As crises favorecem quem está no poder, mas muito depende do grau de destruição que acontecer na Ucrânia
A invasão da Ucrânia pela Rússia tem efeitos colaterais no resto do mundo de forma transversal e um forte impacto político, sobretudo para os líderes acabados de chegar ao poder, como o chanceler alemão Olaf Scholz, ou para os que enfrentam eleições a breve trecho, como o presidente americano Joe Biden ou o francês Emmanuel Macron. Mas que efeitos são estes?
"Normalmente as crises favorecem quem está no poder, porque têm a oportunidade de falar em nome do Estado", afirma ao DN o antigo presidente da Fundação Luso-Americana, Vasco Rato. A mesma ideia é defendida pelo politólogo António Costa Pinto, para quem "este tipo de acontecimentos potencia, a nível nacional, as opções pela estabilidade".
Mas, adverte Vasco Rato, o que parece ser positivo para alguns líderes mundiais pode virar-se contra eles "se as coisas não correrem bem na Ucrânia e houver uma chacina do povo ucraniano. Isso pode gerar um sentimento de impotência junto do eleitorado". Por isso, "é muito cedo para saber as consequências que irá ter neste domínio".
O antigo embaixador na Nato António Martins da Cruz admite, no entanto, que a crise ucraniana terá impacto, por exemplo nas eleições presidenciais francesas, que são já em abril, e que será tema de campanha. Entende que o recandidato Emmanuel Macron beneficiou de alguma liderança do pré-conflito ao ter ido a Moscovo falar com Vladimir Putin, por exemplo.
"Macron já está reeleito, ninguém vai mudar um presidente no meio de uma guerra", afirma Álvaro Beleza, presidente da SEDES.
O que também é subscrito por António Costa Pinto, embora sublinhe que "a esfera política nacional de cada país é determinante nas eleições". E sublinha que "convém não subestimar as respostas imediatas que irão ser dadas à subida de custo de vida associado à guerra".
Outro "beneficiário" político na Europa com esta crise é, unanimemente considerado, o novo chanceler alemão, Olaf Scholz.
Martins da Cruz lembra que Scholz herdou uma Alemanha após 16 anos de marca muito forte de Angela Merkel tanto a nível interno como externo. "E agora o chanceler aproveitou para se afirmar dentro e fora da Alemanha, com a ajuda de material militar à Ucrânia e interrompendo uma tradição de importações da Rússia, ao mesmo tempo que subiu para 2% do PIB o orçamento da Defesa". O que, na opinião do embaixador, "dentro de 4 ou 5 anos dará à Alemanha as melhores forças armadas da UE".
Álvaro Beleza acentua essa "alteração de estratégia" do chanceler alemão para dizer que "estamos a pagar um preço grande pelo erro crasso de Merkel" de "achar que podia comprar a paz com os russos comprando-lhes energia", quando "se esqueceu do detalhe que nos regimes autocráticos os líderes agem diferente e que Putin tem de desaparecer".
Vasco Rato admite que "o único a ganhar" de forma clara com este conflito é o chanceler alemão, que até conseguiu "unir a salada russa do seu governo" e fez uma viragem "brutal e histórica na política externa do seu país". E, tal como o presidente da Sedes, vê em Merkel a "grande perdedora" desta guerra, porque, diz, foi ela que incentivou a "interdependência com a Rússia" e travou o aumento da despesa militar. "Tentou integrar a Rússia e falhou", sentencia.
Há igualmente outro líder europeu que, embora não tenha eleições no horizonte, "tem de agradecer a esta crise a Putin", afirma Álvaro Beleza: precisamente o primeiro-ministro inglês. Boris Johnson estava sob fogo, até no seu próprio partido, por causa do escândalo das festas em Downing Street durante o confinamento da pandemia e agora "consegue sacudir das costas" esse escândalo, acrescenta Martins da Cruz.
"E ele até esteve bem, foi o primeiro a fechar o espaço aéreo aos russos, a exigir mais sanções e visitou as tropas britânicas na Polónia. Para todos os efeitos liderou nesta crise", frisa Vasco Rato. "Se é suficiente para lhe salvar a pele? Dá-lhe pelo menos tempo para estancar as conspirações no seu grupo parlamentar", remata.
O antigo aliado de Putin, o primeiro-ministro húngaro Viktor Órban, também enfrenta eleições em abril e "já está a ser sensível ao peso da opinião pública", tendo dado "pleno apoio " às sanções à Rússia. Mas Vasco Rato considera que é um dos líderes europeus mais desconfortáveis com a situação, até porque os "partidos populistas", como o seu e o da francesa Marine Le Pen, são dos mais afetados pela ligação ao regime de Putin.
Do outro lado do Atlântico, com eleições intercalares em novembro, o presidente norte-americano, que aparecia nas sondagens com "miseráveis 37% nas sondagens",parece tirar partido de um discurso forte contra Putin. Mas, para Vasco Rato, "ele apostou na ameaça de sanções para dissuadir Putin e não conseguiu. Daqui a seis meses, quando forem eleições intercalares, vai discutir-se esse falhanço da política externa americana", diz.
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