"Lula não fará o que bem entender com o país", diz Bolsonaro à chegada
Ex-presidente chegou ao país, após permanência na Flórida por três meses, disposto a percorrer o país mas não a fazer oposição. "Este governo já faz oposição a ele próprio", afirmou.
Jair Bolsonaro voltou ao Brasil nesta quinta-feira, dia 30 de março, depois de ficar durante 90 dias nos Estados Unidos - desde a antevéspera da posse de Lula da Silva, a 1 de janeiro, como seu sucessor na presidência do Brasil. Foi recebido por centenas de pessoas no aeroporto, primeiro, e por ex-ministros e outros aliados na sede do seu partido, o PL, depois. Já na sede garantiu à imprensa que "Lula não fará o que bem entender com o destino da nossa nação".
"Eu lembro-me lá atrás que quando alguém criticava o parlamento, o [presidente da Assembleia Constituinte de 1985] Ulysses Guimarães dizia: 'espera o próximo, que vai ser pior'. Desta vez, o próximo melhorou e muito. O parlamento orgulha-nos pelas medidas, pela forma de se comportar e agir lá dentro, fazendo o que tem que ser feito e mostrando para esse pessoal que, por ora, por pouco tempo, está no poder, eles não vão fazer o que bem querem com o destino da nossa nação, afinal de contas, o PL, onde eu estou, detém mais de 20% da Câmara e do Senado".
"Algumas coisas, como as eleições de 2022, são páginas viradas para nós, e vamos, sim, preparar-nos para as eleições [municipais] do ano que vem. Pretendo rodar pelo Brasil. Uma ou duas saídas por mês, no máximo três. Para a gente conversar com os nossos simpatizantes", prosseguiu.
Bolsonaro aterrou, em voo comercial da companhia aérea GOL, num Boeing 737 MAX 8 com capacidade para 186 passageiros, em Brasília às 6h38 locais, chegado de Orlando, na Flórida, de onde decolou às 23h08, ainda de quarta-feira, dia 29. À sua espera, cerca de 350 apoiantes, vestidos com as cores do Brasil, a cantar o hino nacional brasileiro e a gritar palavras de ordem como "Mito, Mito" e "o capitão voltou", que não viram o ex-presidente por ter sido desviado, por razões de segurança, para outra saída.
O ex-presidente concedeu entrevista à CNN Brasil, ainda no aeroporto de Orlando, de onde partira na noite de quarta-feira.
"Nós estamos focados na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito aos atos do dia 8 de janeiro. Nós lamentamos o ocorrido. Quem praticou os atos de vandalismo tem que ser culpado por isso", continuou. "Mas não vou liderar nenhuma oposição. Vou participar no meu partido como uma pessoa experiente, 28 anos de Câmara, quatro de presidente, dois de vereador e quinze de Exército, para colaborar com o que eles desejarem, saber como podemos nos apresentar para manter o que tiver de ser mantido e mudar o que tiver de ser mudado".
"As eleições de 2022 são página virada para nós, vamos, sim, preparar-nos para as eleições [municipais] do ano que vem. Pretendo rodar pelo Brasil. Uma ou duas saídas por mês, no máximo três. Para conversar com os nossos simpatizantes"
"Você não precisa fazer oposição a este governo. Este governo é uma oposição por si só dada a qualificação daqueles que compõem os ministérios. Ele [Lula] criou mais 14 ministérios, o perfil das pessoas dele é bastante diferente do das nossas, você pode fazer comparação aí e você começa a entender a razão, queria que infelizmente fosse o contrário, porque este governo não tem como dar certo".
"Com o controle dos media, o controle de armas, o Movimento Sem Terra voltando a levar o terror para o campo e essa política deles de aumentar impostos. A nossa política foi de diminuir impostos. Nós batemos recordes de arrecadação mês a mês durante o ano passado todo, mostrando que estávamos no caminho certo", disse ainda.
"Teve gente que foi enganada pelo socialismo", acrescentou. "Espero que o Brasil não mergulhe, não vá por esse caminho. E a Venezuela é o país mais rico do mundo em petróleo, era para ser um paraíso lá. Somos escravos das nossas escolhas".
Na sede do PL, Bolsonaro reuniu-se com Valdemar da Costa Neto, presidente do partido, o senador Flávio Bolsonaro, seu filho e primogénito, o deputado Hélio Lopes, o ex-ministro e ex-candidato a vice Braga Neto e outros ex-ministros da sua gestão como Ricardo Salles, Eduardo Pazuello, Ciro Nogueira e Damares Alves. Michelle Bolsonaro, mulher de Bolsonaro a quem o PL atribuiu a chefia do PL Mulher, também esteve no local.
"Você não precisa fazer oposição a este governo. Este governo é uma oposição por si só dada a qualificação daqueles que compõem os ministérios (...) Espero que o Brasil não mergulhe, não vá por esse caminho [do socialismo]"
Depois de perder as eleições em outubro, Bolsonaro ficou em silêncio, sem reconhecer a vitória de Lula, até ao final de 2022. No dia 30 de dezembro viajou para os EUA e alojou-se na casa de um lutador de artes marciais por três meses, sendo mais vezes visto a chorar a derrota do que a fazer oposição, para desilusão do PL.
Mesmo afastado, Bolsonaro vem estando sob holofotes, quase sempre por razões negativas, há meses: assistiu, em Orlando, aos ataques do 8 de janeiro protagonizados por apoiantes radicais seus, repudiados pelo Brasil e pelo mundo, e à consequente prisão do seu ex-ministro da Justiça, além de ser ver ainda envolvido num escândalo de desvio de joias do erário público que parece não ter fim.
Depois de ter sido noticiada a tentativa de um ministro de Bolsonaro de driblar a alfândega com um estojo de joias no valor de quase três milhões de euros oferecidas pelo governo da Arábia Saudita, soube-se que um segundo estojo passou a barreira do fisco e ficou na posse dele. Já depois de o ex-presidente ter sido obrigado pelas autoridades a devolver o segundo estojo, surgiu notícia de um terceiro, guardado na fazenda do ex-automobilista e notório bolsonarista Nelson Piquet.
A data de regresso de Bolsonaro foi vista, por outro lado, como estratégica por observadores: hoje, sexta-feira, 31 de março, celebra-se o 59º aniversário do golpe militar que desencadeou uma ditadura de 1964 a 1985 no país. Na gestão anterior, a data era exaltada oficialmente; o atual governo, via ministro da Defesa, já informou as chefias militares que as celebrações vão deixar de acontecer e o titular dos Direitos Humanos vai estar mesmo num evento em homenagem às vítimas daquele período.
Os clubes militares país afora, porém, organizam eventos comemorativos da data, sendo que a presença de Bolsonaro na instituição do Rio de Janeiro vem sendo especulada. O departamento de comunicação do Clube Militar carioca disse entretanto ao DN não estar prevista a sua presença.
O regresso de Bolsonaro também mereceu comentários do governo em funções. Após reunião com senadores, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, avaliou que a recepção ao ex-presidente "flopou". Segundo o ministro, Bolsonaro mostrou que "é um líder com pé de barro".
O governo Lula conseguiu, ao longo do dia, abafar o impacto do regresso do ex-presidente com o anúncio, muito aguardado pelos mercados, de Fernando Haddad, titular das finanças, da nova regra orçamental. E o próprio presidente, afastado por quatro dias devido a pneumonia, surgiu em evento relativo ao ministério do Desporto.