enviar ajuda militar a um país em guerra", referiu.
Nos últimos tempos, essa unanimidade não é tão sólida e, "quanto mais durar a guerra, mais difícil será continuar" a haver união.
Questionado, durante o seminário, pela embaixadora portuguesa em Moscovo, Mariana Fisher, sobre a relação que se pode esperar entre a Europa e a Rússia quando a guerra terminar, o chefe da diplomacia europeia admitiu que "tudo depende de como [o conflito] acabe".
"É muito difícil imaginar como nos vamos relacionar com a Rússia", reconheceu, referindo que não pode haver uma "permanente instabilidade na fronteira leste da Europa".
Estados da UE estão a discutir uso de juros de ativos russos congelados
Os Estados-membros da União Europeia (UE) estão a discutir a possibilidade de usar os juros dos ativos russos congelados na Europa para reconstruir a Ucrânia depois da guerra, anunciou Josep Borrell.
"Estamos a discutir o que fazer com os juros e a quem pertencem - se ao Estado bloqueado ou a quem bloqueou", avançou.
A Europa tem mais de 320 mil milhões de euros de ativos russos congelados, "além de mais alguns milhões que pertencem a indivíduos" russos, mas dificilmente esses valores serão usados em ajudas à Ucrânia, nomeadamente na reconstrução do país, segundo prosseguiu o representante.
"A tentação é pegar no dinheiro para pagar a reconstrução, mas uma coisa é congelar e outra coisa é apropriar-se" dos ativos, lembrou Borrell.
"É preciso ver quão compatível isto seria com o Direito Internacional", acrescentou.
Já os juros destes ativos podem constituir outro cenário.
"De quem são, do Estado que os tinha inicialmente ou de quem os bloqueou?", questionou Josep Borrell, adiantando que a possibilidade está precisamente a ser discutida na UE, neste momento pelos representantes dos Negócios Estrangeiros de cada Estado.
A utilização desses juros depende, no entanto, de uma decisão unânime dos 27 do bloco europeu e, como referiu o ministro dos Negócios Estrangeiros português, em conferência de imprensa, "a matéria é mais complexa do que pode parecer à primeira vista".
Segundo João Gomes Cravinho, o Ministério das Finanças também está a estudar a possibilidade, para que Portugal possa tomar uma posição, assim como os bancos centrais quer de Portugal, quer dos vários países europeus.
"É mais uma questão de tempo e oportunidade", defendeu Gomes Cravinho.
Se houver consenso entre os 27 países, a proposta será formalmente apresentada pelo chefe da diplomacia da União Europeia que, por isso, se escusou a avançar com a sua posição.
"Há um estrito dever de reserva da minha parte sobre o estado em que se encontram as negociações", disse.