Internacional
26 setembro 2022 às 14h39

Meloni depois de Mussolini. A Itália de volta à extrema-direita

A extrema-direita conquistou neste domingo a terceira maior economia da União Europeia, com uma vitória histórica do partido de Giorgia Meloni nas eleições legislativas na Itália, país que, pela primeira vez desde 1945, está prestes a ser governado por uma liderança pós-fascista

DN

"Os italianos enviaram uma mensagem clara a favor de um governo de direita liderado pelos Irmãos de Itália". Já era madrugada desta segunda-feira e Giorgia Meloni reagiu assim aos primeiros resultados saídos das eleições italianas e que apontavam a sua vitória. "Faremos isso por todos" os italianos.

"É hora de os italianos voltarem a ter um governo que sai de uma decisão nas urnas e é algo em que todos têm que prestar contas," sublinhou Meloni.

A política de 45 anos lamentou uma campanha eleitoral que descreveu como "agressiva e violenta" e assegurou que "a Itália e a União Europeia precisam do contributo de todos perante a complexa situação" em que se encontram.

Meloni lamentou a abstenção de 36%, a mais elevada de sempre, e assegurou que o objetivo será "reconstruir a relação entre o Estado e os cidadãos".

"O desafio agora é fazer com que as pessoas acreditem nas instituições; muitos italianos ainda decidem não confiar", disse.

Já esta manhã, com os resultados de 59.772 secções de voto (de um total de 60.399), o partido de extrema-direita liderado por Giorgia Meloni, Fratelli d'Italia (Irmãos de Itália), confirma-se como o mais votado, com 26,19% dos votos, de acordo com a última atualização.

A coligação de direita e extrema-direita obtém 44,10% dos votos nas legislativas de domingo em Itália. O bloco de centro-esquerda, liderado pelo Partido Democrático, de Enrico Letta, conquista 26,11%, enquanto o Movimento 5 Estrelas obtém 15,41%.

A Liga, de Matteo Salvini, obtém 8,93%, enquanto o partido conservador Força Italia, de Silvio Berlusconi, recolhe 8,28% dos votos. Liga e Força Itália são os potenciais aliados de Giorgia Meloni, dos Irmãos de Itália, numa eventual maioria governamental.

A taxa de abstenção deverá ficar pelos 36,09%, sendo que a taxa de participação é de 63,91%.

Durante a noite, na sede de campanha do Irmãos de Itália a reação era de algum entusiasmo contido. Segundo o jornal La Stampa havia "um silêncio irreal, cheio de cautela". Mas havia quem não escondese algum entusiasmo, como o deputado Fabio Rampelli: "Agora posso dizer que, com estes números, podemos governar."

Salvini foi o primeiro líder partidário a comentar estas projeções, escrevendo no Twitter: "O centro-direita tem vantagem tanto na câmara baixa como no Senado. Será uma noite longa, mas agora quero dizer-vos obrigado".

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Pouco depois o coordenador do Força Itália reagiu às projeções no Twitter. "O Força Itália é determinante para a vitória do centro-direita e será determinante para a formação do novo governo", escreveu Antonio Tajani.

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Já depois da meia noite, Debora Serracchiani, responsável do Partido Democrático, admitiu a derrota e classificou o PD como "a segunda força mais votada e a primeira da oposição". Reconhecendo que os resultados ficaram "aquém do esperado" para o partido, Serracchiani deixou ainda um aviso: "A direita tem a maioria no Parlamento, mas não tem a maioria no país."

Devido à pulverização partidária, nenhum partido deverá obter uma maioria suficiente para governar sozinho. A direita e a extrema-direita conseguiram um acordo de coligação que poderá levar Giorgia Meloni ao poder e a tornar-se na primeira primeira-ministra de Itália. Integram a coligação o partido conservador Força Itália, do ex-primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, e a Liga, de Matteo Salvini, conhecido pela sua política dura contra a imigração.

A vitória da coligação de direita merece ser destacada segundo o Chega de André Ventura. Numa nota enviada às redações, o partido português considera que os resultados "obtidos por Giorgia Meloni e Matteo Salvini nas eleições italianas abrem caminho a uma verdadeira mudança de políticas em Itália".

O Chega antevê e "está seguro" que isso levará a uma "reconfiguração política da Europa" e que "estes ventos de mudança irão chegar a Portugal". "Também os portugueses terão direito a virar a página e eleger quem seja capaz de defender os seus interesses", prevê o partido de André Ventura.

O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, felicitou Giorgia Meloni pelos resultados nas legislativas italianas.

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Também o líder do partido de extrema-direita espanhol Vox, Santiago Abascal, reagiu aos resultados: "Giorgia Meloni mostrou o caminho para uma Europa orgulhosa, livre e de nações soberanas, capazes de cooperar pela segurança e prosperidade de todos. Avanti, Irmãos de Itália!"

