“As ambições da Rússia passam por controlar os Estados Bálticos e expulsar a NATO da Polónia”
A Polónia vai gastar 4,7% do PIB em Defesa este ano. É a percentagem mais elevada de um país da NATO. A guerra na Ucrânia provou que a Polónia tinha razão em investir na sua segurança , mesmo quando os outros países estavam relutantes?
Não fico muito feliz com isso, com o facto de termos razão. Às vezes é bom não estar certo. Mas é assim.
E como é que a Polónia olha para países como Portugal, que nem chegam aos 2%?
Nós decidimos transformar o nosso Exército, o que é um processo extremamente difícil e sério. O nosso Exército foi transformado antes, para se adequar à nossa entrada na NATO. Assim, transformámos o nosso Exército dos antigos padrões soviéticos para os padrões da Aliança. Mas não foi, nem é, suficiente. Agora estamos a ajustar o nosso Exército às novas tecnologias, à melhor organização e a tudo o que é necessário para travar a Rússia. Compreendemos que Putin, o Kremlin, a Rússia se estão a preparar para uma guerra contra nós. Que a guerra contra a Ucrânia foi o primeiro passo. A Rússia produz os seus armamentos não só para as necessidades do campo de batalha com a Ucrânia, mas também para ter os stocks necessários para o futuro confronto com a NATO. Acreditamos que a única coisa que pode travar Putin é o poder militar. Por isso, decidimos iniciar este processo, que também é dispendioso. Mas gastaremos ainda mais. Entendemos que este nível de 5%, na verdade, é um mínimo, é o que seria suficiente para preparar as nossas Forças Armadas para a guerra. O mundo de hoje está extremamente interligado e é muito mais pequeno do que antes. Participei há dias na conferência [Diálogo Shangri-La], em Singapura, e falámos sobre isso. Estavam presentes alguns ministros da Defesa da Europa e discutimos com os nossos colegas na Ásia que, de facto, enfrentamos a mesma ameaça. A Rússia pode fazer uma guerra contra a Ucrânia, porque tem o apoio da China. Sem o apoio da China, não teria essas oportunidades. E, claro, conta também com o apoio da Coreia do Norte de forma muito concreta. Portanto, a segurança está interligada e é também visível na Europa. Quando perguntei às autoridades francesas por que mudaram de posição em relação à Rússia e qual a razão pela qual perceberam que a Rússia é uma ameaça real, disseram que também estavam sob ataque. Não convencional, mas híbrido. Temos ataques cibernéticos constantes, ataques constantes à infraestrutura crítica. Isto é algo, como no caso da França, que está bastante distante da Rússia. Aplica-se a todos os países europeus. Qualquer país europeu que não siga a política do Kremlin corre o risco de estar sob ataque. Por isso, faz sentido preparar-se, especialmente porque a Rússia tem capacidade para forçar a projeção para longe do seu Estado. Faz parte da criação de um dilema estratégico, não só para o flanco leste da NATO, mas também para os países mediterrânicos da NATO. A Rússia tem capacidade para fazer operações híbridas, mas, se decidir atacar a NATO, tem meios para conduzir a guerra, de facto, em qualquer lugar. Portanto, infelizmente, ninguém está a salvo.
E pensa que a Europa finalmente está a perceber a ameaça russa e a preparar-se para a enfrentar?
