Anastasiia Holovnenko: “A execução de soldados ucranianos é um mecanismo consciente da guerra da Rússia”

Anastasiia Holovnenko: “A execução de soldados ucranianos é um mecanismo consciente da guerra da Rússia”

A diretora de campanhas do Centro para as Liberdades Civis, organização ucraniana laureada com o Prémio Nobel da Paz, está cética quanto às intenções de Donald Trump para se alcançar a paz.
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Há três anos, Anastasiia Holovnenko era diretora de marketing na empresa de comunicação social Hromadske. A invasão impeliu-a de fazer mais pela sociedade, tendo ingressado no Centro para as Liberdades Civis. Começou na comunicação e, desde o início deste mês, é a diretora de Campanhas da organização não-governamental distinguida com o Prémio Nobel da Paz em 2022. Nesta segunda-feira, às 14.00 horas, participa num debate sobre os civis ucranianos feitos reféns pelas forças russas. A iniciativa, para marcar a data da invasão russa à Ucrânia, conta com o testemunho de uma mulher recentemente libertada, a participação da embaixadora Maryna Mykhailenko, entre outros, e decorre na Nova SBE, em Carcavelos.

Qual é a sua principal campanha, neste momento?

Lançámos a campanha denominada Pessoas em Primeiro Lugar. Foi iniciada por dois vencedores do Prémio Nobel da Paz, o Centro para as Liberdades Civis e a Plataforma Memorial da Rússia. A campanha conta já com o apoio de mais de 40 outras organizações de Direitos Humanos e de algumas redes na Europa. E a campanha é totalmente dedicada a trazer de volta todos os cativos detidos na Rússia, o que inclui mais de 20 mil crianças deportadas, milhares de civis raptados ou detidos ilegalmente, milhares de prisioneiros de guerra e presos políticos também detidos na Rússia, tanto ucranianos como russos.

Nos últimos meses houve progressos na libertação de crianças?

Sim. Não somos a principal organização na Ucrânia ou no estrangeiro que trabalha neste tema. Mas há comunidades internacionais, que incluem o Canadá, a Noruega e a Ucrânia, que estão a tentar trazer de volta as nossas crianças. De vez em quando conseguimos identificar algumas crianças. Por vezes, as crianças mais velhas enviam mensagens de texto a alguém na Ucrânia, simplesmente a dizer ‘Estamos aqui e, por favor, tragam-nos de volta’, para que possamos segui-las, compreender onde estão, em que condições, com que pessoas. E depois há todo o processo. Por vezes, outros países estão envolvidos. Por exemplo, a África do Sul, o Qatar, a Turquia ou o Vaticano. Portanto, é um sistema complexo de identificação e, depois, é trazê-los de volta através de diplomacia, negociações ou algo mais. Pode levar meses ou anos para os trazer de volta. Mas antes de mais, precisamos de identificá-los. E estes números, que eu disse, mais de 20 mil, são crianças que já estão identificadas, mas não sabemos dizer se há mais.

A Ucrânia tornou-se o mais novo membro do Tribunal Penal Internacional, e agora os EUA impuseram sanções ao tribunal. Teme pelo funcionamento desta instituição?

Não sou uma especialista para falar sobre o assunto. No entanto, sinto que os EUA estão a tentar ameaçar todas as instituições democráticas do mundo. Não sabemos como vai correr, mas o que sabemos é que a justiça ainda é algo pela qual podemos lutar. E é a única esperança para muitas pessoas em todo o mundo. Não apenas na Ucrânia, em África, nos países do Oriente e na própria América.

Em que ponto está a ideia de criar um tribunal para os crimes de guerra russos?

Ainda estamos à espera de vontade política. Porque todos os mecanismos foram desenvolvidos. Todos os sistemas são bem conhecidos pelos defensores dos Direitos Humanos, pelos procuradores e por muitas instituições. Mas não há vontade política para criar um tribunal especial para casos de agressão.

O Financial Times publicou uma investigação sobre soldados ucranianos executados pelas forças russas. O Centro para as Liberdades Civis tem uma estimativa sobre o número de soldados mortos às mãos dos russos?

Não sei o número, mas esta ferramenta de execução de soldados ucranianos é muito utilizada pela Rússia. Diria que é uma ferramenta poderosa para assustar todo o mundo, todas as pessoas que querem continuar a lutar. É assustador. Estão conscientemente a fazer vídeos dessas execuções. Portanto, não é algo que estejam a tentar esconder. É algo que estão a tentar mostrar, transmitir globalmente, mas o que posso dizer claramente é que não são casos isolados. É como um mecanismo consciente da sua guerra.

O debate em que vai participar aqui em Portugal era mais importante e urgente se se realizasse nos Estados Unidos? Como vê os últimos desenvolvimentos nos esforços de paz?

Na Ucrânia é absolutamente claro que Trump chegou ao poder não para fazer a paz no mundo. E vemos que as suas primeiras ações foram contra outros países, não para apoiar a paz e acabar com as guerras. Mas ameaçou o Canadá, ameaçou o Panamá, ameaçou os mexicanos e o seu próprio povo na América. Veremos no que isto vai dar, mas, neste momento, não tenho a certeza se os seus esforços são dedicados à criação da paz.

Qual é o sentimento dos ucranianos perante esta mudança nos EUA?

Um dos defensores dos Direitos Humanos ucranianos, e também ex-prisioneiro político, Maksym Butkevych, disse ter a sensação de que todas as coisas que Trump afirmou ele já ouviu quando estava em cativeiro russo. Todas as coisas sobre manter a NATO à margem da Europa, todas as coisas da propaganda russa, todas as coisas sobre a Ucrânia estar na origem da guerra. Portanto, é bastante ridículo o facto de Trump jogar com estas narrativas da propaganda russa e do próprio Putin. A situação que vemos é muito injusta, mas isso não nos deve demover. Sabemos que temos alguns aliados, contamos com a Europa, contamos com os EUA, mas sabemos que os ucranianos são as únicas pessoas que podem perder o nosso Estado, a nossa casa, a nossa liberdade. Por isso, não nos deixaremos deter. Na Ucrânia, o sentimento principal ou o espírito principal é a unidade e estamos a tentar apoiar-nos uns aos outros neste mundo que se está a desmoronar diante dos nossos olhos. Todos os sistemas democráticos estão a ruir à nossa frente. Vemos que a China, o Irão, a Rússia, talvez agora os EUA, todo o bloco autoritário se está a formar. Por isso, sentimos que temos de encorajar a Europa, temos de encorajar a democracia a manter-se unida se quisermos salvar o nosso mundo.

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