O Jordan Bardella, eurodeputado e membro do partido de Marine Le Pen (A Frente Nacional) escreveu no Twitter que "os italianos deram uma lição de humildade à União Europeia". E o diretor político do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Na sua conta pessoal do Twitter, Balázs Orbán escreveu que "nestes tempos difíceis precisa-se mais do que nunca de amigos que partilhem uma visão comum e a mesma abordagem em resposta aos desafios da Europa". "Longa vida à amizade italiana e húngara", exaltou.

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Perante a vitória da extrema-direita nas eleições de Itália, com o partido de Giorgia Meloni, a obter o maior número de votos, a França já fez saber que vai estar "atenta" aos direitos humanos e ao direito ao aborto em Itália. Foi a primeira-ministra francesa quem o disse esta segunda-feira.

"É evidente que estaremos atentos, com a presidente da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen), para que os direitos humanos, o respeito mútuo e em particular o respeito pelo direito ao aborto, sejam respeitados por todos", em Itália, disse Elisabeth Borne, em declarações à cadeia de televisão BFMTV.

Já a líder do partido de extrema-direita francesa Rassemblement National, Marine Le Pen, disse que Itália elegeu um Governo "patriota e soberanista", após a vitória de Georgia Meloni nas legislativas de domingo.

"O povo italiano decidiu retomar o destino que tem em mãos ao eleger um Governo patriota e soberanista. Bravo a Giorgia Meloni e Matteo Salvini (Liga), por ter resistido à ameaça da União Europeia, antidemocrática e arrogante", escreveu Le Pen, numa mensagem difundida pela rede social Twitter.

A coordenadora do BE considerou que a vitória da extrema-direita nas eleições legislativas de Itália demonstra a "falência da política europeia" e o que acontece quando a direita tradicional normaliza a "política do ódio".

A vitória da coligação liderada pelo partido de extrema-direita Fratelli d'Italia (Irmãos de Itália), de Giorgia Meloni, "mostra a falência da política europeia, prova que quando se cavam as desigualdades se desacredita a democracia, e quando a democracia fica desacreditada o que cresce é a abstenção e o que cresce são os movimentos da política antidemocrática e da política do ódio", sustentou Catarina Martins, à margem de uma visita a uma residência universitária, em Lisboa.

A dirigente bloquista acrescentou que este "é um bom momento" para Bruxelas "acordar", uma vez que a ascensão ao poder de mais uma força de extrema-direita "é um sinal claro da sua falência".

Catarina Martins advertiu que não podem continuar as "políticas que põem todas as crises a serem pagas por quem vive do seu trabalho".

No entanto, apontou outro fator que poderá explicar a vitória de Meloni nas legislativas italianas de domingo: "Quando alguém acha que a direita tradicional ganha alguma coisa a normalizar a extrema-direita, engana-se. O que acontece é que a extrema-direita cresce mais. A direita tradicional transforma-se na extrema-direita racista, xenófoba, homofóbica, machista que estamos a ver. Essa lição tem de ser retirada."

A direita tradicional "acha que tem ganhos eleitorais" quando normaliza a extrema-direita, mas na opinião de Catarina Martins o que acontece é uma contaminação desses partidos com os ideais antidemocráticos. Assim, torna-se "cada vez mais difícil" fazer a distinção entre direita e extrema-direita, sustentou.

O Kremlin fez saber, entretanto, que Moscovo está disponível para desenvolver laços "construtivos" com Roma após a vitória da líder de extrema-direita Giorgia Meloni nas eleições de Itália, no domingo.

"Estamos prontos para acolher quaisquer forças políticas que sejam capazes de ir além do mainstream estabelecido, que está cheio de ódio pelo nosso país... e que mostrem vontade de serem construtivos nas relações com o nosso país", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

O partido da extrema-direita espanhola Vox saudou os resultados das eleições legislativas italianas de domingo, considerando que "Itália marca o caminho para uma nova Europa".

"Itália marca o caminho para uma nova Europa de nações livres e soberanas", escreveu o líder do Vox, Santiago Abascal, na rede social Twitter.

A extrema-direita reivindicou a vitória nas eleições italianas e "milhões de europeus têm as suas esperanças postas em Itália", defendeu o líder do Vox, partido que, como outros da extrema-direita na Europa, tem um discurso anti-imigração, anti-União Europeia, securitário e xenófobo.

Para Abascal, a italiana Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália (FdI, na sigla em italiano) e da coligação de extrema-direita e direita que venceu as eleições, "mostrou o caminho para uma Europa orgulhosa, livre e de nações soberanas, capazes de cooperar para a segurança e a prosperidade de todos".

Vox e FdI são partidos com muitas ligações, que se apoiam mutuamente, reconhecendo a similitude dos projetos que defendem.

Já o maior partido da direita em Espanha, o Partido Popular (PP, na oposição), não assumiu uma posição em relação aos resultados das eleições italianas, apesar de o presidente da formação política, Alberto Nuñez Feijóo, ter tido esta segunda-feira agenda pública.

