Internacional
14 maio 2022 às 21h33

Kiev acredita na vitória até ao fim do ano. Moscovo diz que Ocidente está em "guerra híbrida total"

No terreno, as forças ucranianas avançam para Izium e tentam cortar a linha de abastecimento russa na região de Kharkiv. Oficiais ucranianos transparecem otimismo, enquanto russos recriminam os países ocidentais.

Vencida a batalha pela região de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, as forças de Kiev avançam para Izium, a sudeste, num momento em que os serviços secretos ucranianos alegam que a Rússia está sem batalhões prontos para combate, pelo que está a recorrer a uma mobilização secreta. Em entrevista, o general Kyrylo Budanov é a voz do otimismo, afirmando que na segunda quinzena de agosto dar-se-á uma viragem e que a guerra estará vencida até ao final do ano. O chefe da diplomacia russo, por seu lado, denuncia uma "guerra híbrida total" do Ocidente ao seu país, numa altura em que a NATO discute a entrada da Finlândia e da Suécia e que o grupo de países mais industrializados mostram apoio à Ucrânia.

Um dia depois de o ministro da Defesa da Ucrânia Oleksii Reznikov ter avisado que a guerra tinha entrado numa "nova e longa fase", com "semanas extremamente duras" pela frente, tendo até dito que não se sabem de quantas semanas se está a falar, o general Kyrylo Budanov pegou no calendário e apontou para a segunda quinzena de agosto como "ponto de viragem". Em entrevista à Sky News, O general de 36 anos mostrou-se otimista quanto ao desfecho do conflito, e classificou o exército russo de "hordas com armas". Budanov previu que "a maior parte das ações de combate ativo terão terminado até ao final deste ano".

"Como resultado, iremos renovar o poder ucraniano em todos os nossos territórios que perdemos, incluindo o Donbass e a Crimeia", afirmou. A vitória de Kiev terá consequências no país agressor, crê. "Acabará por levar à mudança de liderança da Federação Russa. Este processo já foi lançado e estão a avançar nesse sentido", disse, um curso sem paragem possível, declara.

Durante semanas, a Rússia tem vindo a utilizar Izium como área de concentração para uma ofensiva mais ampla no Donbass, tentando avançar para sul a partir desta cidade, enquanto outras forças russas tentam avançar para norte a partir de Donetsk, com o objetivo de fazer um cerco a dezenas de milhares de soldados ucranianos. Mas nos últimos dias, a perda de território dos russos na região de Kharkiv e uma feroz contraofensiva ucraniana à volta de Izium dão indicações de que Moscovo pode vir a ter aqui mais uma derrota militar.

O chefe da administração militar da região de Kharkiv, Oleg Synegubov, disse que a Rússia estava agora "em retirada" em algumas áreas em torno de Kharkiv, após semanas de combates ferozes para empurrar as tropas russas para fora das cidades e aldeias vizinhas. Desta forma as forças ucranianas encontram-se em posição de interromper as linhas de abastecimento a Izium. A confirmar-se, tal terá consequências nos planos da Rússia de cercar as tropas ucranianas mais a sul.

Synegubov explicou que a ofensiva foi concebida para impedir qualquer avanço russo sobre duas cidades importantes a sul de Izium, Sloviansk e Kramatorsk. Entretanto, o Estado-Maior informou que as tropas russas estão a preparar-se para atacar várias cidades na região de Donetsk, como Sievierodonetsk, Soledar e Bakhmut, enquanto continua a lançar ataques aéreos e bombardear a região com artilharia. Segundo o governador de Lugansk Sergei Gaidai, as tropas russas sofreram baixas consideráveis e perdas materiais na sexta-feira em "combates intensos na fronteira com Donetsk, perto de Popasna".

Já o Departamento da Defesa dos Estados Unidos diz que as tropas russas não conseguem "conquistas significativas", com a artilharia ucraniana, já equipada com material enviado pelos países ocidentais, a "contra-atacar os esforços russos para ganhar território".

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo disse que o Ocidente declarou uma "guerra híbrida total" contra o seu país e é difícil prever quanto tempo durará, enquanto as consequências da guerra na Ucrânia serão sentidas em todo o mundo. "Fizemos tudo para evitar um confronto direto - mas agora que o desafio foi lançado, é claro que o aceitamos", disse.

"Os políticos ocidentais devem compreender que os seus esforços para isolar o nosso país são em vão", disse Sergei Lavrov sobre as sanções, antes de acusar os países ocidentais de roubarem os bens de outros países e de perderem a sua reputação como parceiros de confiança.

