Internacional
13 junho 2021 às 22h02

"O que gostaríamos era que a Rússia pudesse deixar de ser uma ameaça" 

Arranca hoje em Bruxelas, a primeira cimeira da Aliança Atlântica na era Biden. Espera-se que o novo presidente dos EUA ponha fim a quatro anos de "relação complicada". A convicção foi manifestada ao DN por Pedro Costa Pereira, embaixador de Portugal na NATO. As discussões vão ainda olhar o leste e para as "ameaças emergentes", com a pandemia como pano de fundo.

João Francisco Guerreiro, em Bruxelas

É a primeira cimeira da NATO com a nova administração nos EUA. Que expectativa tem ​​​​​​​da vinda de Joe Biden ?
Tivemos quatro anos razoavelmente complicados. E neste momento todos os sinais apontam para que aquilo que se tem como expectativa, em relação aos Estados Unidos, venha a confirmar-se nesta cimeira. Ou seja, um total compromisso para com a Aliança Atlântica e para com o seu artigo 5.º, na linha daquilo que é a habitual posição dos Estados Unidos no seio da NATO.

Depois dos anos complicados, uma mudança de estilo. Antecipa também uma mudança de política em relação à NATO?
Os sinais são de um relançamento da relação transatlântica nos termos normais. São estes sinais que provavelmente serão emitidos durante a cimeira. Não é nada de novo, mas convenhamos que, durante um período de quatro anos, houve uma relação que foi passavelmente complicada e os sinais não foram sempre esses do lado dos Estados Unidos.

Estava a pensar na partilha de encargos, no compromisso dos europeus de 2% em despesa militar até 2024. Mantém-se agora, com orçamentos pressionados pela pandemia?
Ninguém põe em questão o compromisso da cimeira de Gales, em 2014. Compromisso e confiança para com a aliança inclui também o compromisso de uma repartição justa de encargos. É também isto que os EUA esperam ouvir dos outros aliados. Os aliados esperam da parte dos EUA a reafirmação do compromisso para com o artigo 5.º e para com a Aliança Atlântica. Evidentemente que os Estados Unidos também esperam ouvir dos outros aliados o seu compromisso para com o respeito daquilo que foi assumido na cimeira de Gales.

As ameaças pandémicas são alínea dos planos estratégicos de defesa, mas - comprovado em 2020 - nunca devidamente considerada. A pandemia entra no debate?
A pandemia é um pano de fundo em que decorre esta cimeira. Não será um tema da cimeira propriamente dita enquanto tal. Mas é um tema que fez parte de toda a reflexão sobre como melhor ajustar a Aliança Atlântica aos desafios do seu tempo que passam, em grande parte, por um aumento da capacidade de resiliência. Tem também a ver com a forma como são capazes de fazer face a situações de crises complexas, como foi o caso desta pandemia.

Ou seja, não será um debate sobre a pandemia, mas um tópico em que o assunto pode ser enquadrado?
Vai falar-se, sobretudo, da capacidade de resiliência e da forma como os aliados sabem fazer face a situações como esta, evitando que uma crise na saúde se transformasse numa crise na segurança. E, isso foi conseguido pela Aliança.

Há outros temas no capítulo da "resiliência"?
Tudo o que tem a ver também com as tecnologias emergentes e disruptivas, com a computação quântica, com o 5G são elementos tomados em consideração pelos aliados refletindo sobre como melhor garantir a supremacia em qualquer destes domínios.

Tem sido detetada atividade nesta área, há uma ameaça a este nível na Europa?
Tudo nas tecnologias emergentes e disruptivas é relativamente novo. Está a ser explorado, mas faz parte da reflexão no âmbito da aliança. Há cinco ou seis anos não o consideraríamos. Mas avança a um rítmo galopante. O espaço cibernético passou a ser um domínio operacional da Aliança, fora dos domínios operacionais clássicos - o mar, o ar, e a Terra. Isto significa que qualquer agressão pela via cibernética pode desencadear a ativação do artigo 5.º: um ataque a um é considerado um ataque a todos, pode levar a medidas de reação. Mas não é apenas o espaço cibernético, é também o espaço sideral.

A China e a sua ascensão é um dos tópicos. Pequim tenta passar a imagem de ascensão pacífica. Porque é que este debate é necessário no âmbito da NATO?
A Aliança Atlântica, sendo uma organização de âmbito regional, tem que tomar em consideração todos os desafios impostos à escala global. Há consequências que decorrem da afirmação da China, com impacto na área de responsabilidade da aliança. Veem-se desafios, e também oportunidades. Evidente, as duas coisas devem ser tidas em consideração.

Há alguns anos, a NATO debatia a mudança de foco para o hemisfério sul, e costa mediterrânica, já que a relação a Leste estava relativamente suavizada. Já não é assim. O que espera do debate sobre Moscovo e os seus aliados?
A Aliança Atlântica tem que considerar tudo o que se passou desde 2014. Desde que a Crimeia foi anexada. Houve um ressurgimento da tensão a leste que, neste momento se reflete na forma como a Aliança encara as suas ameaças. A Aliança existe para dissuadir e para se defender. Dissuasão implica uma componente real. O objetivo é nunca ter que se defender. Dissuadir e dialogar, e ser capaz de se defender. A Aliança não foi concebida contra nenhuma ameaça em particular. Uma ameaça pode-o ser num determinado momento. Se deixar de ser ameaça sai da agenda da aliança. O que nós gostaríamos era que de facto a Rússia pudesse deixar de ser uma ameaça. Seria esse o objetivo e todos gostaríamos muito que isso pudesse ser posto de parte da agenda da Aliança Atlântica. Mas, o que é facto é que hoje ainda não estamos lá. E, há determinadas ações que são desenvolvidas nomeadamente na zona a leste: conflitos congelados e que têm a ver com a Geórgia, Ucrânia, com a sensação de ameaça que alguns aliados têm relativamente à Rússia, faz com que esse tema continue em cima da mesa.

O episódio de Minsk pode ser um ponto de partida para o debate sobre a Rússia?
O episódio que teve lugar foi apreciado nas suas devidas complexidades e já se retiraram as devidas consequências. Não há neste momento nada de particular que se possa dizer mais sobre aquilo que aconteceu em Minsk. Aconteceu e não devia ter acontecido. Evidentemente que é um acréscimo de ameaça que é sentido por parte da Aliança.

O que é expectável no debate sobre alterações climáticas?
É um desafio à escala global. A NATO não é uma organização tendente a responder em primeira linha, mas as alterações climáticas existem e o objetivo é que na Aliança Atlântica se possam compreender as implicações das ações que têm a ver com a segurança e a defesa nas alterações climáticas e procurar mitigá-las.

O secretário-geral tem pouco mais de um ano de mandato. Já se fala de sucessão?
Fala-se. Fala-se. Nos corredores, evidentemente, mas não há ainda nomes a circular. Criam-se especulações. Imagino que na cimeira de Madrid, em 2022, seja um assunto muito quente nas discussões. Para já é apenas uma perspetiva, muito real, mas que ainda não é concreta.

Disse que não há nomes em cima da mesa, mas fala-se de nomes nos corredores...
Não se fala de forma credível em nomes. Adiantam-se ideias, há neste momento situações diversas nos vários aliados. Há eleições que vão ter lugar. Tudo isto deixa sempre um pano de fundo com alguma incerteza. Não estamos no patamar de discutir, de forma credível, a substituição deste secretário-geral.

dnot@dn.pt