Donald Trump foi eleito presidente dos EUA em 2016, batendo políticos tradicionais. Com um discurso contra os políticos tradicionais, Jair Bolsonaro ganhou as presidenciais do Brasil em 2018. Em 2020, o americano não conseguiu reeleger-se, a mesma sina do brasileiro, em 2022. Semanas depois das derrotas, em janeiro de 2021 e de 2023, respetivamente, apoiantes do candidato republicano e do candidato do Partido Liberal depredaram o Capitólio, em Washington, e a Praça dos Três Poderes, em Brasília..Joe Biden, o rival de Trump em 2020, enfrentando o peso da idade, 82 anos, teve de ceder o lugar em 2024 à mais jovem Kamala Harris. Na sequência de duas cirurgias nesta semana, bolsonaristas falam na “bidenização” de Lula da Silva, 79 anos hoje e 81 nas eleições de 2026, visando o regresso de Bolsonaro, que está esperançoso de driblar, além da inelegibilidade, os problemas judiciais no Brasil que Trump conseguiu fintar nos EUA. .A política do Brasil, afinal, é como a dos EUA mas com delay? A atualidade do gigante do Sul segue o roteiro da do gigante do Norte? O país lusófono tem o país anglófono como modelo? Estrategas, como o americano Steve Bannon e outros, tentam influenciar, na medida das suas possibilidades, os destinos do seu país e não só? Ou é tudo coincidência? .O DN pediu a James Green, professor titular de História Latino-Americana na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, a Clayton Vinícius Pegoraro, professor de Direito das Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana McKenzie, e a Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Economia e Relações Internacionais na Fundação Armando Álvares Penteado, para darem a sua opinião..Para James Green, “a política dos EUA tem servido, sim, de modelo para o Brasil”. “O advento de Trump e depois de Bolsonaro obedeceram a métodos muito semelhantes, os métodos de Steve Bannon”, acrescenta o académico norte-americano especialista em Brasil e fluente em português. “Assim como os ataques ao Capitólio e à praça dos Três Poderes, os problemas na justiça com os que os dois se debatem são muito semelhantes”, completa..“Agora a extrema-direita brasileira vai, na sequência, aproveitar a questão da saúde do Lula para atrelá-la à do Biden, concordo, portanto, totalmente que há uma conexão e que a política americana vem contribuindo como exemplo para a brasileira”..Clayton Pegoraro também acha que “haverá exploração política da oposição brasileira da situação clínica de Lula, nomeadamente o termo ‘Biden da Silva’ usado pelo senador Ciro Nogueira [ex-ministro de Bolsonaro]”. “Mas deve ser entendida como debate político, não há, de acordo com as informações médicas disponíveis, qualquer relação entre a questão do ex-presidente, que em breve voltará ao trabalho normal, e a de Biden”..Por isso, o especialista em Direito Internacional prefere falar “em coincidências”. “Trump e Bolsonaro têm um alinhamento ideológico, ao ponto de o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, ir muito aos EUA e de ter sido até cogitado para a posição de embaixador nos EUA no anterior governo, mas, de resto, tendo a ver tudo como coincidências...”.“Vejo, no geral, como pendular a relação entre direita e esquerda nos EUA e no Brasil, assim como na restante América Latina e Europa e penso que as situações do Capitólio e da Praça dos Três Poderes embora paralelas são dissociáveis”, conclui..“Efeito Orloff”.Vinícius Vieira, que estudou em Yale e Berkeley e segue a par e passo a política nos dois países, lembra o “efeito Orloff”. Num anúncio ainda do século passado a essa marca de vodka, duas versões da mesma pessoa conversam ao balcão de um bar: “mas afinal quem é você”, pergunta um, “eu sou você amanhã”, respondia alegremente o outro para sublinhar que, bebendo daquela marca, não estaria de ressaca..“O ‘efeito Orloff’ começou por ser usado por economistas para comparar a economia da Argentina com a do Brasil, tudo o que acontecia lá repetia-se no Brasil, agora os EUA são o Brasil amanhã - a exceção é que não vejo como Bolsonaro possa recuperar a sua elegibilidade”, comenta Vieira..“De resto, Capitólio e 8 de janeiro, os pedidos de perdão e amnistia na sequência, Trump e Bolsonaro a dizerem-se perseguidos, ambos a falharem a reeleição e para Biden e Lula, mais ou menos da mesma idade, as coincidências são tão fortes que não parecem coincidências e mais consequências”..“Consequências da tentativa de o Brasil emular os EUA, seja à esquerda, com a incorporação de políticas identitárias, como à direita, buscando o nacionalismo cristão branco evangélico, implícito e às vezes explícito no discurso do bolsonarismo, aqui não há os imigrantes mas há uma ojeriza aos pobres e um ódio regional do Sul e Sudeste ao Norte e Nordeste”, continua. .O académico vai mais longe: “Com isso, Lula será, claro, ‘bidenizado’ e o mercado até já precifica isso: o dólar caiu durante as cirurgias com a expectativa de que ele não concorra à eleição e abra caminho à direita”..Para contrapor, o Brasil antecipou os EUA num episódio: a facada na barriga de Bolsonaro aconteceu seis anos antes do tiro na orelha de Trump.