O líder russo, entretanto, falou com o homólogo da Finlândia, que o informou sobre a iminente candidatura de adesão de seu país à NATO. Putin disse que a iniciativa é um "erro".

"A conversa foi direta e sem rodeios, aconteceu sem problemas. Evitar as tensões foi considerado algo importante", afirmou o finlandês Sauli Niinisto. Em comunicado divulgado pelo Kremlin, Putin disse que respondeu ao chefe de Estado finlandês dizendo que o "fim da política tradicional de neutralidade militar seria um erro, pois não há nenhuma ameaça para a segurança da Finlândia".

"Tal mudança de orientação política do país pode ter um impacto negativo nas relações russo-finlandesas que se desenvolveram durante anos com um espírito de boa vizinhança e cooperação e eram vantajosas para ambos", acrescentou o Kremlin.

Niinisto e a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, anunciaram na quinta-feira que são favoráveis a uma adesão à NATO"sem demora". A Suécia, outro país que permaneceu à margem das alianças militares, também deverá apresentar em breve sua candidatura para integrar a NATO, após uma reunião do Partido Social-Democrata, que governa o país, neste domingo. Depois de o presidente turco ter reagido negativamente à notícia, alegando que os países nórdicos albergam terroristas, menção aos militantes curdos e aos gulenistas exilados, os chefes da diplomacia dos três países abordam a questão neste fim de semana, durante a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, que decorre em Berlim.

As recentes declarações do presidente francês e o pedido de trégua a Moscovo por parte do chanceler alemão abriram brechas na frente unida pela Ucrânia. O próprio presidente ucraniano repreendeu Emmanuel Macron.

"Isto é exatamente o que líder ocidental algum deve fazer - oferecer a Putin parte da soberania da Ucrânia para permitir que este salve a face", comentou o economista sueco Anders Aslund, autor de Russia"s Crony Capitalism, sobre a iniciativa do Eliseu. Na segunda-feira, Emmanuel Macron disse que a paz terá de ser construída sem "humilhar" a Rússia, o que foi mal recebido em Kiev. "Não devemos procurar uma saída para a Rússia, e Macron está a fazer isso. Em vão", comentou Volodymyr Zelensky em entrevista ao canal italiano RAI.

"Sei que ele quer obter resultados na mediação entre a Rússia e a Ucrânia. Mas não obteve nenhum. Até que a Rússia queira e entenda que precisa [terminar a guerra], não procurará nenhuma saída", disse ainda o presidente ucraniano.

O Eliseu desmentiu que o chefe de Estado francês tenha tentado obter "concessões diplomáticas". Para o ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Yves Le Drian, há que "manter um meio de diálogo, um vetor de possível discussão", até porque, lembra, "o presidente Putin não quer falar com o presidente Zelensky, que considera ser irresponsável, não representativo, e portanto não legítimo".

O pedido de uma trégua por parte de Olaf Scholz a Putin também foi visto por vários comentadores como "inapropriado" numa altura em que as tropas russas dão sinais de poderem vir a ter o mesmo destino no leste da Ucrânia como tiveram em Kiev. E expõe a diferença de abordagem entre Londres e Washington, de um lado (Joe Biden chegou a dizer que Putin "não pode continuar no poder"), e de Paris e Berlim, do outro. "O mundo anglófono está a salvar a Ucrânia, enquanto a União Europeia está a salvar-se a si mesma", afirma no Politico o investigador irlandês Eoin Drea, do centro de reflexão Martens Centre, em Bruxelas.

Primeiro foram tabloides como o The Sun a noticiar que o líder russo estaria doente. Depois a norte-americana New Lines Magazine revelou o conteúdo de uma conversa entre um oligarca e um empresário ocidental, no qual o russo diz que Putin tem "um cancro do sangue", e desejando que "morra do seu cancro ou de uma intervenção interna como um golpe".

A revista com sede em Washington também teve acesso a um memorando do FSB (serviços secretos russos), de meados de março, no qual se diz aos diretores regionais para não acreditarem nos rumores que dão o presidente como um doente terminal - uma mensagem que teve o efeito contrário.

Agora foi a vez do general ucraniano Kyrylo Budanov alegar que Vladimir Putin está em "muito má condição física e psicológica e muito doente". À Sky News, o antigo agente do MI6 na Rússia Christopher Steele mostra acreditar nos relatos: "Certamente, pelo que ouvimos de fontes na Rússia e noutros lugares, é que Putin está, de facto, gravemente doente."

cesar.avo@dn.pt