Definitivamente, muito mudou na sua consciência quanto à perceção da ameaça vinda da Rússia. A Alemanha não pode continuar a sua política de aproximação económica a Moscovo, na esperança de que daí resulte um abrandamento da política externa da Rússia, porque este conceito falhou. Nem a França, nem a Grã-Bretanha, nem os Países Baixos, nem outros países, podem implementar este tipo de política. Todos perceberam a grande ameaça que a Rússia representa para a Europa, para o nosso modo de vida. A outra questão é qual será a resposta desses países. E, claro, esperamos que a verdadeira resposta seja o envolvimento máximo possível na cooperação com a NATO, de modo a criar uma situação em que os planos que a NATO prepara sejam exequíveis. Portanto, é isso que esperamos da Cimeira da NATO [a 24 e 25 deste mês]. Esperamos que durante a cimeira, os países aceitarão o compromisso dos EUA de aumentar as despesas com a Defesa para 3,5% mais 1,5%. Claro que, definitivamente, isto será gradual, não de uma só vez. Todos precisam de se preparar. Aliás, precisamos de preparar a nossa base industrial para esta procura crescente. Acredito nisso. E também estou muito satisfeito com as decisões da União Europeia sobre a criação deste mecanismo denominado SAFE, que é, na minha opinião, um sucesso da Presidência polaca da UE, que permitirá aos Estados-membros contraírem empréstimos até 150 mil milhões de euros para aquisições de Defesa. Também estou muito satisfeito com a cláusula de salvaguarda, que permite aos países aumentarem os seus gastos com Defesa sem influenciar este mecanismo de estabilidade dentro da UE. Portanto, estas são decisões muito acertadas. O que esperamos é acelerar o mais possível. Porque a Rússia colocou o seu Estado - não apenas o setor da Defesa, mas toda a economia, toda a vida social, todo o funcionamento do Estado - em modo de guerra. Está a preparar-se para a guerra. Portanto, temos de fazer o mesmo, só assim seremos capazes de dissuadir a Rússia e não haverá guerra. A Rússia desistiu de atacar apenas aqueles que são poderosos. Mas ataca quando acredita que o adversário é fraco.
A Polónia tem uma cooperação militar histórica com os EUA. E há, creio, 10.000 militares americanos na Polónia.
Grosso modo, porque a sua presença é rotativa. Está entre oito e dez mil. Portanto, depende de quando, mas normalmente é esse o número.
Com Donald Trump a ameaçar não proteger a Europa ou, pelo menos, aqueles que não o merecem, como ele diz, a Polónia está a olhar mais para os Aliados europeus?
Penso que percebemos qual é a intenção do governo americano. E não é assim tão fácil. Porque costumávamos ouvir diferentes comunicados vindos do presidente Trump. Mas o que percebemos, entrando em contacto, tendo ligações muito próximas com o Pentágono... Gostaria de recordar que a primeira visita bilateral do secretário Hegseth foi à Polónia. Penso que foi por volta de 14, 15 de fevereiro. Depois, muito recentemente, na semana passada, o nosso ministro visitou o secretário Hegseth no Pentágono. Eu acompanhei-o. Duas semanas antes, visitei o subsecretário [Elbridge] Colby, responsável pela política de Defesa. E também tivemos alguns contactos por telefone antes. Portanto, temos relações quotidianas, relações muito práticas. Por isso, podemos dizer que entendemos que os EUA gostariam de criar uma verdadeira divisão de responsabilidades. Desta forma, gradualmente, de forma planeada, a Europa assumirá a responsabilidade pela sua Defesa convencional. Isto não significa que os EUA gostariam de abandonar a NATO ou o seu compromisso de apoiar e defender a Europa. Mas, devido a diferentes problemas orçamentais, à perceção de que a principal ameaça está no Pacífico e à capacidade da Europa para assumir essa responsabilidade, os EUA esperam isso de nós. E é legítimo. Exige que nos preparemos, em cooperação com os EUA, para criar a tal dissuasão para travar a Rússia. E, claro, precisamos de fazer, a nível europeu, o mesmo que estamos a fazer na Polónia. Não só iremos modernizar, como também transformar o nosso Exército numa força com capacidades multidomínio. Esse processo será planeado e organizado. E inclui o aumento da capacidade da tecnologia de defesa europeia e da base de Defesa. Portanto, isto exige o reforço da cooperação com os nossos parceiros europeus. Precisamos de cooperar. Assinámos recentemente o acordo com a França, que cria a responsabilidade mútua pela Defesa. E queremos que as nossas Forças Armadas cooperem no treino e no processo de planeamento. Queremos que a nossa tecnologia, a nossa base tecnológica de defesa, coopere. Isto é apenas um exemplo do que faremos com outros parceiros europeus. Por isso, estamos muito abertos à cooperação nestas áreas. Aliás, com todos os que tenham essas capacidades.
