Última "província ultramarina" africana a tornar-se independente de Portugal, Angola recebeu do DN ampla cobertura noticiosa nesse período agitado do chamado processo revolucionário em curso (PREC). O VI governo provisório, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo, disputava as ruas com as forças de esquerda. No dia 9 de novembro de 1975, a manifestação no Terreiro do Paço é perturbada pela deflagração de bombas lacrimogéneas, ao que o primeiro-ministro apoiado pelo PS e PSD (então PPD) tranquilizou as massas com as frases que ficaram para a história: “O povo é sereno. Não tem perigo. É apenas fumaça.” Poucas horas depois, em Luanda, com a passagem da soberania, as forças do Movimento Popular para a Libertação de Angola, as FAPLA, celebram o momento com disparos de munições reais, tendo contribuído para o agravar da tensão e criado um momento de confusão que levou ao desviar de rotas de aviões.Na edição do DN de 11 de novembro, os leitores já puderam ler o discurso do primeiro líder de Angola, proferido aos primeiros minutos do dia. Neste, Agostinho Neto criticava o comportamento do executivo português, mas ressalvava querer as melhores relações com o povo português para “cimentar as relações fraternas entre os povos”, enquanto para Angola reservava o objetivo de uma “independência completa”, “a construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo”. .A manchete era dedicada ao tema, com o título “Angola independente”, de um editorial , complementado por outros dois: “Liberdade e vigilância”, crónica do enviado do DN, José António Santos, e “Proclamada em nome do povo a República Popular de Angola”, a notícia que nas páginas interiores recebia o antetítulo “Agostinho Neto no discurso da proclamação” e o título “Só o MPLA não violou os acordos assinados”. Esta era uma referência ao acordo do Alvor, que comprometia aquele movimento alinhado com a União Soviética, assim como a FNLA e a UNITA, apoiados por países anticomunistas, a partilharem o poder. O documento assinado em janeiro há muito caíra em saco roto, com cada uma das fações a contar espingardas, primeiro, e depois a dispará-las. Foi essa a primeira e funda impressão causada ao jornalista do DN. “Envolveram-se numa guerra civil que era visível quando eu cheguei a Luanda, lembro-me da avenida enorme que na altura se chamava Avenida do Brasil, agora Hoji Ya Henda, com os prédios de um lado e do outro todos esventrados. Não eram balas de espingarda automática, eram de armas potentes”, recorda 50 anos volvidos. “A proclamação da independência é feita em condições dramáticas.”José António Santos, então com 25 anos, recorda que em Luanda o acesso à informação era muito limitado. Recebia a que era passada pelo MPLA e as suas deslocações eram garantidas por um motorista, também ele do partido de Agostinho Neto. Foi por acaso, conta, que soube como a história poderia ter sido outra. “Ouvíamos o troar dos canhões em Quifangondo, uma localidade 30 quilómetros a norte de Luanda. Mas perguntávamos o que é que se passava lá e ninguém dizia nada." Na noite de 11 de novembro, Agostinho Neto, já empossado presidente, ofereceu um jantar aos convidados estrangeiros no palácio que tinha sido do governador português. “Eu estava a falar com dois altos dirigentes do MPLA e um comandante das FAPLA. E veio um sujeito muito alterado ter com estas pessoas, a protestar contra a festa. ‘Quero falar com o velho’, dizia”, ao que o seu pedido para falar com Agostinho Neto - o velho - foi atendido. “E o militar que tinha ficado junto de mim disse-me que aquele sujeito era um comandante que tinha chegado da frente sul. Estava a ferro e fogo com as tropas comandadas por Savimbi e apoiadas pelas tropas sul-africanas, mas que foram travadas já para cima do Lobito, muito por força da ação dos cubanos que entretanto tinham chegado em apoio ao MPLA.” Muito mais perto foi a batalha de Quifandongo. “Vinha do Zaire uma coluna militar de tropas portuguesas, comandada por Santos e Castro, que apoiava a FNLA. Viemos a saber mais tarde, já depois de eu sair de Luanda, que foi desfeiteada pelos cubanos que tinham recebido nesses dias os órgãos de Estaline”, o nome dado aos lançadores múltiplos de foguetes, que haviam chegado num navio soviético. “E foi com isso que as forças do MPLA estancaram, digamos, a ofensiva quer da UNITA, quer da FNLA. E em Luanda, o Agostinho Neto pôde proclamar a independência”, diz José António Santos..António Mateus: “Os soldados não protegeram a população e fecharam os olhos aos apoios militares cubanos”.Aviões desviadosO que o jornalista conseguiu descortinar no local e escrever na edição de dia 12 foi o que motivou o desvio de aviões destinados a Luanda para Brazzaville, e o regresso a Lisboa do avião que transportava convidados, das organizações revolucionárias portuguesas a elementos de partidos comunistas de França, Itália, Roménia, Coreia do Norte e Vietname. Os convidados responsabilizaram o governo português - que terá de facto dado ordens para o avião dar meia volta -, mas este terá agido com base nas informações que levaram outros aviões a serem desviados. .“Os homens das FAPLA não se contiveram e, à sua maneira, também quiseram participar na festa. Então, durante quase toda a noite e durante o dia de ontem, ouviram-se na cidade vários disparos. Eram os bravos soldados das FAPLA que, utilizando as armas que lhes são distribuídas, desde a simples G-3 ao morteiro e outras peças de artilharia, descarregavam as munições, disparando para o ar”, contava então o repórter e explicando que este teria sido o motivo da confusão gerada.“Não era a notícia que ditava a notícia, era a ideologia que ditava a notícia”, comenta agora José António Santos - que durante 34 anos trabalhou no DN, até 2003 - sobre o “engajamento” vivido à época. Prova disso é a declaração dos “trabalhadores em laboração” do jornal, a “denunciar as ingerências e os criminosos ataques do imperialismo” e a exigir do governo português o reconhecimento imediato do MPLA como legítimo representante do povo angolano. Ou, na edição de 12 do DN, à época dirigido por Luís de Barros e José Saramago, tinha como manchete “Reconhecimento imediato do Governo da República Popular de Angola”: era mais uma palavra de ordem do que notícia, porque o teor do texto era de que no seio do Conselho da Revolução teria havido resistência para se reconhecer o governo angolano e que não havia ainda uma posição formal. Ao lado, uma opinião criticava o VI Governo por ter reconhecido o Estado de Angola ao fim de muitas hesitações com um texto “avaro de coragem e de generosidade”.