Houve, porém, reações, não totalmente coincidentes, de dois dos dirigentes do PP atualmente com mais peso em Espanha, os presidentes dos governos regionais de Madrid e da Andaluzia, Isabel Díaz Ayuso e Juan Manuel Moreno, respetivamente.

Isabel Díaz Ayuso considerou que estas eleições provam que o socialismo "está a desaparecer" em toda a Europa por causa das alianças com a extrema-esquerda, como acontece no atual governo espanhol.

"É este o título desta noite italiana: o desastre dos socialistas aliados hoje com a extrema-esquerda", afirmou a presidente da Comunidade de Madrid.

Ayuso disse haver "algumas partes do discurso" de Giogia Meloni com que não concorda, mas revê-se em "outras partes, do diagnóstico da situação de Itália, partilhado por muitos países da União Europeia".

Já o presidente da Junta da Andaluzia disse esperar que o novo Governo italiano respeite e acate os valores da União Europeia (UE) da "diversidade, tolerância e pluralidade, dentro da essência democrática" e que "defenda também a UE".

Juan Manuel Moreno (conhecido como Juanma Moreno) defendeu também um reflexão sobre os motivos por que o designado centro político não consegue mobilizar mais eleitores e por que ganham terreno os partidos extremistas, distanciando-se, por outro lado, de Girogia Meloni.

"Aquilo de que eu gosto e que reivindico são as posições de centro e moderadas", afirmou Juan Manuel Moreno, que em junho conseguiu a primeira maioria absoluta da história para o PP na região da Andaluzia, no final de uma campanha em que apostou por um discurso moderado e ao centro, distanciando-se do perfil de outros dirigentes do PP, como Isabel Díaz Ayuso.

O Vox conseguiu há quatro anos, precisamente na Andaluzia, o seu primeiro resultado eleitoral expressivo, com o qual conseguiu entrar pela primeira vez num parlamento em Espanha.

O partido de Santiago Abascal tem desde então ganhado terreno e já este ano entrou pela primeira vez num Governo, em coligação com o PP, no executivo regional de Castela e Leão.

O partido falhou, porém, o objetivo de entrar no Governo regional da Andaluzia, com o eleitorado a dar a maioria absoluta ao moderado Juanma Moreno.

Espanha, que tem atualmente um governo de coligação entre o partido socialista (PSOE) e a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, tem eleições legislativas nacionais previstas para final de 2023.

Meloni, uma admiradora confessa do ditador Benito Mussolini, poderá ser a primeira mulher a liderar um governo italiano.

O partido Irmãos de Itália, que tem raízes neofascistas, pode vir a formar o governo mais de extrema-direita em Itália desde a queda do ditador Benito Mussolini na Segunda Guerra Mundial.

Os seus aliados, a Liga Norte de Matteo Salvini e o Forza Italia do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, tiveram resultados menos expressivos, mas entre eles podem vir a ter assentos suficientes para garantir a maioria nas duas casas do parlamento italiano.

O resultado, que ainda precisa ser confirmado, corre o risco de trazer novos problemas para a União Europeia, apenas algumas semanas depois de a extrema-direita ter tido uma subida nas eleições na Suécia.

Meloni, que fez campanha com o lema "Deus, país e família", abandonou os seus apelos para que uma das maiores economias da Europa deixe a zona do euro, mas diz que Roma deve afirmar mais os seus interesses em Bruxelas.

Após as eleições, o Presidente italiano, Sergio Mattarella, como chefe de Estado, realizará consultas aos líderes partidários para avaliar quais as forças políticas que estão dispostas a formar uma coligação. Depois, pedirá, formalmente, ao líder de um dos partidos para tentar formar um governo com uma maioria sólida no parlamento. Se conseguir, Mattarella recebe, então, a lista do Governo, que, depois, tem que conseguir um voto de confiança no parlamento.

Todos os novos governos em Itália têm que "passar", no parlamento, com um voto de confiança.

A nova legislatura começa três semanas depois das eleições, com a realização das primeiras reuniões das duas câmaras. Assim, o novo Parlamento deverá estar em funções até meados de outubro. Só depois de escolher os presidentes de duas câmaras, poderá ser agendado voto de confiança.

Em tese, o mandato do Governo acompanha o mandato do parlamento, que é de cinco anos. Mas Itália é conhecida pelas crises políticas e pelos muitos governos.

Desde as eleições de 2018, os italianos tiveram três governos: dois chefiados pelo líder do Movimento 5 Estrelas, Giuseppe Conte, e outro por Mário Draghi.

As legislativas estavam previstas para a primavera de 2023, ano que o mandato de cinco anos do parlamento deveria terminar.

As eleições deste domingo foram marcadas depois de o Movimento 5 Estrelas ter decidido abandonar a coligação governamental. O primeiro-ministro, Mário Draghi, optou por renunciar, em julho passado, fazendo cair o Governo, dois anos após a sua constituição.

Com agências

Notícia atualizada às 16:20 de segunda-feira (26 de setembro)