O primeiro-ministro Donald Tusk anunciou há uns meses planos para implementar treino militar para todos no país, em preparação para uma potencial guerra. Como está a correr? Já começou?
O importante é que estes treinos são voluntários. E, de facto, há muita gente, não só homens, mas também mulheres. Estamos a preparar esses treinos para quem quiser. Queremos criar formação personalizada para determinadas especialidades. Se temos engenheiros informáticos, não faz sentido enviá-los para a linha da frente. É muito melhor usá-los como engenheiros no Exército. Quando temos pessoal médico, é muito melhor utilizá-lo onde é necessário durante a guerra. Portanto, isso é claro. Mas também estamos a preparar esses treinos gerais. E a formação geral básica para recrutas durará, digamos, um mês, como é agora. E depois disso, realizarão formações diferentes periodicamente. Esta é a ideia. É um enorme desafio organizacional. Porque estamos a falar de números muito, muito grandes.
Já tem números mais concretos?
Atualmente, o nosso Exército conta com 200 mil militares. Mas estamos a preparar-nos para ter 300 mil soldados profissionais mais um milhão de reservistas para o Exército. É um número grande. Mas a experiência da Ucrânia mostra que, mesmo que esta guerra tenha mudado o seu caráter para uma guerra de drones, as pessoas ainda importam muito. Ainda precisamos de mão de obra em ambos os lados da frente. Isto é lamentável, e as baixas nesta guerra são horríveis.
A lição aprendida na guerra da Ucrânia é que a população polaca tem de estar preparada para tudo?
A população precisa de estar preparada. No ano passado, aprovámos no Parlamento e votámos a lei de proteção dos cidadãos e de defesa civil. É um programa enorme, porque o conceito de defesa civil, desenvolvido durante a era comunista, tornou-se obsoleto logo após 1989. A Polónia, como todos os que vivíamos em tempo de paz, não se dedicou a isso. Mas é bem visível que, infelizmente, a guerra travada pelos russos é total. Isso exige participação dos civis, primeiro para os proteger e, segundo, para organizar o país de forma a que este trabalhe para apoiar as Forças Armadas.
Espera que a Rússia continue a atacar outros países no futuro?
Sim. Antes de mais, por vezes faz sentido ler e ouvir o que os dirigentes russos disseram. Em dezembro de 2021, pouco antes da guerra, eles apresentaram o seu plano para uma solução pacífica das suas reivindicações. Muito bem definido. As suas ambições são controlar os Estados Bálticos e expulsar a NATO da Polónia. São simulações muito claras, que mostram que a Rússia quer continuar a sua guerra. Definitivamente, a Rússia só pode ser detida por aqueles que detêm o poder. É a única forma. Putin só compreende o poder bruto.
Vem de uma família com formação militar. O seu avô era veterano de guerra, o seu pai também…
Está a falar com um polaco, toda a gente tem esse histórico.
Esta história familiar, a sua, como a de quase todos os polacos, moldou a sua visão sobre a Defesa e sobre a política?
É claro que crescemos dentro de uma família e os valores que aprendemos com os nossos pais influenciam a nossa forma de pensar. A principal experiência da Polónia é prepararmo-nos para nos defendermos. Não estamos a fazer guerras imperiais, não estamos a atacar outros países, estamos a defender-nos. Não queremos conduzir qualquer tipo de política ofensiva, mas temos de nos preparar para a defesa do nosso país, das nossas famílias, das nossas casas. E esta é uma lição. A segunda lição é que, com um poder imperial como a Rússia, não se deve descurar o caráter do nosso país, do nosso Estado. Temos de assumir que o imperialismo deles pode, no futuro, desenvolver-se e resultar em diferentes tipos de pressões, mas também em guerras contra nós. Esta é a experiência geral na Polónia.
O DN viajou a convite da Embaixada da Polónia